Após recolher 9 milhões de carros com defeito e ter fornecedores destruídos pelo tsunami, a Toyota volta a ser a maior montadora do mundo — será que vai durar?
Toyota City - Quando assumiu a presidência da Toyota, em junho de 2009,
Akio Toyoda, neto do fundador da empresa, sabia que teria pela frente
um desafio um tanto espinhoso.
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Aos 53 anos de idade, ele ocupava o posto de vice-presidente no que era então a maior montadora do
mundo — e foi alçado ao cargo em meio à mais grave crise da história da
Toyota, causada por um recall de 9 milhões de automóveis que haviam
apresentado problemas primários, como falha nos freios e aceleração
repentina.
O número de carros recolhidos superou a produção anual da montadora. Em
fevereiro de 2010, Toyoda veio a público pedir desculpas, mas já era
tarde. Com a imagem de qualidade abalada, as vendas da Toyota no mundo
caíram 15% em 2009, e a montadora, além de ter um prejuízo de 4,5
bilhões de dólares, perdeu a liderança no setor para a General Motors.
Mas o drama de Toyoda não havia chegado ao fim. Em 2011, o tsunami no
Japão e as enchentes na Tailândia (que destruíram fábricas de seus
fornecedores), aliados à valorização do iene, complicaram ainda mais a
situação da Toyota — a ponto de um analista, em tom de piada, dizer que
os concorrentes estavam “fazendo vodu” com a empresa.
Mas eis que, ao fim do primeiro trimestre, um número deixou as empresas
de automóveis de queixo caído: a Toyota voltou a ser a maior montadora
do mundo. Vendeu 2,5 milhões de unidades no período — 330 000 a mais que
a rival Volkswagen.
“Tivemos momentos muito difíceis”, disse a EXAME Yukitoshi Funo,
vice-presidente responsável pelas operações internacionais da empresa,
numa entrevista concedida na sede da companhia, em Toyota City, no
Japão. “Aprendemos com os nossos erros. Somos uma companhia melhor e
mais eficiente. Estamos prontos para retomar a briga.”
Como a volta da Toyota à
liderança foi possível? Em resumo, a empresa teve de recomeçar
praticamente do zero. Na ânsia de se tornar a número 1, a montadora
havia se transformado em um gigante burocrático e engessado — nenhuma
decisão minimamente importante podia ser tomada sem o aval da matriz.
Toyoda convenceu-se, então, de que era preciso descentralizar a gestão —
e a palavra de ordem na empresa passou a ser agilidade. Tão logo
assumiu a montadora, ele eliminou 16 dos 27 postos no conselho de
administração, cortou 17 cargos executivos (de um total de 77) e passou a
se reunir semanalmente com cinco dos profissionais mais renomados da
montadora — além de Funo, que fez carreira na operação americana, também
participa da reunião Takeshi Uchiyamada, criador do híbrido Prius, por
exemplo.
Seu objetivo era decidir mais rápido o que fazer, sem esperar o
veredito de comitês. Bastou uma dessas reuniões em 2010 para que Toyoda
decidisse injetar 50 milhões de dólares na fabricante de carros
elétricos americana Tesla Motors — desde então, a Toyota já fechou um
contrato de 60 milhões de dólares para que a montadora forneça bateria
para a versão elétrica de seu utilitário RAV4.
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Ao mesmo tempo, as 170 subsidiárias da Toyota ganharam autonomia para
resolver eventuais problemas com clientes — seus executivos foram
orientados a checar falhas nas linhas de produção em um prazo máximo de
24 horas. “Redesenhamos a companhia”, diz Funo.
Nenhum episódio levou tão ao limite esse redesenho quanto o tsunami que
atingiu o Japão em março do ano passado. Embora não tenha afetado
significativamente as fábricas da montadora, concentradas no sul do
país, o maremoto destruiu importantes fabricantes de autopeças — ao
todo, cerca de 500 peças usadas nos carros da Toyota deixaram de ser
produzidas.
Toyoda reuniu, então, os responsáveis pelas áreas de engenharia e de
motores e, pela primeira vez na história da empresa, ordenou que se
virassem para restaurar a produção — sem a necessidade de pedir
permissão a seus superiores imediatos. Parece bobagem aos olhos de um
ocidental, mas foi um inédito rasgo na cadeia hierárquica, tão comum em
empresas asiáticas.
Uma dupla de engenheiros foi destacada para encontrar peças substitutas
para as que faltavam, até que as fábricas destruídas voltassem a
funcionar normalmente. Já em abril, o número de peças indisponíveis
caíra para 150.
Em maio, faltavam apenas 30. O problema fora resolvido na metade do
tempo previsto, para alívio de Toyoda — mesmo assim, o estrago havia
sido enorme: 800 000 unidades deixaram de ser fabricadas, um décimo da
produção anual da Toyota.
Retorno às origens
Desde que foi fundada, em 1937, a empresa — originária da Toyota
Industries, que produzia máquinas para tecelagem — pautou-se pelo
princípio genchi gembutsu (em japonês, vá e veja). Na prática, isso
significa que os principais executivos da montadora deveriam acompanhar
de perto as várias etapas da produção, criando na empresa uma obsessão
por qualidade.
O problema é que, à medida que a Toyota se transformou em um colosso de
230 bilhões de dólares em faturamento, capaz de produzir mais de 900
carros por hora, esse princípio acabou virando impraticável. No
diagnóstico de Toyoda, foi isso que levou à crise de qualidade de 2009.
Para retomar os antigos padrões, a Toyota centrou-se em detalhes. A
empresa passou a filmar e fotografar os movimentos dos operários nas
principais etapas de fabricação dos automóveis no Japão — e tem
esmiuçado as imagens em busca de eventuais falhas ou ineficiência.
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Além disso, aumentou em quatro semanas o tempo de fabricação dos carros
— Toyoda passou, ele mesmo, a dirigir os carros da montadora e
compará-los aos concorrentes. O executivo tem se dedicado especialmente à
marca de luxo Lexus, criada pela Toyota para competir com as alemãs
Audi e BMW.
Além de fazer da Lexus uma divisão independente, ele capitaneou o
desenvolvimento de um modelo esportivo de fibra de carbono, o LFA, e o
testou pessoalmente na pista de Nürburgring (usada pela Fórmula 1), na
Alemanha. Os resultados dessa nova postura da empresa já começam a
aparecer.
A Toyota passou da 22a para a oitava posição no ranking de qualidade
elaborado pela consultoria JD Power&Associates entre 2010 e 2012, e
voltou a figurar entre as marcas mais respeitadas dos Estados Unidos.
Apesar de surpreendente e justamente comemorada, a volta da Toyota à
liderança pode ser um evento passageiro. O fato é que os japoneses
tiveram um pouco de sorte na briga com a Volks, que assumiu a liderança
mundial em 2011. A recuperação da montadora japonesa nos Estados Unidos
tem sido muito mais robusta que a da Volkswagen na Europa.
Além disso, o desaquecimento do mercado chinês, no qual a Volks é líder
absoluta, não vem ajudando. Na briga com os alemães, a Toyota optou por
dar mais autonomia a suas subsidiárias. A ideia é que elas desenvolvam
carros específicos para cada mercado. O compacto Etios, que começará a
ser vendido no Brasil em setembro, é um bom exemplo disso.
O carro foi desenvolvido por engenheiros brasileiros e indianos e será
vendido exclusivamente em países emergentes. Ao todo, o projeto levou
seis anos para sair do papel. Com o Etios, a Toyota espera praticamente
dobrar sua participação de mercado no país, para cerca de 4%.
Em agosto, Toyoda deverá visitar o Brasil pela primeira vez desde que
assumiu a presidência. Nos Estados Unidos, a montadora vai lançar neste
ano uma família de híbridos derivados do Prius — e vai lançar outros
sete híbridos, todos desenvolvidos pelo centro de design da empresa na
Califórnia.
Na Europa, a montadora fechou uma parceria com a BMW para finalmente
desenvolver motores a diesel, adaptados ao hábito local. Por fim, a
Toyota vai inaugurar no ano que vem seu primeiro centro de pesquisa na
China — sua participação de mercado naquele país não passa de 5%.
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Concorrência acirrada
Em sua corrida de recuperação, a Toyota ainda tem de enfrentar um
desafio que foge de seu controle: a valorização do iene, que chegou a
35% nos últimos cinco anos. Como boa parte das peças e dos motores
empregados na fabricação dos carros da Toyota no mundo ainda é produzida
no Japão, os veículos da marca acabam ficando mais caros — só no ano
passado, a Toyota gastou 1 bilhão de dólares para compensar a
valorização da moeda, evitando ter de repassar o aumento de preços nos
Estados Unidos.
Diante disso, o mais provável é que a montadora terceirize ainda mais a
produção para suas operações internacionais. Enquanto isso, a Volks não
pretende ficar parada. Em abril, a montadora alemã anunciou a
construção de mais uma fábrica na China — o objetivo é dobrar as vendas
naquele país para 4 milhões de automóveis até 2018.
O anúncio foi feito pela chanceler Angela Merkel depois de acompanhar
uma visita do primeiro-ministro chinês Wen Jiabao à sede da empresa em
Wolfsburg, na Alemanha. Além disso, a empresa inaugurou no ano passado
sua primeira linha de montagem nos Estados Unidos — localizada no estado
do Tennessee, a unidade tem custos trabalhistas 48% menores que os da
Toyota naquele país.
Ainda é cedo para saber se a Toyota conseguirá se manter na liderança
do mercado até o final do ano. As chances de uma ultrapassagem da rival
alemã são grandes. Mas uma coisa é certa: a briga de Akio Toyoda apenas
começou.
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