Sob a investigação que derrubou o
chefe da CIA e agora ameaça manchar a reputação do comandante americano
das tropas no Afeganistão, há um risco para o qual os defensores das
liberdades civis há muito têm alertado: o de que, ao policiar a internet
contra o crime, a espionagem e a sabotagem, investigadores do governo
vão inevitavelmente invadir vidas privadas.
Na internet – e sobretudo em e-mails, comentários e fotos – as vidas
profissional e privada estão inextricavelmente misturadas. Mensagens
sensíveis ficam guardadas por anos em servidores, passíveis de serem
descobertas por investigadores em busca de coisas completamente
diferentes.
No caso atual, Jill Kelley, amiga de David Petraeus, ex-diretor da CIA,
e de John Allen, comandante da Otan no Afeganistão, estava incomodada
com meia dúzia de e-mails anônimos e os levou ao FBI. O que começou como
um conflito privado ente duas mulheres – Jill e Paula Broadwell,
suposta autora dos e-mails ameaçadores e biógrafa de Petraeus – teve
custos públicos incalculáveis. A CIA, de repente, está sem diretor
permanente num período de desafios urgentes para a Inteligência na
Síria, no Irã, na Líbia e em outros lugares. O líder do esforço liderado
pelos EUA no Afeganistão está distraído, no mínimo, por uma
investigação sobre as trocas de e-mail que teve com Jill.
Descobertas inesperadas
Para defensores da privacidade, o caso soa os alarmes. “Deveria haver
uma investigação sobre os poderes de vigilância do FBI no que tange às
vidas privadas dos generais Petraeus e Allen”, afirma Anthony Romero,
diretor-executivo da União Americana de Liberdades Civis.
Oficiais dizem que usaram apenas métodos convencionais no caso. Como
denunciante, Jill provavelmente deu ao FBI acesso a seu computador. Ao
investigá-lo, os oficiais descobriram os e-mails do general Allen, que o
alto escalão do FBI considerou “potencialmente inapropriados”,
partilhando-os com o Departamento de Defesa. Num processo paralelo, os
investigadores tiveram acesso, provavelmente usando um mandado de busca,
a uma conta de Paula no Gmail. Ali, encontraram mensagens de Petraeus.
Marc Rotenberg, diretor-executivo, na capital, do Centro de Informação
da Privacidade Eletrônica, afirma que a cadeia de descobertas
inesperadas não é pouco usual em casos centrados em computadores. “Se o
diretor da CIA foi apanhado, é praticamente temporada de caça para
qualquer outra pessoa.”
Por anos, legisladores têm se digladiado em relação a quais agências
deveriam ser responsáveis pelo monitoramento da internet em busca de
invasões perigosas. Defensores de liberdades civis estão particularmente
preocupados com a Agência de Segurança Nacional, cuja expertise é
incomparável, mas cuja imensa capacidade de vigilância é vista como
assustadora. Eles exigiram, com sucesso, que o Departamento de Segurança
Interna tenha um papel de liderança na cibersegurança. Isso se deve, em
parte, ao fato de que o departamento é mais aberto ao escrutínio
público do que a agência. Até hoje, ela não revelou quase nada sobre o
uso de grampos sem autorização judicial realizados nos EUA na caça a
terroristas.
Limites da vida pessoal
Alguns podem aplaudir os resultados da investigação do FBI. Por ter um
caso extraconjugal, Petraeus alegadamente se fez vulnerável à chantagem,
algo preocupante para um membro do alto escalão da Inteligência. E se
fossem os russos ou chineses, em vez do FBI, os responsáveis por
descobrir a relação de Petraeus e Paula? Além disso, a lei militar
proíbe o adultério – o que pessoas ligadas ao general Allen negam que
ele tenha cometido – e alguns tipos de relacionamento. A privacidade de
um oficial deveria, então, ser total?
Alguns comentaristas repisaram o argumento de que a cultura puritana
americana reage exageradamente a transgressões sexuais que têm pouca
relevância para o desempenho profissional. O velho debate agora ocorre
na era da informação eletrônica.
Texto de Scott Shane, do The New York Times, tirado do Observatório da Imprensa.
Texto de Scott Shane, do The New York Times, tirado do Observatório da Imprensa.
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