Agências elevam tom contra os excessos das concorrências e se veem obrigadas a agir, mas as ações práticas ainda parecem distantes
Em um filme sem mocinhos e bandidos pré-definidos, agências e
anunciantes entraram, há pelo menos 15 anos, em uma espiral de
concorrências predatórias, que têm exigido mais das agências por menos
dinheiro. Entretanto, diante de margens cada vez menores, as agências
acreditam estar próximas do limite do que podem abrir mão para
conquistar contas e, não por acaso, alguns dos principais nomes do
mercado demonstraram publicamente insatisfação nas últimas semanas.
Marcello Serpa, sócio e diretor-geral de criação da AlmapBBDO, criticou
a existência de disputas “por contas de R$ 2 milhões com dez
participantes”. Ele reconheceu a parcela de culpa das agências, dizendo
que “poderiam ser um pouquinho mais criteriosas”, e causou frisson na
participação do Festival do Clube de Criação de São Paulo, realizado no
início do mês, ao abrir a possibilidade de a Almap rever a posição de
não participar de concorrências, se a agência começar a perder grandes
clientes.
Em entrevista recente ao Meio & Mensagem,
Alexandre Gama, presidente da Neogama/BBH e CCO da rede BBH, disse que
“a razão pela qual se faz uma concorrência raramente é a razão pela qual
se deve fazer uma concorrência”. Ele acusa que há “falta de vontade
política no mercado de realmente agir” para mudar o contexto atual.
O tom elevado dos discursos, no entanto, precisa evoluir para alguma
ação mais efetiva como forma de garantir a própria sobrevivência do
modelo vigente no mercado. “As agências não podem cobrar muito menos do
que já estão cobrando. Chegamos ao limite e já não está sadio para o
negócio. Vai chegar o momento, e não está muito longe, que talvez a
ideia que defendo há anos passe a fazer algum sentido: as principais
agências assinando um documento público dizendo que não participam de
concorrências especulativas”, afirma Celso Loducca, presidente da
Loducca.
“Cedo ou tarde, as agências precisarão se juntar e
dizer que não topam mais determinadas coisas. Se unir ao competidor será
a única solução para continuar competindo”, concorda Márcio Oliveira,
vice-presidente da Lew’Lara\TBWA. “Este momento está chegando. O Brasil
vai ter muitas oportunidades até 2016 e isso talvez atrase as coisas.
Mas acredito em uma revolta geral, por exemplo, no dia em que a Almap
decidir participar de concorrências”, completa Oliveira, em referência à
declaração pública de Serpa.
Uma das únicas ações práticas
pela união das agências até agora é o guia que a Associação Brasileira
das Agências de Publicidade (Abap) lançou há um ano, mas que sozinho não
conseguiu mudar a realidade vigente já que a entidade não foi capaz de
implementar a proposta de monitorar as concorrências da iniciativa
privada para evitar excessos. Luiz Lara, presidente da Abap, assegura
que, diante de questões como as políticas de sigilo de alguns
anunciantes, o manual pode sofrer alterações.
A ideia inicial,
apresentada durante o Encontro Nacional das Agências de Publicidade em
2010, era que a Abap fosse avisada pelas agências da participação em
concorrências, podendo assim acompanhar os processos e enviar aos
envolvidos cópias do livreto Diretrizes para a Seleção de Agências de
Publicidade.
A solução, naturalmente, passa também por uma
difícil mudança de postura dos anunciantes. “Deveria haver um processo
de conscientização maior por parte da Associação Brasileira dos
Anunciantes (ABA), que já tem um manual de concorrências muito
benfeito”, indica Sérgio Guerreiro, sócio da SPGA, consultoria que
conduziu próximo de 12 concorrências em 2012 e, atualmente, cuida de um
dos maiores processos em curso no mercado brasileiro, o da BR Foods, que
engloba todas as marcas da companhia, hoje atendida por DPZ, DM9DDB
(ambas dividem a verba de Sadia), NBS (Batavo) e Y&R (Perdigão).
Entretanto, Guerreiro não se demonstra tão otimista quanto a melhora do
cenário atual. “O publicitário é muito sociável, mas tem ações
individualistas. Não há um sentido forte de comunidade e isto, de certa
maneira, é responsável pela espiral. No passado, com lideranças mais
fortes havia o sentido de classe. Seis pessoas se reuniam e tomavam
decisões que eram adotadas pelo mercado. Mas, com a fragmentação do
mercado e a falta de líderes aglutinadores, isso se deteriorou”, opina.
Transparência reveladora
Ao
mesmo tempo em que começam a pensar em uma saída, as agências se
deparam com dificuldades para sair da lógica que se estabeleceu: se
submetem a receber menos do anunciante, precisam cobrir os custos com
novos negócios que, para ser conquistados, demandam mais agressividade
nos preços e fazem um mergulho cego na disputa das concorrências. “O
esquecimento das melhores práticas provocou prejuízo não só para as
agências, mas também para os anunciantes, gerando más consequências ao
mercado, com custos inflacionados, desmotivação, esforço inútil, falta
de profissionalismo e insatisfação no processo, gerando a ineficácia”,
aponta Graziela Di Giorgi, diretora-geral do Grupo Consultores no
Brasil. No momento, a empresa cuida de uma seleção de agência de
publicidade para BMW, conta que é atendida pela Taterka.
Se há
uma concorrência que explicita o que ocorre de bom e de ruim no mercado é
a da escola de inglês CNA, encerrada na semana passada com vitória da
Giovanni+DraftFCB — que atende a conta da Universidade Cruzeiro do Sul,
onde um dos sócios é o fundo de private equity Actis, o mesmo que na
terça-feria, 11, fez aporte de US$ 68 milhões na CNA. Entre 1995 e 2006,
a agência atendeu o CCAA.
Com um anúncio no Meio & Mensagem,
a escola de inglês, até então atendida pela Cheil, tornou pública a
concorrência pela prometida verba prevista de R$ 20 milhões. “Quisemos
fazer o processo mais transparente possível e as agências participantes
elogiaram muito a iniciativa”, frisa Leonardo Cirino, diretor de
marketing da CNA.
Ele acrescenta que buscava uma agência que
funcionasse como parceira de negócios e, por isso, foram fundamentais
fatores englobando qualidade criativa e planejamento.
O
anunciante, ainda, se reuniu com companhias derrotadas para explicar os
critérios. “O processo fica muito melhor quando há esforço dos dois
lados”, aponta. Essa transparência ajudou a mostrar, por um lado, a boa
vontade do anunciante em tentar conduzir um processo correto, e, por
outro, algumas mazelas que afetam todo o mercado. Entre as quais o vício
do excesso de agências participantes.
Um anunciante, 114 pretendentes
É notável a quantidade de empresas que se interessaram pela seleção e
entraram em contato com a CNA. “Esperávamos receber aproximadamente 30
propostas, mas foram 114”, informa Cirino. “Havia empresas de todos os
portes, das maiores às pequenas e de diversas especialidades
diferentes”, relembra.
Embora a conta tenha recebido status de
“desejada” graças à estratégia de abertura do processo que deu
notoriedade ao anunciante e às perspectivas de crescimento, tanto
interesse também pode ser esclarecido pela correria às vezes desenfreada
das agências atrás de novas contas. Para se destacar em meio a tantas,
as agências apostaram em estratégias que incluíram desde a veiculação de
anúncios em resposta ao da CNA no Meio & Mensagem —
como fizeram DPZ e Fábrica — até o envio de sósia de Barack Obama à
sede da empresa. O anunciante entrou na brincadeira e enviou malas com
latas de Red Bull às finalistas.
Após uma pré-seleção,
ressalta Cirino, a disputa ficou restrita a sete empresas, embora fontes
apontem que foram 12: BorghiErh/Lowe, David, DM9Rio, DPZ, Fábrica,
Lew’Lara\TBWA, Moma, Multi Solution, Rai e Talent, além da antiga
parceira Cheil e da vencedora, Giovanni+DraftFCB.
À espera de
fechar com uma agência de médio porte no começo do projeto, Cirino,
junto com a equipe, acabou optando, por 0,1 ponto de diferença na nota,
pela Giovanni, 16 a maior agência do Brasil segundo o ranking Agências
& Anunciantes. “Gostamos muito do processo e só temos a agradecer
às agências que contribuíram com insights. Recebemos das finalistas
projetos completos de planejamento e próximo de 23 campanhas. Uma delas
já trazia sete filmes prontos”, detalha.
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