Toda religião compete no mercado consumidor de fé pela sua mente e pelo seu bolso
*Por Rodrigo Leão
Meu melhor amigo de
adolescência se tornou um mestre budista e eu me tornei publicitário.
Enquanto ele passa os seus dias pregando o desapego do mundo material,
eu passo os meus convencendo as pessoas a comprar coisas.
Matthew
mora em Nova York, onde ensina a sua tradição religiosa. Eu comando uma
agência em São Paulo onde tento vender produtos e serviços para
consumidores diversos. Mesmo depois de muitas curvas na vida,
continuamos tendo muito em comum.
Primeiro porque, curiosamente,
trabalhamos com a mesma matéria-prima: o desejo. Ele tentando libertar
as pessoas dos seus e eu atiçando o desejo das pessoas por um
determinado treco ou certa coisa.
Os budistas tibetanos da
Tradição Kadampa, que ele ensina, acreditam que os desejos, fruto da
nossa mente confusa, nos impedem de existir na felicidade plena,
exercendo a compaixão e o amor de que apenas nós somos capazes. Mas para
convencer as pessoas disso, sabe o que eles acabam fazendo:
publicidade.
No caso deles, a propaganda é feita na forma de
aulas de meditação, palestras e grupos de estudo que servem para mostrar
aos consumidores de budismo que podem escolher entre várias tradições,
que o Budismo Kadampa é o caminho certo para suas vidas.
As
religiões, de fato, são expressões narrativas que nos ajudam a tentar
entender e suportar as agruras da vida. Fazem isso contando histórias e
apresentando exemplos das atitudes e comportamentos que, acreditam, nos
conduzirão a uma vida melhor. Toda religião compete no mercado
consumidor de fé pela sua mente e pelo seu bolso.
Pois bem, o
nosso trabalho como publicitários, quando benfeito, é muito parecido.
Criamos uma narrativa cultural para as marcas de forma que seus
produtos, em vez de simples objetos, representem aos nossos olhos um
conjunto de valores e atitudes com os quais podemos nos relacionar de
forma a dar um sentido positivo para nossas vidas.
No mercado
globalizado em que vivemos as empresas competem principalmente em duas
modalidades: por valor ou por preço. Nenhuma patricinha sabe distinguir
tecnicamente o que leva uma bolsa de R$ 30 mil da Prada a ser R$ 7 mil
menos valiosa do que uma bolsa de R$ 37 mil da Chanel. Chanel e Prada
estão na disputa de valor. Seus consumidores não conseguem entender a
composição de preços de seus produtos exclusivos. Pagam para fazer parte
daquele conjunto de valores que admiram. O mesmo vale para Rolex ou
IWC. Adidas ou Nike. Se você soubesse o quão pouco do preço do seu tênis
de corrida é gasto para fazer o seu tênis de corrida, desistia de
correr. Essas empresas são poucas e muito boas.
Já as cadeias de
fast-fashion concorrem por preço e o seu modelo de negócios não permite
outra atuação. Uma blusinha que está na moda está na moda na C&A, na
Renner ou na Riachuelo. Todas vão estar na moda e nenhuma é diferente o
suficiente da outra para poder ser mais cara.
Hoje, os países
desenvolvidos consomem tanto que se todo mundo no mundo tivesse o padrão
de vida europeu precisaríamos de seis planetas Terra para dar conta da
produção e do lixo, ou seja, a conta não fecha. Isso sinaliza que no
futuro, obrigatoriamente, consumiremos menos e com muito mais critério.
Concorrer por preço ficará cada vez mais difícil. Os vencedores terão de
aprender a concorrer por valor. E para isso vão precisar de agências
capazes de criar narrativas valiosas e envolventes, que se tornem
práticas reais e que ajudem empresas a criar um sentido cultural para
seus negócios e experiências valiosas para a vida dos seus consumidores.
Num mundo onde não é possível consumir mais, teremos de aprender a
consumir bem.
Uma religião tenta organizar seu comportamento para
que você leve uma vida mais feliz, seja salvando-o de seus desejos ou
levando-o ao paraíso. Nosso trabalho como publicitários é fazer o mesmo
pelas empresas. Tanto o monge quanto o publicitário têm a mesma missão:
inventar um sentido belo, positivo e produtivo para nossa breve passagem
por este mundo.
Rodrigo Leão, sócio-diretor da Casa Darwin, escreve para Meio & Mensagem uma vez por mês. Este artigo foi publicado originalmente na edição 1513, de 14 de junho.
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