Em novo livro, Nate Silver, craque da estatística que previu os resultados da eleição americana, diz que as previsões invariavelmente são furadas. Problema: elas afetam os negócios
São Paulo - Prever o que vai acontecer nos próximos dez anos ou nos próximos 10 minutos é obviamente impossível. Mas o estatístico
americano Nate Silver faz o mundo do futurismo parecer bem menos
complicado. Silver tem um blog sobre previsões no jornal The New York
Times e virou o grande fenômeno da eleição presidencial americana ao acertar o resultado nos 50 estados do país.
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Mesmo semanas antes da votação, quando a maioria dos especialistas
apontava uma possível vitória do republicano Mitt Romney, Silver
afirmava que o democrata Barack Obama era franco favorito. De acordo com
ele, no último dia da campanha, Obama tinha 90,9% de chance de vencer.
Silver está longe de ser um sortudo. Na eleição anterior ele já havia
acertado os vencedores em 49 dos 50 estados, com exceção de Indiana.
Suas previsões são fruto de análises exaustivas. Silver cruza dados de
dezenas de institutos de pesquisa e dá pesos diferentes de acordo com o
histórico de acertos de cada um em campanhas passadas.
Parece simples. Mas então por que tantos institutos e especialistas
renomados erraram feio suas previsões? Por que as empresas não sabem
quanto vão vender? Por que é tão difícil acertar previsões?
Silver dá algumas pistas em seu novo livro,
The Signal and the Noise: Why So Many Predictions Fail — But Some Don’t
(numa tradução livre, algo como “O sinal e o ruído: por que tantas
previsões falham — mas algumas não”). As previsões falham, segundo
Silver, porque as pessoas não conseguem identificar as informações
relevantes em meio ao ruído.
E isso acontece com muito mais frequência do que se imagina. Silver dá
exemplos de áreas que vão do beisebol ao mercado financeiro para mostrar
que, na maioria das vezes, as pessoas não têm a menor ideia para onde
estão indo. Nossas previsões são tão certeiras quanto dardos atirados
por macacos. Fazemos isso, basicamente, por ingenuidade e por excesso de
confiança. Presumimos, por exemplo, que a realidade atual vai se
repetir para sempre.
Se uma ação dobrou de valor desde a abertura de capital da empresa, é
natural que ela continue a valorizar indefinidamente, certo? Pode até
ser, mas também pode ser que ela esteja cara demais. Silver defende que
nossas previsões precisam levar em conta as incertezas.
Em 1894, o jornal britânico The Times previu que a sujeira dos cavalos
soterraria Londres em menos de quatro décadas. Fazia sentido, levando-se
em conta o aumento exponencial no número de carroças que cruzavam a
cidade. Mas, 14 anos depois, Henry Ford começou a fabricar seus
primeiros automóveis. Londres nunca mais precisou pensar no esterco.
Entender por que se erra tanto é fundamental para qualquer negócio.
Afinal, previsões guiam estratégias. Sem saber quanto, como e onde
investir, qualquer empresa vira alvo fácil para a concorrência. A má
notícia é que, nos últimos anos, as companhias brasileiras têm se
comportado exatamente como os oráculos do Times, de Londres.
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Uma pesquisa da consultoria Hay Group revela que apenas 38% das
empresas brasileiras conseguiram atingir as metas estabelecidas para
2011. Para a maioria, o ano ficou abaixo das expectativas. Como 2010
havia sido um ano bom, era natural imaginar que 2011 também seria. Só
que não foi.
“A maior parte das empresas não faz previsões. Elas estabelecem um
desafio de crescimento, sempre mais agressivo do que no ano anterior. E
não importa muito se ele está ou não de acordo com a realidade”, diz
Paulo Vicente, professor de estratégia da Fundação Dom Cabral.
Metas equivocadas são péssimas porque contaminam toda a empresa.
Afinal, sem atingir as metas, os executivos não ganham bônus. Foi o que
aconteceu em 2011 com a Natura. Nenhum de seus 600 executivos ganhou
bônus por desempenho por causa de resultados abaixo do previsto — e a
receita da empresa cresceu 8,9% em relação a 2010. Ao definir as metas
de 2012, a Natura foi menos agressiva.
Para Silver, a grande ilusão contemporânea é imaginar que, tendo à mão a
quantidade de dados que temos hoje, nossas projeções se tornam mais
confiáveis. Na verdade, é o contrário, escreve. A tendência é que,
quanto mais informação as empresas tiverem à disposição, mais
dificuldade terão de distinguir as bobagens do que é de fato relevante.
Ao cruzar as informações sobre incêndios florestais e consumo de
sorvete, por exemplo, chega-se à conclusão de que eles sobem e descem na
mesma proporção. Mas não é preciso ser um gênio como Silver para se dar
conta de que sorvetes não causam incêndios.
Os dois fenômenos são simplesmente típicos do verão. Até três meses
atrás, a empresa de varejo eletrônico Netshoes mandava a seus
conselheiros relatórios de 76 páginas. Agora, têm 14. “Antes, eles não
faziam nenhuma pergunta porque não sabiam por onde começar.
Agora, com mais foco, veem o que é de fato relevante para nosso
futuro”, diz José Rogério Luiz, vice-presidente de planejamento da
Netshoes. Ele foi contratado há seis meses, vindo da fabricante de
software Totvs, e coordena a recém-criada área de inteligência de
mercado.
Depois de quadruplicar de tamanho em dois anos e chegar a um
faturamento de 715 milhões de reais em 2011, a Netshoes estabeleceu como
prioridade aumentar as margens de lucro nos próximos anos. Isso não
quer dizer, claro, que as projeções da Netshoes tenham maior chance de
dar certo. Mas pelo menos seus executivos saberão como as variáveis
cruciais para o negócio estão evoluindo — e como a empresa tem de se
adaptar a essa evolução.
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Com os mesmos números à mão, é possível fazer previsões totalmente
diferentes. Por isso, para Silver, boa parte das previsões é furada por
simples falta de interpretação. As análises, segundo ele, não podem ser
só numéricas e precisam incluir uma boa dose de subjetividade.
E é aí que as coisas se complicam. Para um meteorologista prever que
vai chover em determinada região, não basta mergulhar nos dados. Ele
precisa conhecer a região. De certa forma, é o que aconteceu com a
varejista Renner. Todos os anos, a empresa passa pelo mesmo ritual de
planejamento.
Entre agosto e novembro, todas as unidades enviam suas previsões para o
ano seguinte e, em dezembro, o conselho de administração aprova os
dados. Além disso, a Renner compra estudos detalhados de consultorias.
Mas uma das principais decisões recentes da empresa não veio de nenhum
desses dados.
Há cerca de cinco anos, seu presidente, José Galló, decidiu começar a
abrir lojas em cidades do interior. “Viajava para essas regiões e via
que o mercado estava mudando. Mas os números ainda não mostravam isso.
Decidi arriscar e chegamos a essas cidades dois anos antes das
concorrentes”, diz Galló.
Sem solução mágica
As previsões mais acertadas costumam ser como essa da Renner. Não
brotam espontaneamente na cabeça de um gênio. São baseadas em coisas
concretas, que já estão acontecendo em menor escala em algum canto do
mundo. E exigem suor. Isso vale até para Dave Evans, que tem o cargo de
futurista da empresa de tecnologia Cisco, nos Estados Unidos. Seu trabalho é antecipar os mercados mais interessantes para a Cisco na próxima década.
Para isso, ele visita universidades e empreendedores do mundo inteiro. O
desafio não é fazer previsões, mas entender para que lado os ventos
sopram. Foi dessa forma que ele antecipou, há dez anos, os carros sem
motorista — hoje um grande mercado para empresas de tecnologia, como a
Cisco.
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Caso esse mercado não vingasse, a Cisco tinha outras tantas soluções na
manga. Essa, segundo Silver, é a melhor forma de prever o futuro:
evitar uma solução mágica e fazer muitas previsões, já que não temos
certeza de qual vai funcionar. Admitir que o futuro é incerto, e
reconhecer que nosso conhecimento é limitado, é o primeiro passo para
conseguir fazer previsões mais certeiras.
A própria Renner superou suas metas de expansão em 40% em 2009 e em
2010, mas em 2011 atingiu apenas 70% dos objetivos traçados. Nesse caso,
não adianta fazer planos malucos para acelerar o passo no meio do ano. O
que a Renner faz, todos os meses, é acompanhar os resultados e mudar os
objetivos para baixo ou para cima.
Ao reconhecer que errou, a empresa consegue controlar seus estoques e
aumentar ou reduzir as encomendas com os fornecedores. Não ajuda a
salvar o bônus da turma (este é definido no início do ano e não muda),
mas pelo menos evita prejuízos maiores e não compromete a saúde da
empresa no longo prazo.
É uma estratégia que vai na linha das pesquisas de outro renomado
estudioso do tema, o financista Nassim Nicholas Taleb. Há cinco anos,
ele ganhou fama ao usar a expressão black swan (cisne-negro) para
descrever eventos totalmente inesperados. Em um livro recém-lançado,
Antifragile (“Antifrágil”), Taleb diz que as empresas mais resistentes
são aquelas que, em vez de tentar prever o futuro, preparam-se para
reagir rapidamente e conseguir aproveitar as mudanças. Venham elas de
onde vierem.
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