Se você tem um ou uma ex, então você tem um "stalker". Se o seu ou a sua
ex tem uma nova companhia, então já são dois stalkers em potencial.
Some a eles paqueras, gente que não gostava de você na escola ou que
gostava até demais. Todas essas pessoas e outras que você nem imagina
podem estar acompanhando seus passos de maneira sistemática.
O termo "stalking" (do inglês "espreitar") passou a ser usado nos anos
1980 para se referir a fãs que perseguiam celebridades, invadindo suas
casas e forçando contato.
A chamada web 3.0 --definida por Reid Hoffman, fundador do Linkedin,
como uma rede com presença maciça de dados pessoais-- fez com que muita
gente se transformasse em pequena celebridade de nicho só por ter um
site conhecido ou muitos seguidores no Twitter.
Fabio Braga/Folhapress | ||
'A ex do meu noivo faz da minha vida um inferno', diz a fotógrafa Olivian Moioli, 32 |
Resultado: a preocupação com a perseguição migrou para a realidade de
gente anônima, que anda pelas ruas sem segurança e é conhecida só por um
grupo.
Mas, se o "cyberstalking" é definido como o hábito de buscar informações
sobre determinada pessoa na internet, fica bem difícil separar as
pessoas entre perseguidores e alvos de perseguição.
"A forma como assediamos a vida uns dos outros hoje tem tudo a ver com o
processo de celebrização da sociedade. Há um impulso de consumir a vida
do outro, de usá-la como entretenimento, semelhante a um filme",
explica Eugênio Trivinho, professor do programa de pós-graduação em
comunicação e semiótica da PUC-SP.
"Se as pessoas não fossem todas stalkers, o Facebook não seria tão acessado", provoca a estudante de direito Gabriela Assis, 23.
Ela conta que, na adolescência, desenvolveu o hábito de conferir a vida
dos colegas pelo Orkut. "Se gostava de um menino, queria saber se tinha
namorada, o que fazia. Para isso, acompanhava as conversas do
'scrapbook' dele."
Gabriela não vê nada de errado em seu comportamento: "Apenas faço uma
análise detida do que as pessoas escolheram publicar, não roubo dados de
ninguém".
Há perseguidores e perseguidores. Alguns se limitam a investigar a vida
de pessoas que já conhecem, outros se encantam por desconhecidos e
procuram meios de se aproximar deles.
Uns mantêm suas atividades apenas no campo virtual, outros passam a
frequentar os mesmos lugares de seus objetos de atenção, montando um
cerco presencial.
SEM LEI
O Brasil não tem leis específicas para regular a vigilância virtual, mas
há casos em que cabe uma ação civil, afirma Victor Haikal, especialista
em direito digital.
"Não é porque escolhi compartilhar minhas informações que as pessoas
podem fazer o que quiser com elas. Há abusos de direito que fogem do uso
regular das redes sociais", explica Haikal.
Para o advogado, seria abuso, por exemplo, enviar fotos constrangedoras
que a pessoa postou em sua rede social para seus chefes ou colegas de
trabalho, tentar contatos insistentes por e-mail ou usar informações do
geolocalizador dela para persegui-la pela cidade.
"Os danos da vigilância nem sempre são mensuráveis. Mesmo que a pessoa
não lhe faça mal, não é saudável se sentir vigiado por alguém", defende
Breno Rosostolato.
Para Heloisa Pereira, docente do curso sobre redes sociais e "novos
paradigmas do ciberespaço", da PUC-SP, a vigilância é uma consequência
natural da aura de importância que as pessoas criam em torno de si
mesmas.
"Cada um se vende como alguém muito especial. O stalker é um ingênuo que comprou essa história e se obcecou por ela."
No Orkut, a busca de dados era ativa: era preciso entrar na página da
pessoa, vasculhar fotos e mensagens. No Facebook, essas informações são
atiradas na cara do usuário: uma barra lateral que avisa o tempo todo
quem ficou amigo de quem, quem curtiu a foto de quem.
"A nova estrutura dos sites é feita para estimular essa curiosidade pela
vida alheia. Progressivamente, as redes sociais tiraram nossa opção
entre ser ou não ser stalker", diz Vinícius Andrade Pereira, presidente
da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura.
CAÇADA DIGITAL
A designer Lorena Dias, 31, manteve, dois anos trás, um blog sobre
beleza onde compartilhava fotos das roupas que usava. Recebia cerca de
50 visitas diárias. Segundo ela, eram amigos reais e virtuais e suas
irmãs.
Quando terminou um namoro longo, o blog ganhou uma nova leitora: a
namorada de seu ex. "A garota ia todos os dias na minha caixa de
comentários para me chamar de gorda. Usava coisas que ficava sabendo
pelo meu Facebook para me atacar", diz. Os comentários eram anônimos,
mas Lorena descobriu a autora pelo IP (número de identificação de
computadores).
"Ela escrevia coisas horrorosas do computador do trabalho dela, aparecia
lá o nome da empresa. Um dia liguei para a chefe dela. Não foi
demitida, mas levou bronca."
"Somos todos 'stalkers' de fases, o problema é quando desenvolvemos
técnicas apuradas e perdemos muito tempo nisso", explica Luciana Ruffo,
psicóloga do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática, da PUC-SP.
Para ela, fases como o começo ou fim de um relacionamento são propícias a
acessos de curiosidade, mas é preciso ficar atento. "As pessoas ao
redor são um termômetro de quando o interesse no outro excede a
normalidade. Quando seus amigos disserem 'você ainda está nessa?' é hora
de parar."
"O stalker é o maior prejudicado da história. É ele quem dedica seu
tempo numa busca inútil", opina Loraine Pivatto, analista de sistemas e
autora de "Perseguição Digital" (Novos Peregrinos, 202 págs., R$ 29). "A
internet nos dá um poder muito grande sobre os outros, mas nem todos
estão dispostos a abusar desse poder", conclui.
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