Profissionalização dos pequenos varejistas e abordagem arrogante das empresas distribuidoras são problemas para um canal com voz e vez no país. Crescimento ultrapassa grandes hipermercados
A passada rápida no mercadinho ao lado de casa após um dia de trabalho
ou estudo já se tornou um hábito na vida do brasileiro. Em alta, os
chamados mercados de vizinhança no Brasil já ultrapassam os
hipermercados nos índices de crescimento: em 2010 os pequenos cresceram
8,5%, enquanto os grandes estagnaram. O grande desafio, porém, reside na
profissionalização dos varejistas e na atenção da indústria, que ainda
não enxerga a expansão do canal como deveria.
Hoje, os “mercadinhos” de um a quatro check outs passam de 55 mil
estabelecimentos, com uma média de crescimento de 5% ao ano. “No ano
passado, os grandes cresceram de 1% a 2%, o que ainda representa uma
grande distância do pequeno varejo, que vai continuar crescendo”, afirma
em entrevista ao Mundo do Marketing Marco Aurélio Lima, Diretor da GfK
no Brasil e responsável pela pesquisa “Mercado de Vizinhança – Um desafio para a indústria”, apresentada no 5º Congresso Brasileiro de Pesquisa.
Para comprar o jantar do dia ou o pão do café da manhã, é cada vez mais
comum a praticidade que o consumidor busca. Parte da receita do sucesso
dos mercados de vizinhança está na estabilidade econômica do Brasil e na melhoria de renda da população, que juntas refletem na desconcentração da economia e da indústria.
Outra parte se deve à conveniência: o canal respondeu por mais de 40%
do volume das vendas em alimentos, higiene, limpeza e perfumaria no país
em 2011. De acordo com a pesquisa, 50% dos brasileiros frequentaram
lojas de pequeno varejo nos últimos seis meses.
Grande entrave: profissionalização
Com números invejáveis para o setor, os mercados ainda enfrentam o
desafio de se estabilizarem e crescerem com profissionalização adequada.
A pesquisa da GfK mostra que 80% dos varejistas não cursaram ou
concluíram uma universidade. Com experiência de 16 anos, em média,
faltam entendimento e discernimento para os lojistas se relacionarem com
consumidores e a indústria.
O reflexo da falta de adequação pode ser visto nas perguntas que não
souberam responder sobre o próprio empreendimento: 30% não definem
claramente o tamanho do estoque que possuem, 75% não sabem sobre o
ticket médio, 55% desconhecem quantos clientes vão às lojas e 45% não
quantificam o percentual de perdas ou quebras.
Em sua maioria de origem familiar, com índice de 85%, as empresas ainda
terão um longo caminho pela frente. A profissionalização é essencial,
porém não imediata. “Uma pessoa não muda de uma hora para outra e nem
consegue fazer uma faculdade em um ano. Existem associações que estão
ajudando, por exemplo, a Associação Brasileira de Supermercadistas e
suas regionais. O movimento é muito pequeno e, provavelmente, muitos
varejistas começarão a participar de cursos e crescer. Mas ainda ficará
por alguns anos como uma questão muito familiar”, explica o Diretor da
GfK.
Indústria: outro desafio
Se por um lado falta profissionalização do pequeno varejista, por
outro, a indústria ainda não descobriu a melhor forma de se relacionar
com esses empresários. Ainda que a comparação com o grande varejo seja
inevitável, ela deve ser evitada pela própria forma familiar com que os
mercados de vizinhança trabalham.
Uma das maiores queixas do varejista, de acordo com o estudo feito pela
GfK, é a forma do contato da indústria. “O que percebo é que as marcas
chegam de uma forma muito arrogante, se impondo, ‘Olha, eu sou a Ambev,
sou a Pepsico, então você tem que comprar meus produtos’. Hoje, se
olharmos o mercado, poucas empresas são realmente parceiras do pequeno
varejo. Destacaria a Coca-Cola e a Unilever”, diz Lima.
A falta de tato da indústria reflete nos pequenos lojistas: entre 40% e
50% não conseguem ver parceria com ela, o que mostra um grande gap
entre ambas. Segundo a pesquisa, pequenos atos como ensinar a colocar
produtos nas gôndolas, organizar o estoque ou manusear alimentos que
exijam mais cuidados são exemplos simples e claros da forma como os
varejistas gostariam de ser tratados.
Outro recurso, ainda pouco usado pelas marcas, é o investimento nos
pequenos lojistas. “O grande x da questão é que a indústria terá que
desembolsar um pouco mais em processos internos para entender e chegar
no pequeno varejo. A grande incógnita é até onde vale a pena gastar para
ter um retorno. As marcas que investiram já perceberam que dá certo. Às
vezes a indústria gasta dinheiro com campanhas em mídias tradicionais,
sendo que uma campanha no pequeno varejo teria um grande retorno. Falta
pouco para a indústria chegar lá e, claro, algumas investirão e outras
não”, avalia Marco Aurélio.
Dois Brasis
Ainda que a comodidade e estabilidade financeira sejam essenciais para o
desenvolvimento dos pequenos mercados, o cenário não é homogêneo no
país. Compartilhando de características similares quando o assunto é
preço, os grandes centros ainda se distinguem dos pequenos em relação ao
motivo da escolha de se tornar consumidor dos mercadinhos.
Com pouca expectativa de ampliação do pequeno varejo, os consumidores
de cidades mais populosas são dominados pela praticidade e economia
de tempo. Eles preferem pagar um pouco mais caro nos produtos a pegar o
carro, enfrentar engarrafamentos e demorar horas na fila de um
hipermercado.
Por outro lado, nos pequenos centros, os mercadinhos tendem a crescer
devido à evolução de renda da população, com ênfase maior nas classes C e
D. Com a estabilidade financeira, em parte alcançada por meio de
programas governamentais como Bolsa Família ou Bolsa Escola, os
consumidores compram mais e buscam produtos que antes não tinham
condições de comprar.
Entre pequenos e grandes centros, é como se os mercados de vizinhança
dividissem o Brasil. “São dois Brasis que estão crescendo, mas são duas
formas de olhar totalmente diferentes. Nas grandes capitais há
conveniência e praticidade, porém a economia já está mais estabilizada.
Na outra ponta, uma pessoa que tinha R$ 100,00 ou R$ 200,00 para gastar
no mercado, hoje tem R$ 300,00 para comprar produtos básicos, que fazem o
varejo crescer. São regiões pobres que terão um desenvolvimento
comercial cada vez maior”.
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