Classe média emergente impulsiona varejo online e atrai novos investimentos
A secretária Sandra Aparecida da Silva Santana, de 33 anos, já comprou
geladeira, panela, micro-ondas e utensílios domésticos pelo computador
de sua casa. Precisava de todos os itens, mas nada foi efetuado sem a
certeza do melhor preço. E agora virou hábito. Sempre que tem de
adquirir algo, ela pesquisa antes na internet para ver em qual endereço
está a melhor oferta. “Muitas vezes encontro preço menor nos sites do
que nas lojas físicas”, diz.
Sandra pode ser considerada uma
típica e-consumidora. Pertencente a nova classe média, ela ajuda a
compor o perfil do usuário de e-commerce brasileiro. Em 2011, dos nove
milhões de novos consumidores, 61% pertencia à classe C, segundo o
relatório WebShoppers publicado pela e-Bit. Nos primeiros seis meses de
2012, 5,6 milhões de pessoas fizeram transações online pela primeira
vez, totalizando 37,6 milhões de brasileiros. O aumento no número de
compradores se deu por causa da contínua entrada da classe C, de acordo
com pesquisa da e-Bit, divulgada esse semestre.
A classe média
emergente, que já domina o mundo real, tornou-se também a principal
protagonista do universo virtual. Estima-se que 53% da população
brasileira pertença à classe C. Liberação de crédito, aumento do
consumo, compra de computadores e acesso à banda larga guiaram essa
fatia de brasileiros para as vendas online, garantindo os bons
resultados. Segundo a Cetelem, 53% dos brasileiros preferem fazer
compras pela internet.
Em 2011 o faturamento do varejo
eletrônico foi de R$ 18,7 bilhões, 26% a mais do que 2010. No primeiro
semestre de 2012 o comércio online no Brasil rendeu R$ 10,2 bilhões no
primeiro semestre, um aumento de 21% em comparação ao mesmo período do
ano passado. A projeção para o segundo semestre deste ano é que as
vendas pela web cresçam 20%, finalizando o ano com um total de R$ 22,5
bilhões.
Entender os hábitos de consumo desse público é a
atual meta dos profissionais da área. Uma pesquisa realizada pela
WMcCann, em 2011, apontou algumas diretrizes. O estudo foi feito com
usuários de toda a América Latina e concluiu: “os consumidores
emergentes que utilizam a internet formam uma nação com mais de 80
milhões de usuários na América Latina. A presença da banda larga em seu
meio já é uma realidade, com uso médio semanal de internet bastante
elevado.”
Este cliente que está debutando no carrinho digital
faz parte do Bottom of the Urban Pyramid, tendência indicada pelo bureau
Trendwatching. São pessoas com orçamento limitado, mas que hoje exigem
criações voltadas às suas necessidades – de mobilidade à falta de espaço
doméstico. “A classe C mudou e isso tem um impacto nos negócios. O
desafio está em eliminar velhos preconceitos. O novo consumidor exige o
mesmo nível de serviço e qualidade do que qualquer outra pessoa. Esse é o
ponto de partida para atendê-los. Eles querem se sentir vips e a
internet pode ajudá-los facilmente”, afirma Pedro Waengertner,
coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios em Marketing Digital da
ESPM.
“Os novos consumidores ainda não têm uma marca preferida,
mas buscam por produtos e serviços consagrados no mercado e de
qualidade. Assim, penso que preço, uma boa promoção e condições de
pagamento são essenciais, mas qualidade também é fundamental”, opina
Arthur Guitarri, diretor de marketing da Zip Code, empresa de marketing
direto.
Para Jorge Inafuco, gerente sênior da área de varejo na
Price Waterhouse Coopers (PWC), é compreensível a migração de novos
consumidores para o comércio virtual. “Pegamos, por exemplo, a compra de
um tênis. Na internet você tem mais acesso a informações, você lê os
comentários de usuários, compara as especificações do produto, os
modelos, e toma a decisão mais facilmente. Muitas vezes um vendedor de
loja física não sabe dar esses detalhes”, explica. E esse público quer
gastar, mas não pode errar.
Vender um produto como exclusivo,
por exemplo, é afugentar esse calouro da web. “A menina da classe C quer
se sentir fazendo parte do grupo. Ela quer chegar à festa vestindo o
mesmo vestido das amigas. Para a nova classe média o exclusivo não
importa”, acredita Luciana Burger, diretora do portal Terra,
especialista em comércio eletrônico e professora da ESPM. Segundo Pedro
Waengertner, é preciso fazer uma imersão na rotina desse e-consumidor
para conhecer seus gostos. “Isso é pouco feito, portanto há muitas
oportunidades para ser exploradas”.
INVESTIMENTOS
Muitos empresários aceleraram a implementação de suas estratégias para
ocupar um lugar nesse grande shopping virtual. A varejista de moda
Riachuelo e a rede de materiais de construção Dicico anunciaram para
breve o lançamento das vendas online. Em agosto, o Extra.com lançou seu
delivery de alimentos. “Já estava no nosso planejamento. Queremos
atender as necessidades do consumidor, entre elas, ter praticidade. O
crescimento do poder de consumo da classe C nos motivou”, afirma João
Edson Gravata, diretor de operações do Delivery de alimentos do
Extra.com.
Com investimento de R$ 15 milhões, o novo
e-commerce do hipermercado quer transpor as características das lojas
físicas para a internet. “Manteremos, por exemplo, a quarta Extra e
Extra vantagem, que são nossas tradicionais promoções”, diz Gravata. O
e-commerce atende alguns bairros de São Paulo e Rio de Janeiro. Ainda
esse mês deve ser levado para outras cidades paulistas.
Mas
não são apenas os grandes varejistas que querem atingir a base da
pirâmide. Pequenos empreendedores também estão lançando operações de
olho no extrato emergente. O site Antes Que a Moda Pegue é um bom
exemplo. A ideia inicial das amigas Monique de Souza e Silva e Nicoli
Bambini, que se conheceram na faculdade de moda, em São Paulo, foi
lançar uma “fast fashion” virtual. “Nosso objetivo é vender peças
acessíveis e com informações de moda”, conta Monique.
Blusas,
bolsas, acessórios custam, em média, R$ 120. Naturalmente, portanto, o
AQMP atraiu meninas com menor poder aquisitivo. “Nem era nossa ideia
principal, mas aconteceu e foi muito positivo. O acesso à informação de
moda é maior a cada dia. Por isso também mantemos um blog, que é uma
forma de orientação”, afirma Monique. Em menos de um ano elas alcançaram
2000 visitas únicas por dia.
Como acontece no varejo
tradicional, algumas empresas estão lançando uma segunda marca para
atender a classe C. É o caso da Nova Flor, “braço” mais pop da Giuliana
Flores. “Não adiantava esticarmos muito a corda para vender a todos. Era
importante nos posicionarmos. Percebemos através de pesquisas que havia
um público que achava nosso produto caro”, conta Juliano Souza, gerente
de marketing da Nova Flor.
Isso não significa que Sandra, a
personagem símbolo da nova classe média, não possa presentear alguém com
rosas colombianas. “Em vez de um buquê com 24 rosas, vendemos um
arranjo com 6”, explica Juliano. Um erro comum, segundo ele, é achar que
os novos consumidores não estão atentos à estética do site. “O lay out
não pode ser feio, tem de ter um componente aspiracional. Eles compram
na 25 de março, mas querem passear na Oscar Freire”, brinca.
Lay out bonito, rosas colombianas, mas e na hora de abrir a carteira?
“Um dos principais desafios é a forma de pagamento. Nem todos têm cartão
de crédito. Facilitar a efetuação da compra é primordial”, afirma Natan
Sztamfater, diretor da Profite, consultoria em e-commerce. Enquanto na
Giuliana Flores é possível pagar em até 3 vezes, na Nova Flor o
parcelamento pode ser feito em 6. Monique, do AQMP, permite até que a
consumidora vá pagar, pessoalmente, no escritório da empresa.
O
boleto bancário também é oferecido em muitos sites, mas é uma cobrança
inadequada. “Até pagar o boleto, a consumidora pode desistir da compra.
Mas, para nossa sorte, a fatia de vendas com cartão de crédito é maior”,
afirma Tiago Pereira, gerente de e-commerce da Marisa.
No ar
há 12 anos e pioneiro no setor da moda, o e-commerce das lojas Marisa
constantemente se renova para fidelizar a clientela. “Investimos muito
nas imagens das roupas. É uma compra que a consumidora não toca no
produto, paga antes e recebe depois. Portanto, ela tem de ter
facilidades e confiar muito na marca”, explica Tiago. Em 2010, a Marisa
lançou uma ferramenta patenteada que cadastra as medidas da cliente.
Quando ela volta ao site, peças do tamanho indicado são sugeridas.
Marca tradicional para esse público alvo, a Casas Bahia começou a
vender na internet em março de 2011, acaba de lançar uma lista de
casamento. “Foi uma demanda do público e já percebemos grande
interesse”, atesta Vicente Rezende, diretor de marketing da Nova
Pontocom, empresa que opera a Casas Bahia.com.
Com a marca
consolidada, a loja online da Casas Bahia busca integração com os
clientes. “Fazemos muitos concursos culturais e buscamos interação com
as redes sociais. São ações que visam nos aproximar do cliente”,
completa Vicente.
A tela do computador não pode ser obstáculo
na relação e-vendedor e e-consumidor. Segundo Natan, da Profite, o
amadurecimento do e-commerce no país segue com a promoção de boas
experiências para o comprador virtual. Ele cita como exemplo o site de
brinquedos Toymania, que solicita que os próprios clientes mandem fotos
utilizando os produtos comprados. “Tornar a venda mais agradável é
premissa básica. A ideia agora é como interagir da melhor maneira com os
clientes”, diz Natan.
Chats online e vídeos explicando a
utilização de produtos facilitam a vida do cliente novato. Também é
importante imprimir alguma pessoalidade na relação virtual. “Nós
fechamos a compra com uma mensagem personalizada na tela do computador
ou mandamos um brinde na encomenda”, diz Tiago, da Marisa.
MOBILIDADE
E na era das compras em multicanais, não se deve minimizar o
crescimento das vendas pelo celular. O barateamento dos smartphones está
ajudando o acesso à conectividade móvel. O relatório WebShoppers,
realizado pela e-Bit, aponta que as compras feitas por aparelhos de
celular ou tablet somam 1,3% de todas as transações online do país. Em
2011 esse número era de 0,3. “É um erro achar que o mundo digital está
distante da nova classe média. Muitos compram o smartphone antes mesmo
do PC doméstico. E a tendência é cada vez mais o celular ser utilizado
para pagamentos”, completa Inafuco, da PCW. O desafio agora é melhorar a
navegabilidade do site nos aparelhos móveis. E assim ajudar a Sandra,
nossa e-consumidora do início da matéria, a comprar também pelo celular.
E-SERVICE
Há um filão pouco explorado na
internet quando falamos em comércio eletrônico. Trata-se do e-service, a
venda de serviços na web. “No e-commerce temos a comercialização de um
elemento tangível. No e-service fazemos a venda de algo intangível. Essa
á a diferença,” explica Fernando Canuto.
Fernando é o fundador
do Bougue, site lançado há um ano que vende serviços de manutenção,
decoração, reforma na internet. Ele tem um cadastro de quatro mil
profissionais, entre eles, pintores, encanadores, marceneiros,
paisagistas etc. “O grande desafio é mostrar para o consumidor que ele
pode confiar na entrega do ‘produto’. Temos de garantir a satisfação do
usuário e sanar o problema dele”. Em um ano de operação o Bougue já tem
10 mil usuários. Outro exemplo é o site Boa consulta que ajuda a agendar
visitas a diversos especialistas.
Para Fernando, o e-service é
um caminho sem volta. Nos Estados Unidos, onde esse mercado é um pouco
mais desenvolvido, contrata-se pela internet até pessoas para fazer a
compra do supermercado. Recentemente, o site E-bay anunciou que também
vai ofertar serviços. “Lá a relação de confiança é outra. Falta
amadurecimento para o nosso mercado, mas as pessoas estão cada vez mais
resolvendo seus problemas pela internet, então isso vai acontecer
naturalmente”, finaliza Fernando.
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