Automóvel brasileiro é defasado, dizem especialistas
Sistema
flex precisa melhorar a sua eficiência energética com novas
tecnologias. Mais de 70% de todas as inovações aplicadas aos veículos
nacionais vêm prontas de fora
TECNOLOGIA 7
Enquanto Estados Unidos, Europa e
Ásia, com destaque para a China, avançam no desenvolvimento de
tecnologia automotiva de ponta, o Brasil caminha a passos lentos nessa
área, se restringindo, atualmente com algumas exceções, à tropicalização
(adaptação às condições locais) de modelos concebidos no exterior e a
poucas evoluções em componentes periféricos de motores flex.
Em
termos de tecnologia, os carros brasileiros são despojados e muito
defasados. Só agora eles estão começando a receber airbags e sistema de
freios ABS, isso porque as normas de segurança estabeleceram que esses
equipamentos devem se tornar obrigatórios em todos os veículos novos a
partir de 2014.
No início de abril, o governo federal anunciou o
novo Regime Automotivo, que estabeleceu novas regras para a indústria de
veículos, exigindo o cumprimento de etapas mínimas de processos
produtivos, maior índice de nacionalização de conteúdo (componentes) e
de investimentos em inovação para as montadoras já instaladas e empresas
que pretendem se estabelecer no país.
Das quatro grandes
montadoras atuantes no Brasil, Fiat e Ford são as que estão mais
avançadas na aplicação de tecnologia de conectividade e interatividade a
bordo e no desenvolvimento de novas gerações de motores, mais
econômicos e evoluídos, com menor defasagem em relação ao que está sendo
feito hoje pelas matrizes em termos globais.
“Para os próximos
anos, podemos esperar carros mais verdes e inteligentes. Pneus com baixo
atrito de rolamento, motores mais eficientes com tecnologias realmente
palpáveis, ou seja, soluções que o consumidor pode pagar e carros mais
conectados”, afirma Ricardo Dilser, assessor técnico da Fiat.
Um
exemplo disso, segundo ele, são as versões Economy, que usam soluções
simples e de baixo custo para o consumidor, como os pneus verdes, motor
com variador de fase no comando de válvulas (Fire Evo), calibração de
pedal de acelerador e gerenciamento de motor mais eficiente voltado para
o baixo consumo de combustível e redução nas emissões. “No futuro
próximo, esta tendência deverá se fortalecer no setor automotivo”,
explica.
De acordo com Dilser, a conectividade a bordo deve se
massificar cada vez mais. Hoje, os carros da Fiat trazem sistemas que
permitem a conexão sem fio de smartphones e dispositivos móveis, como
iPod, ao equipamento do som do carro, aceitando a transferência de
contatos da agenda telefônica (sem fio, pelo sistema Bluetooth) e a
discagem por meio de comando de voz, como já acontece nos modelos da
Ford com os sistemas Sync e My Connection. “A conectividade deverá se
ampliar e chegar definitivamente aos carros de entrada”, afirma.
Os
carros brasileiros, segundo ele, ficarão mais seguros, com adoção de
airbags e sistemas de freio ABS de série em todas as versões a partir de
2014, e também mais confortáveis, já que equipamentos como ar
condicionado, vidros elétricos e direção hidráulica (ou elétrica)
deverão se tornar mais baratos e, portanto, mais acessíveis. “Em resumo,
o consumidor poderá esperar por carros mais verdes, inteligentes,
confortáveis, seguros e conectados.”
Defasagem tecnológica
Lançado
com o pretexto de elevar o nível tecnológico do carro nacional, o novo
Regime Automotivo deveria ter atrelado às suas regras a produção de
veículos mais eficientes e de menor consumo energético, o que exigiria
dos fabricantes a introdução de algumas tecnologias hoje já implantadas
nos automóveis na Europa, mas acabou deixando essa exigência de lado.
Mesmo
com alguns pequenos e recentes avanços na área mecânica e em itens de
conforto, a realidade é que os carros compactos brasileiros vêm caindo
em competitividade no exterior. “O Brasil está perdendo mercado
exportador, inclusive para países latino-americanos, como Chile e
México, onde há veículos importados mais evoluídos, entre eles europeus,
coreanos, japoneses e chineses, por conta de anos de defasagem
tecnológica de nossos produtos. Estamos atrasados e numa competição
desigual”, diz Pedro Kutney, especialista em mercado e indústria
automotiva e colunista do site Automotive Business e do Carsale.
A
grande novidade hoje do carro compacto brasileiro é ter airbag e freios
ABS, equipamentos já consagrados há muitos anos no exterior, até mesmo
em veículos pequenos. “O Brasil ainda é tratado como país emergente
pelos fabricantes, que vendem aqui carros defasados. Alguns deles são
originários de marcas do Leste Europeu”, afirma Nivaldo Nottoli,
ex-executivo do setor automotivo.
Apesar do atraso em relação aos
países mais desenvolvidos, o país deve avançar na tecnologia de
veículos flex, que foi criada exclusivamente para o nosso mercado.
“Atualmente, grande parte das inovações da indústria automotiva vem do
exterior, trazida por grandes sistemistas globais. São eles que levam
adiante a inovação. Alguns poucos itens são desenvolvidos aqui, como os
sistemas flex. Do ponto de vista de eficiência energética, o carro
bicombustível nacional ainda é ruim. Tem um campo enorme a ser
percorrido. Nosso país precisa avançar na aplicação de injeção direta,
turbocompressor, motores downsizing, sistemas eletrônicos mais
eficientes, entre outros. Tudo isso pode significar um ganho de
eficiência, que pode ser obtido nesta década”, explica Kutney.
Na
sua opinião, o mercado brasileiro poderá introduzir inovações em
automóveis compactos e se tornar especialista em carros do segmento B,
“mas só conseguirá desenvolver 30% dos componentes aqui, já que os 70%
restantes virão de fora.”
Segundo os especialistas, boa parte de
nossa defasagem tecnológica é associada às características do mercado
brasileiro, que praticamente está começando a se motorizar e ainda vende
muito carro popular. “Enquanto o Brasil não motorizar a sua população,
não vai investir em tecnologia, porque aqui se vende carros simples, do
segmento de entrada, ao contrário dos europeus, coreanos e japoneses.
Estes países fizeram grandes investimentos em pesquisa e
desenvolvimento. Aqui, o que vale é preço. A tendência é o Brasil perder
mercado no exterior, porque não temos produtos evoluídos para exportar,
e ficar atrasado em relação aos demais”, afirma Nottoli.
Em
entrevista recente ao Carsale, Henning Dornbusch, presidente da BMW do
Brasil, afirmou que o desenvolvimento de pesquisa e tecnologia no país
ainda está num estágio embrionário. “Não temos universidades e centros
técnicos de excelência, sendo que tudo que é novidade por aqui vem de
fora. Tínhamos que ter mais intercâmbio e integração com os grandes
centros de pesquisa das montadoras no exterior e pensar em montar uma
estrutura semelhante.”
Segundo o executivo, o motorista
brasileiro não se importa com equipamentos de segurança ou itens de
conforto sofisticados. “O principal argumento de venda para o consumidor
ainda é o preço, já que este despreza componentes mais importantes,
principalmente de segurança”, afirma.
A tecnologia no Brasil
segue com atraso o que as matrizes desenvolvem em seus centros de
pesquisas no exterior, atualmente centralizados na Ásia, Europa e nos
Estados Unidos, declara o engenheiro Francisco Satkunas, conselheiro da
Sociedade dos Engenheiros da Mobilidade (SAE). “Nosso país vai ser
sempre um seguidor de tendências, porque as montadoras locais são apenas
braços de multinacionais. Aqui, não existe pesquisa pura”, explica.
Para
o engenheiro, o país deveria aproveitar melhor as inovações que já
estão disponíveis nas matrizes. “Não devemos esperar que o Brasil tenha
algum dia uma tecnologia excepcional”, afirma. Mesmo assim, segundo
Satkunas, o país deveria se concentrar na otimização dos carros flex,
buscando maior eficiência energética, e na exploração de fibras naturais
para aplicação em revestimentos de veículos, que é sua vocação natural.
De
acordo com Gerson Fini, vice-presidente da divisão Gasoline Systems da
Bosch, apesar de ainda pouco explorado pelas montadoras, os sistemas de
partida a frio Flex Start, que pré-aquecem o combustível (no caso, o
etanol) e dispensam o reservatório extra de gasolina, são uma grande
tendência para os próximos anos. “Em 2015, teremos 50% dos veículos sem
tanquinho. Em 2018, pode chegar a 90%”, afirma o executivo.
Por Ricardo Couto
Com colaboração de Carlos Guimarães, Leonardo Faria e Larissa Florêncio
Nenhum comentário:
Postar um comentário