segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Os hábitos da Nova Classe Média na web

Classe média emergente impulsiona varejo online e atrai novos investimentos

A secretária Sandra Aparecida da Silva Santana, de 33 anos, já comprou geladeira, panela, micro-ondas e utensílios domésticos pelo computador de sua casa. Precisava de todos os itens, mas nada foi efetuado sem a certeza do melhor preço. E agora virou hábito. Sempre que tem de adquirir algo, ela pesquisa antes na internet para ver em qual endereço está a melhor oferta. “Muitas vezes encontro preço menor nos sites do que nas lojas físicas”, diz.

Sandra pode ser considerada uma típica e-consumidora. Pertencente a nova classe média, ela ajuda a compor o perfil do usuário de e-commerce brasileiro. Em 2011, dos nove milhões de novos consumidores, 61% pertencia à classe C, segundo o relatório WebShoppers publicado pela e-Bit. Nos primeiros seis meses de 2012, 5,6 milhões de pessoas fizeram transações online pela primeira vez, totalizando 37,6 milhões de brasileiros. O aumento no número de compradores se deu por causa da contínua entrada da classe C, de acordo com pesquisa da e-Bit, divulgada esse semestre.

A classe média emergente, que já domina o mundo real, tornou-se também a principal protagonista do universo virtual. Estima-se que 53% da população brasileira pertença à classe C. Liberação de crédito, aumento do consumo, compra de computadores e acesso à banda larga guiaram essa fatia de brasileiros para as vendas online, garantindo os bons resultados. Segundo a Cetelem, 53% dos brasileiros preferem fazer compras pela internet.

Em 2011 o faturamento do varejo eletrônico foi de R$ 18,7 bilhões, 26% a mais do que 2010. No primeiro semestre de 2012 o comércio online no Brasil rendeu R$ 10,2 bilhões no primeiro semestre, um aumento de 21% em comparação ao mesmo período do ano passado. A projeção para o segundo semestre deste ano é que as vendas pela web cresçam 20%, finalizando o ano com um total de R$ 22,5 bilhões. 

Entender os hábitos de consumo desse público é a atual meta dos profissionais da área. Uma pesquisa realizada pela WMcCann, em 2011, apontou algumas diretrizes. O estudo foi feito com usuários de toda a América Latina e concluiu: “os consumidores emergentes que utilizam a internet formam uma nação com mais de 80 milhões de usuários na América Latina. A presença da banda larga em seu meio já é uma realidade, com uso médio semanal de internet bastante elevado.”

Este cliente que está debutando no carrinho digital faz parte do Bottom of the Urban Pyramid, tendência indicada pelo bureau Trendwatching. São pessoas com orçamento limitado, mas que hoje exigem criações voltadas às suas necessidades – de mobilidade à falta de espaço doméstico. “A classe C mudou e isso tem um impacto nos negócios. O desafio está em eliminar velhos preconceitos. O novo consumidor exige o mesmo nível de serviço e qualidade do que qualquer outra pessoa. Esse é o ponto de partida para atendê-los. Eles querem se sentir vips e a internet pode ajudá-los facilmente”, afirma Pedro Waengertner, coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios em Marketing Digital da ESPM.

“Os novos consumidores ainda não têm uma marca preferida, mas buscam por produtos e serviços consagrados no mercado e de qualidade. Assim, penso que preço, uma boa promoção e condições de pagamento são essenciais, mas qualidade também é fundamental”, opina Arthur Guitarri, diretor de marketing da Zip Code, empresa de marketing direto.

Para Jorge Inafuco, gerente sênior da área de varejo na Price Waterhouse Coopers (PWC), é compreensível a migração de novos consumidores para o comércio virtual. “Pegamos, por exemplo, a compra de um tênis. Na internet você tem mais acesso a informações, você lê os comentários de usuários, compara as especificações do produto, os modelos, e toma a decisão mais facilmente. Muitas vezes um vendedor de loja física não sabe dar esses detalhes”, explica. E esse público quer gastar, mas não pode errar. 

Vender um produto como exclusivo, por exemplo, é afugentar esse calouro da web. “A menina da classe C quer se sentir fazendo parte do grupo. Ela quer chegar à festa vestindo o mesmo vestido das amigas. Para a nova classe média o exclusivo não importa”, acredita Luciana Burger, diretora do portal Terra, especialista em comércio eletrônico e professora da ESPM. Segundo Pedro Waengertner, é preciso fazer uma imersão na rotina desse e-consumidor para conhecer seus gostos. “Isso é pouco feito, portanto há muitas oportunidades para ser exploradas”. 

INVESTIMENTOS
Muitos empresários aceleraram a implementação de suas estratégias para ocupar um lugar nesse grande shopping virtual. A varejista de moda Riachuelo e a rede de materiais de construção Dicico anunciaram para breve o lançamento das vendas online. Em agosto, o Extra.com lançou seu delivery de alimentos. “Já estava no nosso planejamento. Queremos atender as necessidades do consumidor, entre elas, ter praticidade. O crescimento do poder de consumo da classe C nos motivou”, afirma João Edson Gravata, diretor de operações do Delivery de alimentos do Extra.com. 

Com investimento de R$ 15 milhões, o novo e-commerce do hipermercado quer transpor as características das lojas físicas para a internet. “Manteremos, por exemplo, a quarta Extra e Extra vantagem, que são nossas tradicionais promoções”, diz Gravata. O e-commerce atende alguns bairros de São Paulo e Rio de Janeiro. Ainda esse mês deve ser levado para outras cidades paulistas. 

Mas não são apenas os grandes varejistas que querem atingir a base da pirâmide. Pequenos empreendedores também estão lançando operações de olho no extrato emergente. O site Antes Que a Moda Pegue é um bom exemplo. A ideia inicial das amigas Monique de Souza e Silva e Nicoli Bambini, que se conheceram na faculdade de moda, em São Paulo, foi lançar uma “fast fashion” virtual. “Nosso objetivo é vender peças acessíveis e com informações de moda”, conta Monique. 

Blusas, bolsas, acessórios custam, em média, R$ 120. Naturalmente, portanto, o AQMP atraiu meninas com menor poder aquisitivo. “Nem era nossa ideia principal, mas aconteceu e foi muito positivo. O acesso à informação de moda é maior a cada dia. Por isso também mantemos um blog, que é uma forma de orientação”, afirma Monique. Em menos de um ano elas alcançaram 2000 visitas únicas por dia. 

Como acontece no varejo tradicional, algumas empresas estão lançando uma segunda marca para atender a classe C. É o caso da Nova Flor, “braço” mais pop da Giuliana Flores. “Não adiantava esticarmos muito a corda para vender a todos. Era importante nos posicionarmos. Percebemos através de pesquisas que havia um público que achava nosso produto caro”, conta Juliano Souza, gerente de marketing da Nova Flor. 

Isso não significa que Sandra, a personagem símbolo da nova classe média, não possa presentear alguém com rosas colombianas. “Em vez de um buquê com 24 rosas, vendemos um arranjo com 6”, explica Juliano. Um erro comum, segundo ele, é achar que os novos consumidores não estão atentos à estética do site. “O lay out não pode ser feio, tem de ter um componente aspiracional. Eles compram na 25 de março, mas querem passear na Oscar Freire”, brinca. 

Lay out bonito, rosas colombianas, mas e na hora de abrir a carteira? “Um dos principais desafios é a forma de pagamento. Nem todos têm cartão de crédito. Facilitar a efetuação da compra é primordial”, afirma Natan Sztamfater, diretor da Profite, consultoria em e-commerce. Enquanto na Giuliana Flores é possível pagar em até 3 vezes, na Nova Flor o parcelamento pode ser feito em 6. Monique, do AQMP, permite até que a consumidora vá pagar, pessoalmente, no escritório da empresa.

O boleto bancário também é oferecido em muitos sites, mas é uma cobrança inadequada. “Até pagar o boleto, a consumidora pode desistir da compra. Mas, para nossa sorte, a fatia de vendas com cartão de crédito é maior”, afirma Tiago Pereira, gerente de e-commerce da Marisa. 

No ar há 12 anos e pioneiro no setor da moda, o e-commerce das lojas Marisa constantemente se renova para fidelizar a clientela. “Investimos muito nas imagens das roupas. É uma compra que a consumidora não toca no produto, paga antes e recebe depois. Portanto, ela tem de ter facilidades e confiar muito na marca”, explica Tiago. Em 2010, a Marisa lançou uma ferramenta patenteada que cadastra as medidas da cliente. Quando ela volta ao site, peças do tamanho indicado são sugeridas. 

Marca tradicional para esse público alvo, a Casas Bahia começou a vender na internet em março de 2011, acaba de lançar uma lista de casamento. “Foi uma demanda do público e já percebemos grande interesse”, atesta Vicente Rezende, diretor de marketing da Nova Pontocom, empresa que opera a Casas Bahia.com.

Com a marca consolidada, a loja online da Casas Bahia busca integração com os clientes. “Fazemos muitos concursos culturais e buscamos interação com as redes sociais. São ações que visam nos aproximar do cliente”, completa Vicente.

A tela do computador não pode ser obstáculo na relação e-vendedor e e-consumidor. Segundo Natan, da Profite, o amadurecimento do e-commerce no país segue com a promoção de boas experiências para o comprador virtual. Ele cita como exemplo o site de brinquedos Toymania, que solicita que os próprios clientes mandem fotos utilizando os produtos comprados. “Tornar a venda mais agradável é premissa básica. A ideia agora é como interagir da melhor maneira com os clientes”, diz Natan.

Chats online e vídeos explicando a utilização de produtos facilitam a vida do cliente novato. Também é importante imprimir alguma pessoalidade na relação virtual. “Nós fechamos a compra com uma mensagem personalizada na tela do computador ou mandamos um brinde na encomenda”, diz Tiago, da Marisa. 

MOBILIDADE
E na era das compras em multicanais, não se deve minimizar o crescimento das vendas pelo celular. O barateamento dos smartphones está ajudando o acesso à conectividade móvel. O relatório WebShoppers, realizado pela e-Bit, aponta que as compras feitas por aparelhos de celular ou tablet somam 1,3% de todas as transações online do país. Em 2011 esse número era de 0,3. “É um erro achar que o mundo digital está distante da nova classe média. Muitos compram o smartphone antes mesmo do PC doméstico. E a tendência é cada vez mais o celular ser utilizado para pagamentos”, completa Inafuco, da PCW. O desafio agora é melhorar a navegabilidade do site nos aparelhos móveis. E assim ajudar a Sandra, nossa e-consumidora do início da matéria, a comprar também pelo celular. 

E-SERVICE
Há um filão pouco explorado na internet quando falamos em comércio eletrônico. Trata-se do e-service, a venda de serviços na web. “No e-commerce temos a comercialização de um elemento tangível. No e-service fazemos a venda de algo intangível. Essa á a diferença,” explica Fernando Canuto.

Fernando é o fundador do Bougue, site lançado há um ano que vende serviços de manutenção, decoração, reforma na internet. Ele tem um cadastro de quatro mil profissionais, entre eles, pintores, encanadores, marceneiros, paisagistas etc. “O grande desafio é mostrar para o consumidor que ele pode confiar na entrega do ‘produto’. Temos de garantir a satisfação do usuário e sanar o problema dele”. Em um ano de operação o Bougue já tem 10 mil usuários. Outro exemplo é o site Boa consulta que ajuda a agendar visitas a diversos especialistas.

Para Fernando, o e-service é um caminho sem volta. Nos Estados Unidos, onde esse mercado é um pouco mais desenvolvido, contrata-se pela internet até pessoas para fazer a compra do supermercado. Recentemente, o site E-bay anunciou que também vai ofertar serviços. “Lá a relação de confiança é outra. Falta amadurecimento para o nosso mercado, mas as pessoas estão cada vez mais resolvendo seus problemas pela internet, então isso vai acontecer naturalmente”, finaliza Fernando. 

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