SÃO PAULO - Há mais de ano discute-se a formação de uma bolha
imobiliária no Brasil. Boa parte dos argumentos que podem confirmar ou
não essa bolha já são amplamente conhecidos, mas a dúvida persiste.
Uma definição amplamente utilizada para bolha é uma situação de
preços descolados dos fundamentos. O debate e a falta de uma resposta
única surgem porque o problema é justamente como medir corretamente os
fundamentos. Qual o valor justo de um ativo? No caso dos imóveis no
Brasil, o problema é ainda mais grave, porque as estatísticas confiáveis
do setor são assustadoramente escassas.
Para auxiliar o acompanhamento do mercado, a Fipe lançou há pouco
mais de um ano o Índice FipeZap de Preços de Imóveis Anunciados. São
cerca de 150 mil anúncios válidos por mês para medir a variação do preço
do metro quadrado em 7 regiões do país, coletados na internet. É fato
que o preço anunciado não é o mesmo do que o transacionado, mas é
bastante razoável assumir que, ao menos no médio e no longo prazo, esses
valores têm a mesma tendência. Além disso, é muito difícil observar com
precisão preços dos imóveis. A informalidade e a (falta de) estrutura
de boa parte das imobiliárias impedem a coleta sistematizada dessas
informações. Os bancos, por sua vez, mantêm registros fidedignos dos
imóveis financiados, mas atendem apenas uma parcela do mercado (cerca de
50% das vendas) e utilizam, muitas vezes, os valores de avaliações e
não necessariamente o preço acordado entre compradores e vendedores. Em
suma: não existe uma fonte de dados perfeita.
Cabe também mencionar que a iniciativa do FipeZap não é inédita. Há outras experiências com índices de preços de oferta, como o Home Asking Price Index, da Inglaterra, e o FotoCasa,
da Espanha. Este último, aliás, detectou o estouro da bolha espanhola
antes do índice oficial, porque os preços anunciados estão disponíveis
aos institutos de pesquisa meses antes do registro oficial das
transações.
Os anúncios têm também outra grande vantagem: permitem o
acompanhamento do preço para novos aluguéis. Utilizando esta fonte de
dados, podemos medir a rentabilidade de se investir em imóveis, obtida
por uma pessoa que escolhe comprar um imóvel e alugá-lo ao invés de
investir em outro ativo. Essa taxa permite inferir se o preço dos
imóveis está alto ou baixo, já que compara o preço de venda do ativo (o
imóvel) com o retorno financeiro que ele propicia.
Se a rentabilidade do aluguel fosse alta (20% ao ano, por exemplo) as
pessoas prefeririam comprar imóveis e alugá-los a terceiros ao invés de
aplicar o dinheiro em títulos do governo. Por outro lado, se a
rentabilidade do aluguel fosse baixa, como 1% ao ano, as pessoas
prefeririam vender seus imóveis, aplicar o dinheiro e viver em imóveis
alugados. Se a rentabilidade do aluguel for baixa, trata-se
provavelmente de uma sitação de preços de venda inflados - a temida
bolha.
Em São Paulo, a taxa de rentabilidade do aluguel corresponde a
aproximadamente 6% ao ano, segundo os dados do FipeZap. Muitos
especialistas em finanças comparam esse número com a taxa Selic ou com a
poupança e concluem que vivemos uma bolha. A suspeita é reforçada ainda
mais se considerarmos que essa taxa vem caindo desde 2008, quando era
de 9%, o que significa que o preço para venda aumentou mais do que o do
aluguel. O problema com essa análise é que ela compara coisas
diferentes: um rendimento real (que despreza a inflação) com um
rendimento nominal. Para ilustrar isso, imaginemos o seguinte: o leitor
compra um imóvel hoje e espera apenas que ele mantenha seu valor real ao
longo dos próximos anos (o preço subirá de acordo com a inflação). O
aluguel desse imóvel também seria reajustado de acordo com a inflação,
pois os contratos costumam ser indexados. Assim, o aluguel seria um
rendimento real. Para compará-lo com outros rendimentos, teríamos que
considerar o rendimento real e não o nominal.
O gráfico abaixo compara a rentabilidade do aluguel com a taxa de
juros média dos financiamentos imobiliários descontada a expectativa de
inflação futura, desde janeiro de 2008. É notável como a tendência das
duas curvas é a mesma, apesar dos juros serem mais voláteis.
O gráfico mostra duas coisas. Primeiro, reforça o argumento de que o
aumento nos preços de venda dos imóveis dos anos recentes se deve
principalmente a novas condições, muito mais favoráveis, de crédito.
Segundo, que atualmente há um descolamento de cerca de 1% ao ano entre
os juros reais para financiamento imobiliário e a taxa do aluguel. Para
que os pontos finais das duas linhas voltem a se encontrar, há três
possibilidades: uma queda no preço de venda dos imóveis de cerca de 15%,
um aumento nos preços do aluguel de cerca de 18% ou, ainda, uma queda
nos juros reais do financiamento imobiliário de algo perto de 1%. Cabe a
ressalva de que a taxa de juros utilizada como referência é,
provavelmente, maior do que a taxa média efetivamente praticada no
mercado, porque diz respeito aos financiamentos que têm os maiores
juros.
De todo modo, os dados mostram que para responder se vivemos ou não
uma bolha imobiliária, precisamos responder na verdade se as condições
atuais de crédito imobiliário são sustentáveis. Se não forem, então uma
correção um pouco mais forte nos preços pode surgir no momento em que o
crédito se deteriorar. Se forem, no pior dos casos estamos em uma
situação de preços de imóveis um pouco acima do seu valor fundamental.
Chamar essa situação de bolha pode então ser um exagero alarmista, esse
sim sem fundamentos. Seria um caso mais simples, não de uma bolha -
talvez apenas um ‘calo’.
*É pesquisador da Fipe e coordenador do Índice FipeZap
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