terça-feira, 17 de julho de 2012

A gigante Unilever sob ataque


O mercado de bens de consumo deu um salto no país. Estrangeiros cresceram, brasileiros surgiram. Todos eles atacaram a líder Unilever, que não cresce desde 2010.

  São Paulo - Até setembro do ano passado, o assunto que dominava as conversas de corredor na subsidiária brasileira da anglo-holandesa Unilever, a segunda maior empresa de bens de consumo do mundo, era uma viagem.
Desde 2008, três vezes por ano, cerca de 50 executivos da companhia se encontravam em lugares como a praia do Forte, na Bahia, e Ubatuba, em São Paulo, para discutir como equilibrar vida pessoal e profissional e “desligar” do trabalho.
No segundo semestre, havia ainda um quarto encontro, dessa vez para cerca de 300 funcionários, em cidades pequenas, como Inhaúma, no interior de Minas Gerais, e Cambará do Sul, na Serra Gaúcha. Batizadas internamente de journeys, essas reuniões costumavam se estender ao longo de três dias.
Especulava-se, então, que a parada seguinte, prevista para setembro de 2011, aconteceria em Manaus. Seria o lugar ideal para a despedida do holandês Kees Kruythoff, então presidente da Unilever — e também para dar as boas-vindas a seu substituto, o argentino Fernando Fernandez, de 45 anos.
Mas, para decepção geral, Fernandez tinha outros planos. Decidido a colocar em prática uma política de corte de custos, ele cancelou a viagem assim que se instalou na sede da companhia, em São Paulo, em 1o de setembro do ano passado. “No fundo, sabíamos que essa política de passeios, com luau e corridas na praia, não poderia durar para sempre”, diz um gerente da Unilever.
Fernandez, como se vê pela viagem cancelada, não parece ter entre seus planos se tornar o presidente mais popular da história da Unilever no Brasil (desde que assumiu, as tais journeys ficaram no passado). E talvez seja mesmo esse o tipo de executivo de que a gigante anglo-holandesa precise hoje.
Há mais de duas décadas na Unilever, Fernandez foi o primeiro latino-americano a comandar uma divisão mundial da companhia — a área de produtos para cabelos, uma das maiores da multinacional. Também foi presidente da empresa nas Filipinas. Nenhuma dessas empreitadas foi tão complexa como a que ele tem encarado desde que chegou ao Brasil, segundo maior mercado da Unilever no mundo.
Líder absoluta em categorias como sabão em pó, desodorantes e sorvetes, a empresa não cresceu praticamente nada nos últimos dois anos: o faturamento do grupo parou nos 12 bilhões de reais. Enquanto isso, seus principais concorrentes avançaram. As multinacionais Procter & Gamble e Reckitt Benckiser cresceram, respectivamente, 32% e 18% em 2011. A Nestlé, 18,5%. 

Até a brasileira Hypermarcas, que vem se desfazendo de marcas menos lucrativas, se deu bem: cresceu 14% no ano passado. Claro que, com exceção da Nestlé, elas partem de bases muito mais baixas. A Procter, mesmo com esse crescimento todo, ainda tem um terço do tamanho da Unilever.

  E crescer, para quem tem 50% de participação de mercado em algumas categorias, é mesmo mais difícil. Mas, dito isso, o fato é que a Unilever está sob ataque em meio à expansão do mercado brasileiro de bens de consumo.
“Esse ataque acontece por todos os lados”, diz Roberto Nascimento de Oliveira, especialista em varejo da consultoria Foco. Como se não bastasse a vida dura, a Unilever no mundo tem como missão dobrar de tamanho até 2020 — como o Brasil é o segundo maior mercado da empresa, isso só será possível se a operação local voltar a crescer 2 dígitos. 
Lava mais branco, dá menos lucro
Mesmo em um mercado em franca expansão como o brasileiro, fazer com que a Unilever alcance esse objetivo em oito anos não será uma tarefa trivial. Nos últimos cinco anos, a companhia  vem perdendo participação de mercado nas principais categorias em que atua. Segundo dados da consultoria Euromonitor, a fatia da multinacional no segmento de lavanderia (responsável, segundo EXAME apurou, por 30% da receita da empresa) caiu de 46% para 43%.
Nesse sentido, poucas marcas têm gerado tanta preocupação quanto a do sabão em pó Omo. Tradicional carro-chefe da Unilever, a marca vem perdendo espaço na última década — devido à concorrência acirrada, a empresa não está conseguindo repassar ao consumidor o dinheiro que investe em marketing e desenvolvimento.
O preço da caixa de sabão em pó de 1 quilo ficou estacionado em 4,98 reais por seis anos, até ser reajustado, neste ano, para 5,48 (para acompanhar a inflação no período, a caixa deveria custar 6,62 reais). Ou seja, para não perder ainda mais mercado, a empresa teve de abrir mão da rentabilidade em seu principal produto.
O motivo para essa dificuldade é a notável expansão da concorrência. Em 2008, a Procter lançou uma versão líquida de seu sabão Ariel. Em pouco mais de quatro anos, esse tipo de sabão já havia tomado 24% do mercado, de acordo com a consultoria Kantar Worldpanel. 

Foi somente em 2010 que a Unilever lançou uma versão líquida do Omo, hoje líder. “A Unilever habituou-se a lançar uma novidade no mercado e lucrar enquanto os concorrentes tentavam copiá-la”, diz Maurício Morgado, professor de varejo da Fundação Getulio Vargas. “Como o mercado mudou, hoje esse tipo de coisa também acontece em sentido contrário.”

  No lucrativo setor de cuidados pessoais, segunda maior fonte de receitas da Unilever, com  margens que podem chegar a 60%, a situação não é muito diferente. De 2006 para cá, a participação de mercado da empresa caiu de 11% para 10% — parece pouco, mas, no ano passado, cada ponto percentual nesse mercado equivaleu a 430 milhões de dólares em vendas.
De acordo com a consultoria Euromonitor, de 2002 a 2011 a companhia perdeu 2 pontos percentuais no nicho de produtos para cabelos (a empresa não comenta). A renovação da linha Seda, que custou 125 milhões de reais, derrapou.
“Em um mercado competitivo como o nosso, toda a indústria acaba se mexendo”, diz Julio Campos, vice-presidente de vendas da Unilever (Fernandez não concedeu entrevista). “O importante é mantermos a liderança.” Curiosamente, a Unilever enfrentou o problema oposto com a marca TRESemmé. Lançados em novembro do ano passado, os produtos foram tão bem recebidos que chegaram a faltar em alguns varejistas por mais de dois meses. 
O bônus caiu
O efeito dessas dificuldades recentes no lucro da Unilever é um segredo restrito a um grupo de nove executivos — nem os diretores sabem exatamente qual é a margem de lucro final da companhia. Mas a ênfase que Fernandez tem dado à necessidade de aumentar a eficiência da empresa denota insatisfação com os resultados.
A expectativa é grande, já que as dificuldades enfrentadas pela empresa diminuíram o bônus da equipe: em abril de 2011, a alta gerência da empresa, habituada a receber seis salários de bonificação, recebeu, em média, um salário e meio (a companhia não confirma).
Em 2012, a coisa melhorou um pouco — o bônus referente ao ano anterior foi de três salários. Isso abriu espaço para que concorrentes como Natura e Flora tirassem executivos da Unilever. No caso da Flora, os bônus têm chegado a 15 salários por ano. “A ordem na companhia agora é investir em produtos que deem dinheiro”, diz um executivo da Unilever. “Enquanto o antecessor era um homem de marketing, Fernandez é o típico gestor financeiro.”
Marcas que andavam esquecidas pela empresa, mas que oferecem boas margens, como o amido de milho Maizena e a linha de produtos de limpeza Cif, devem receber investimentos em breve.

Segundo quatro executivos da empresa ouvidos por EXAME, a percepção é que há muito espaço para cortes de custos — e que, embora ainda não tenha feito nada drástico, Fernandez não tardará a enxugar sua estrutura. É cada vez menos provável que os planos de falar sobre a vida em retiros na praia ou na montanha sejam retomados tão cedo — pelo menos não até 2020. 

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