A morte já bateu à porta do Jornal
do Brasil, que, apesar de ter sido o primeiro jornal do País a chegar à
internet, praticamente sucumbiu, em especial depois de ter ido parar nas
mãos do grupo controlado pelo empresário Nelson Tanure.
O que o JB fazia nas décadas de 70, 80 e no início dos anos 90
repercutia. Desnecessário citar a qualidade do trabalho deste jornal nos
anos 60, sob o comando de Alberto Dines. Aliás, eis um assunto que
poderia ser mais estudado nas universidades.
Para quem começava no jornalismo em meados dos anos 80, ler a coluna do
“Castelinho” (sempre na página 2), como se referia o primeiro dos meus
chefes – o jornalista Fernando Vieira de Mello, diretor da Jovem Pan –
era algo obrigatório. Zózimo assinava a coluna social no caderno B e
conseguia antecipar informações que Ibrahim Sued, Joyce Pascowitch e
Nirlando Beirão, “concorrentes” de O Globo, Folha e Estadão, muitas
vezes não tinham. No Informe JB, bastidores do Congresso eram quase
sempre muito bem contados.
No mercado carioca, O Globo cresceu e o JB perdeu o trem da história,
fenômeno que ocorreu quando o jornal, já em decadência, não se decidia
entre concorrer com O Globo ou tentar conter o crescimento de O Dia.
Optou, quando o quadro clínico se agravou, por “brigar” com O Dia. O que
aconteceu daí em diante todo mundo já sabe.
Agora, o possível fim do Jornal da Tarde parece se aproximar. Há
fatores econômicos que podem explicá-lo, mas eles não são únicos.
PUBLICIDADE EM QUEDA- De acordo com o Projeto
Inter-Meios, a mídia jornal faturou, em julho passado, 4,51% a menos do
que havia apurado em julho de 2011, o equivalente a R$ 12 milhões de
perdas. A queda só não foi maior do que a verificada no segmento de
Guias e Listas, que parece fadado a desaparecer e desabou mais de 30% no
mês em relação ao mesmo período de 2011, e do que a sentida pelas
revistas, que encolheram 6,92% na comparação dos períodos.
A aposta em meios digitais, inclusive para campanhas publicitárias, tem se intensificado. Se jornal e revista já tiveram 30% de share,
hoje, ambos minguam com pouco mais de um terço disso. O rádio mantém
5%, enquanto a televisão segue soberana com quase 65% entre o
coeficiente da aberta e do cabo somados. A internet está com cerca de
10% do “bolo”.
A análise de alguns dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ)
permite ligeiras conclusões: os jornais populares (ou ultra-populares?)
colaboraram para que este recuo não fosse mais acentuado. A “tábua de
salvação” da indústria parece calcada num tripé: títulos populares, como
o Meia Hora, Super Notícia, Diário Gaúcho, entre outros; aposta no
jornalismo de serviço, casos do Agora, Diário de São Paulo, Jornal da
Tarde; e invencionices, como a difícil missão de explicar ao mercado que
determinado título, a partir de tal data, passará a ser “analítico
pós-noticioso”. O que se faz no jornalismo que não tenha uma feição
minimamente pós-noticiosa: a cobertura ao vivo da CPI do Cachoeira ou o
julgamento do Mensalão? Ou será a cotação do dólar e a reunião do Copom
que reduziu os juros?
MERCADO X ACADEMIA- Há uns três anos, o Grupo
Estado convidou professores de jornalismo para um ciclo de debates. Lá
estive e acompanhei palestras de profissionais da Agência Estado, de O
Estado de S. Paulo, do Jornal da Tarde e da Rádio Eldorado (hoje,
Estadão-ESPN).
A iniciativa é interessante, principalmente pela tentativa de aproximar
o mercado e os acadêmicos. Via de regra, os primeiros costumam olhar
para os segundos como jurássicos e, em contrapartida, recebem a
indicação de que, na área acadêmica, não se trabalha o jornalismo com a
perspectiva rasa, de forma superficial, sem o apoio de teorias. Já ouvi
numa redação, em tom de anedota do cotidiano (e não de bullying), a seguinte pergunta: “como devo usar a Escola de Frankfurt para ‘fechar’ uma manchete?”.
Fato é que os debates foram oportunos. Lá pelas tantas, uma editora do
Jornal da Tarde, em tom de “somos incríveis”, contou que a carne
brasileira sofrera um embargo da Rússia. O jornal pensou numa forma de
tornar essa informação “próxima” de seus leitores, ela nos disse. E
cravou em manchete: “Seu churrasco vai ficar mais barato”. Decidi, e
acho que não deveria ter feito isso, perguntar se ela se sentia bem ao
transformar um embargo econômico em “informação boa”, com “ar de
serviço” para o leitor a partir da constatação que haveria maior oferta
de carne no mercado interno e o preço, como a lógica da manchete sugere,
tenderia a cair. Ouvi dela, com a sinceridade pragmática dos advogados
do jornalismo de serviço (que é algo a se considerar sempre, mas não
pode ser uma obsessão editorial no dia a dia) que já não há mais espaço
para “aquele JT”, o JT a que eu havia me referido ao formular a
pergunta. Na resposta a uma questão simples que a incomodou, ela usou
palavras como “nostalgia” e “romantismo”, descartando-os com inequívoca
certeza e apontando que o mercado e o leitor não querem “nada disso”.
Agora, a informação de que a circulação do Jornal da Tarde pode ser
suspensa ganha dimensão. Se ela se confirmar, será muito triste.
Ler o JT no início dos anos 80 era algo que fazia com que a paixão pelo jornalismo ganhasse forma a cada dia.
Teve a capa histórica, da maior dor que os brasileiros que amam o
futebol-arte sentiram na pele, sobre a derrota no Sarriá, com os três
gols de Paulo Rossi.
Teve a capa toda preta quando a Emenda Dante de Oliveira foi rejeitada
no Congresso e o “luto coletivo” do direito de votar para presidente foi
vivido.
Teve a capa dupla, sem texto, da reta final das Diretas Já, dias antes
da votação no Congresso. Povo. Nada mais que o povo, em massa, numa capa
que dava sentido de pertencimento à causa. Havia naquela capa algo que
representativamente estampava o que ocorria pelas ruas e praças do País
(vale a pena ler o livro Sobre Ética e Imprensa, de Eugênio Bucci, para
compreender melhor como foi a cobertura jornalística desse processo).
Teve, claro, o Maluf de Pinóquio nos tempos da Paulipetro.
Teve o Sarney, presidente da República, brincando com um trenzinho em
função dos escândalos da Ferrovia Norte-Sul, já na segunda metade da
década de 80.
Teve, principalmente, um recorte novo para a informação, algo além do
mundo binário de Folha e Estadão a que estava quase impingido o
paulistano. O JT era a “terceira via”.
Teve o Caderno de Sábado, com críticas literárias inteligentes,
artigos, ensaios perspicazes, análises bem elaboradas por alguns dos
melhores caras que vi no jornalismo e pelos quais tenho extrema admiração.
Aqueles que levaram o Jornal da Tarde em direção a este jornalismo de
serviços (de manchetes estapafúrdias) podem ter colaborado, sem dolo,
para este dia, para este triste fim de um Policarpo Quaresma da imprensa
paulistana.
Vai-se, com este possível fim, um símbolo, mais um, como já havia ocorrido com o Jornal do Brasil.
Vai-se, com este possível fim, um símbolo, mais um, como já havia ocorrido com o Jornal do Brasil.
E fica a sensação de impotência e a sugestão para que todos nós
pensemos nessa obsessão que se tornou o jornalismo de serviço a qualquer
preço, uma das causas - não a única – dessa provável morte. O serviço
ao leitor, tudo indica, deve ser precedido pelo diálogo com o leitor,
pela compreensão dele. Ficará um legado. Aliás, dois.
Por Wagner Belmonte, doutorando na PUC/SP e professor universitário.
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