Estratégia de mostrar reality show na TV, que já tirou o UFC do limbo, é utilizada para crescer no Brasil
São Paulo - Telões gigantescos, iluminação tecnológica e som na última
altura levantaram os 16.600 espectadores que lotaram o Mineirinho no
último sábado, em Belo Horizonte. A estrutura parecia de um show, mas os
artistas, no caso, eram lutadores de MMA - mixed martial arts, ou artes
marciais mistas. Se a competição é individual dentro do octógono, fora
dele, o Ultimate Fighting Championship, ou simplesmente UFC, se cerca de gigantes da comunicação para turbinar as receitas como maior franqueador do esporte no mundo.
Por aqui, a estratégia se resume a um só nome - a Globo. A emissora,
que já torceu o nariz para o MMA em sua grade, desembolsou 18 milhões de
reais em outubro para emplacar um contrato exclusivo com o UFC. De lá
para cá, a emissora tirou da RedeTV! o direito de transmitir as lutas na
TV aberta. Em março, passou a exibir o reality show produzido pela
franquia, o The Ultimate Fighter (TUF).
Como nas edições gringas, cada episódio do programa marca o avanço dos
competidores, que lutam entre si com o objetivo de arrematarem um
contrato com a franquia. O evento no Mineirinho, inclusive, definiu os
dois participantes que passaram a fazer parte do time do UFC. Com a
transmissão da final do TUF, a Globo registrou 45% de televisores
sintonizados na emissora na Grande São Paulo, percentual superior aos
40% conseguidos com o clássico embate entre Corinthians e Palmeiras no
dia seguinte.
Para se ter uma ideia, o card – jargão para a programação da noite –
não estava completo: depois de se machucarem nos treinos, Vitor Belfort e
Daniel Sarafian, que participariam de duas lutas esperadíssimas pelo
público, acabaram dando lugar a substitutos de última hora. Mesmo assim,
a consagração dos campeões do programa fez do evento em Belo Horizonte o
campeão de público do UFC no país.
A base de comparação não é exatamente fraca: nas outras três ocasiões
em que a franquia esteve por aqui, contou com lutas de nomes ultra
populares entre os brasileiros, como o campeão dos pesos penas, José
Aldo, e o badalado Anderson Silva, dono do cinturão dos meio-pesados.
Aparecer na TV, afinal, tem seu peso. Com exposição garantida na maior
emissora aberta do país, os anunciantes também não tardaram a aparecer.
Ambev, com o energético Fusion, e a Gillete, da Procter&Gamble,
foram algumas das grandes empresas que abriram a carteira para aparecer
no TUF.
Mas esta não é a primeira vez que o UFC conta com o reality para
engordar o cofre. Nas contas de Dana White, presidente do UFC, o torneio
vale cerca de 2,5 bilhões de dólares. Em 2001, ele foi comprado pelos
irmãos Frank e Lorenzo Fertitta por modestos 2 milhões.
Por trás do espetacular salto se esconde um enredo digno de folhetim televisivo. Associado à violência extrema e comparado às rinhas de galos, o UFC chegou a ser proibido em quase todos os 50 estados americanos.
Por trás do espetacular salto se esconde um enredo digno de folhetim televisivo. Associado à violência extrema e comparado às rinhas de galos, o UFC chegou a ser proibido em quase todos os 50 estados americanos.
Principal nome por trás da reviravolta, Dana White agenciava alguns
atletas que lutavam no UFC quando soube que a empresa que detinha a
marca, a Semaphore Entertainment Group, não andava bem das pernas. Como
era amigo de escola de Lorenzo Fertitta, herdeiro de uma rede de
cassinos em Las Vegas, entrou em contato com ele e seu irmão Frank para
convencê-los a apostar no negócio. Conseguiu.
Novas regras
Dana ganhou 10% do UFC e aval para transformá-lo em algo mais palatável
para os americanos. Criado pelo brasileiro Rorion Gracie para comprovar
a supremacia do jiu-jitsu sobre as outras modalidades de luta, o UFC
nasceu em 93 como um evento de vale tudo, com carta branca para mordidas
e dedadas nos olhos.
Sob o comando dos Fertitta, a franquia separou os lutadores por peso,
instituiu um sistema de pontos e nomeou juízes para supervisionar os
combates. O MMA voltou a ser liberado pelos legisladores do Tio Sam
(hoje, ele ainda não é permitido em estados como Nova York).
Mas nada disso foi suficiente para fazê-lo emplacar de vez. Três anos
depois de comprarem o empreendimento, os Fertitta amargavam prejuízo de
44 milhões de dólares - 22 vezes superior ao valor investido na compra.
Atendendo a um pedido dos irmãos, Dana tentou passar o elefante branco
para a frente. Mas a oferta recebida, de apenas 4 milhões de dólares,
fez os donos do negócios resolverem investir em uma última cartada.
Depois de produzirem um reality show chamado American Casino, que
retratava como a dupla e seu séquito de empregados tocava a
administração do Green Valley Ranch Casino, os Fertitta tiveram a ideia
de dar uma roupagem de Big Brother à rotina dos até então mal-encarados
lutadores de MMA. Com investimento de 10 milhões de reais, surgia o
programa The Ultimate Fighter.
Vitrine
Sucesso entre o público, o reality deu fama e notoriedade ao irascível
mandachuva Dana White, mas principalmente aos atletas da franquia,
vistos de maneira mais humanizada na televisão. Com a escalada do
esporte nos anos seguintes, a Flash Entertainment, subsidiária de um
fundo de pensão de Abu Dhabi, acabou comprando 10% do negócio em 2010 –
Dana viu sua fatia diminuir para 9% e os irmãos Fertitta ficaram, cada
um, com 40,5% do UFC.
Em agosto do ano passado, a Fox pagou 100 milhões de dólares para
abocanhar os direitos de exibição do UFC. A empresa foi a primeira
grande emissora americana a investir pesado no esporte: assinado no ano
passado, o contrato se estende até 2018.
A agência de classificação de risco Standard & Poor’s reforçou que a
parceria reduz a volatilidade associada à receita com eventos, que é
mais instável, e abre as portas para patrocínios mais polpudos. Segundo a
S&P, cerca de 55% do faturamento do UFC vem das rodadas de luta,
com a venda de ingressos e pacotes pay per view. Para se ter uma ideia,
esse percentual era de 75% em fevereiro. A diminuição, avalia a agência,
está diretamente ligada aos contratos na TV e o consequente aumento no
faturamento com marketing e licenciamentos.
Expansão
Em meio ao frisson, os Fertitta e o big boss Dana White vêm deixando
clara a intenção de expandir o negócio para os quatro cantos do mundo.
Lorenzo já chegou a dizer que um dos grandes trunfos do UFC seria,
justamente, seu jeitão de esporte universal. “Todo mundo do planeta
entende: são apenas dois caras batendo um no outro”, afirmou à imprensa
americana.
Para cumprir com o objetivo, o UFC comprou os principais concorrentes
que também organizavam eventos de MMA, como o WEC (World Extreme
Cagefighting), em 2006, o Pride, em 2007, e o Strikeforce, no ano
passado. As aquisições acabaram aumentando a dívida da empresa, que já
bate em 525 milhões de dólares.
Resta saber se o esporte que parece ter arrebatado o coração - e o
controle remoto - dos brasileiros manterá o fôlego para seguir em
frente. “O MMA é relativamente novo e está passando por uma curva de
aprendizagem”, afirma Ricardo Hinrichsen, de consultoria da Brunoro
Sport Business, focada em gestão de negócios do esporte. “É esperar para
ver se ele vai formar novos talentos e ter representações nacionais.
São essas coisas que, no longo prazo, acabam consolidando as modalidades
esportivas.”
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