Proposta de responsabilizar agências pelos contratos de direitos de imagem cria polêmica – e corre o risco de ser burlada
Uma das definições do III Fórum da Produção Publicitária, realizado
em novembro passado, pretendia resolver a antiga rusga entre produtoras,
agências e anunciantes: a gestão dos contratos de prestação de serviço e
de cessão dos direitos de imagens de atores e figurantes. A questão é
ponto sensível na relação entre as partes, fundamentalmente, por três
motivos: vulnerabilidade jurídica à qual as produtoras ficam expostas;
demora no pagamento dos atores; e, como pano de fundo, uma sensação
latente de pouca transparência de agências e anunciantes em relação às
produtoras (entenda mais abaixo).
Por essas razões, o
III Fórum sugeriu mudanças nas regras que regem as relações entre
produtoras, agências, anunciantes e atores. Pela nova norma, em vigor
desde 1º de abril, as agências passariam a ser responsáveis pela
preparação e pelo gerenciamento dos contratos de cessão de direitos de
imagem do elenco de filmes publicitários, além de terem se tornado as
figuras jurídicas a ser acionadas em casos de insatisfação dos atores —
as duas atribuições, até então, recaiam sobre as produtoras, que, a
partir daí, deveriam cuidar apenas dos contratos referentes à prestação
de serviço do ator.
Como efeito da decisão, as grandes agências
teriam de cuidar de centenas de novos contratos mensais dentro de casa,
além de instaurar controle eficaz do vencimento de cada um deles e dos
pagamentos relativos aos direitos de imagem — sobretudo quando os
clientes decidirem manter as campanhas em veiculação, ou retomar a
exibição, após o prazo contratual inicialmente estabelecido com o
elenco.
Fica fácil entender o aumento significativo no volume de
trabalho, se imaginarmos que um comercial com cem atores (entre
protagonistas e figurantes) gera nada menos que cem contratos.
Multiplicado por uma dezena de filmes, número comumente criado todos os
meses em agências de grande porte, resultaria em demanda por uma
estrutura considerável para dar conta do trabalho, que as agências não
possuem. “Essa questão passou a preocupar os RTVs”, reconhece Gilberto
Pires, o Gibinha, RTV da DM9DDB. “Passamos a pensar em estruturar uma
equipe apenas para coordenar isso.”
Cientes desta necessidade
desde a proposta inicial de mudança, as produtoras estabeleceram no III
Fórum um período de quatro meses para que as agências se adequarem. A
adaptação, porém, não aconteceu e o modo de trabalho se manteve o mesmo:
apesar de responsáveis legais, as agências continuaram relegando às
produtoras a gestão dos contratos.
Para reforçar a importância
dessa modificação nas relações entre as duas partes, a Associação
Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (Apro), promoveu um
workshop para agências focado nesta mudança no final de março, às
vésperas da nova norma entrar em vigor. E deu um novo prazo de 60 dias
para que se estruturassem — o período se encerra no início de junho.
“Nessa reunião ficou colocada a opção de a produtora ser a interveniente
nesse processo”, afirma Gibinha.
Esta questão, na verdade,
estava definida desde novembro — e previa que as produtoras fossem
remuneradas em 20% do valor do contrato nos casos em que atuassem como
intervenientes. Seria uma maneira, inclusive, de incentivar as mudanças,
já que as agências economizariam esses 20% caso passassem,
efetivamente, a gerir os contratos.
Status quo
A opção de colocar a produtora como interveniente, porém, tende a ser usada como brecha legal para que nada mude. Porque as produtoras podem ser incluídas na gestão dos processos, o mercado tende a relegá-las o trabalho industrial de assinatura de contratos e controle de vencimentos — restando às agências a responsabilidade legal em casos de litígio (algo bastante raro).
A opção de colocar a produtora como interveniente, porém, tende a ser usada como brecha legal para que nada mude. Porque as produtoras podem ser incluídas na gestão dos processos, o mercado tende a relegá-las o trabalho industrial de assinatura de contratos e controle de vencimentos — restando às agências a responsabilidade legal em casos de litígio (algo bastante raro).
Some-se a isso o fato apontado por fontes ouvidas por Meio & Mensagem,
sob anonimato, de que muitas produtoras não cobrarão os 20% que lhes
cabem como forma de manter o bom relacionamento com as agências. “Não
mudou nada no que diz respeito a quem fará o serviço. O que muda é a
responsabilidade legal. Para nós é ótimo, senão teríamos de ter pessoas a
mais na equipe só para cuidar disso”, afirma, em tom realista, outro
RTV que pediu para não se identificar. “Somos os responsáveis diretos
pelos direitos de imagem, e as produtoras nos ajudam no processo de
renovação.”
Essa tendência a manter o status quo irrita a Apro.
“Nada voltou atrás. Isso não é verdade. Estamos dando um novo prazo, de
60 dias, mas isso tem que ser implementado, sim”, diz, em tom de
protesto, a diretora executiva da entidade, Sônia Piassa. “Ninguém está
se preparando, mas uma hora vamos largar a caneta. E, quem não estiver
se preparando, vai sofrer mais”, ameaça Sônia, referindo-se às agências.
Desconforto histórico ronda a questão
As vozes dissonantes sobre a questão dos contratos de cessão de direitos de imagem são consequência de uma rixa histórica — e velada —entre agências e produtoras. Estas, a ponta mais fraca na cadeia do mercado publicitário, sempre sofreram com atrasos de pagamentos por parte dos contratantes. As agências, por sua vez, culpam a demora no recebimento dos clientes. E quem paga por isso — ou deixa de ganhar, mais precisamente — são as produtoras.
As vozes dissonantes sobre a questão dos contratos de cessão de direitos de imagem são consequência de uma rixa histórica — e velada —entre agências e produtoras. Estas, a ponta mais fraca na cadeia do mercado publicitário, sempre sofreram com atrasos de pagamentos por parte dos contratantes. As agências, por sua vez, culpam a demora no recebimento dos clientes. E quem paga por isso — ou deixa de ganhar, mais precisamente — são as produtoras.
Além disso, elas se sentem
lesadas pelo fato de cuidar apenas de contratos de baixo valor, como,
por exemplo, os de atores desconhecidos e figurantes. Acusam, nos
bastidores, agências e anunciantes de concentrarem para si os contratos
que envolvem cachês mais altos — isso porque vêem neste tipo de prática
uma forma de economizar honorários altos que seriam pagos à produtora
caso terceirizassem a negociação com artistas e atores de destaque.
Como efeito colateral, diminuem os orçamentos de filmes publicitários e, consequentemente, o faturamento das produtoras.
Por fim, outro ponto que incomoda o mercado de produção é a vulnerabilidade jurídica à qual as empresas ficavam expostas — esta, a única mudança já efetivada pela proposta do III Fórum.
Por fim, outro ponto que incomoda o mercado de produção é a vulnerabilidade jurídica à qual as empresas ficavam expostas — esta, a única mudança já efetivada pela proposta do III Fórum.
Até então,
as produtoras viravam réus em casos de atores que procuravam a Justiça
por discordâncias no desenrolar dos contratos. Quando as campanhas são
mantidas em veiculação após o prazo contratual estabelecido, é preciso
notificar os atores — eles, eventualmente, não recebiam cachês pela
renovação — porque os contratos estavam sob responsabilidade das
produtoras.
Há alguns anos, houve casos de produtoras que tiveram
de pagar indenizações por filmes de grandes anunciantes que não
notificaram e remuneraram os atores pela renovação de campanhas. “Com a
proposta, sugerimos que o briefing viesse mais bem definido, para
facilitar a compra de mídia. Todos têm que olhar melhor o que estão
comprando”, afirma João Paulo Morello, do escritório de advocacia Coelho
& Morello, advogado da Apro.
Com a mudança proposta em
novembro passado, a esperança do mercado de produção era notar uma
mudança das agências, que passariam a concentrar mais responsabilidades e
livrariam as produtoras de um trabalho pelo qual eram mal remuneradas —
ou sequer recebiam honorários.
Os atores também seriam
beneficiados, porque receberiam diretamente das agências. Isso poderia
acelerar o pagamento de cachês. Mas, pelo que se vê, apesar de tanta
polêmica, pouco (ou nada) deve mudar. E a boa vontade das produtoras
deve levá-las a continuar executando o trabalho de gestão de contratos.
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