Presidente do jornal, Walter de Mattos Júnior refaz a equação financeira da mídia
“A necessidade é a mãe da criatividade”. A frase é de Walter de
Mattos Júnior, presidente do jornal Lance! que aposta no valor de uma
marca forte para manter a saúde das empresas produtoras de conteúdo em
todas as suas plataformas. O executivo acredita que a equação financeira
do negócio nunca mais será como antigamente, pois hoje são várias as
formas de ganhar dinheiro. No Lance!, ele pretende inserir o conceito do
passaporte digital: o leitor assina o conteúdo e pode acessá-lo pelo
iPhone, Android, computador, tablet, via smarTV ou qualquer outro meio
compatível. Nessa entrevista, Mattos defende a urgente
profissionalização no marketing esportivo. E declara: “Esperamos por
este momento desde que nascemos”, referindo-se aos grandes eventos
esportivos que vêm por aí.
O jornal esportivo enfrenta os mesmos dilemas e desafios de todos os jornais impressos do país?
Vou
falar por nós. O Lance! é um jornal que, se comparado aos outros
esportivos importantes do mundo (geralmente europeus), sempre teve um
nível de leitores mais jovens. Isso foi de propósito. O marketing foi
feito assim, o desenho gráfico, a comunicação e as promoções tinham como
objetivo conquistar o jovem. E isso é muito bom. Contudo, esse público é
mais digital, tende a migrar do papel para esses meios. O primeiro
desdobramento desse diferencial é um desempenho na internet muito
superior ao de veículos até maiores do que o nosso. Entre os jornais, se
você considerar outros diários, chegamos a ser o maior site quando
tínhamos parceria com um portal – hoje jornais como O Globo recebem
muito tráfego do seu portal, a Folha está no UOL e o Estado, no MSN. Nós
temos um site independente, sem nenhum portal direcionando o tráfego, e
ainda somos um dos três maiores. Um desempenho impressionante. Outra
característica do Lance! é ser nacional – mais que os outros, que tendem
a ser de uma comunidade, de uma região. Temos audiência nacional tanto
no Lancenet quanto no Lancemobile. E estamos com a Rede Nacional Lance!,
inicialmente sendo disponibilizada no papel. O resumo da ópera é:
sofremos mais com a migração do papel para o digital – então nossa
obrigação de conquistar leitores do jornal impresso é grande. Temos
todos os benefícios na área digital e no papel os desafios são os
mesmos. Reter o leitor é o principal deles.
E como fazer isso?
Nós criamos a Rede Nacional
Lance!, que está em processo de consolidação, e é uma coisa muito
inovadora. A partir da força e reconhecimento da nossa marca e do atual
momento do esporte brasileiro, fechamos sete acordos com jornais de
diferentes estados, dentro dos quais o Lance! circula às segundas-feiras
como um suplemento. Com isso já agregamos quase 100 mil exemplares nas
segundas. Parece uma rede de televisão: somos a cabeça de rede, mandamos
o conteúdo digital para os parceiros já editado em um formato mais
compacto – com 16 a 20 páginas, no lugar de 36 a 40 –, com cobertura
esportiva nacional e internacional. O parceiro local continua fazendo o
esporte local, e nós podemos vender a publicidade nacionalmente. Em 2013
botaremos o bloco na rua do ponto de vista comercial, pois antes não
tínhamos escala, e agora temos. É inviável imprimir o jornal nesses
lugares todos, ter distribuição própria. E temos um terceiro modelo:
para os locais onde não há esse perfil de parceiro “da rede” estamos
experimentando um modelo impresso, que sai apenas às segundas, o dia
mais importante do esporte.
Este seria um voto de confiança no impresso?
Sim,
acreditamos no impresso. Até porque podemos oferecer para os
anunciantes um jornal nacional, em papel, que eles não têm. O Diário de
Pernambuco, por exemplo, queria fazer um projeto conosco, mas ele tem
mais de 50 mil exemplares. Pensamos em dividir a despesa com o papel,
que já é muito alta, mas não deu. No Sul, ocorreu a mesma coisa, com os
jornais do RBS. Nesses dois lugares e talvez na Bahia nós mesmos faremos
o empreendimento, em sociedade com parceiros locais. No Rio Grande do
Sul, com o jornal NH. No Paraná, com a Gazeta do Povo. O importante é
que possamos ter a marca Lance! nesses locais e oferecer aos
anunciantes uma “manchete nacional”. Também podemos disponibilizar
produtos digitais nacionais, como o portal mobile, os aplicativos e o
Lancenet. A necessidade é a mãe da criatividade.
Qual a relação do leitor de esportes com o papel?
Ler
jornal em papel é hábito. Leio tudo no iPad, mas prefiro papel. Não há
nada como sentar em um bom café e ler o jornal em papel. No entanto,
isso é característica de uma geração. Vamos ver como vai ser. O livro
não ia desaparecer? A molecada está lendo milhões de livros. O mundo vai
mudando, as respostas vão ficando menos óbvias e menos assertivas. Vai
ter de tudo. Hoje os jornais são empresas de produção de conteúdo, não
somos obrigados a ter rotativas.
Mas ainda falta resolver a equação financeira sem as rotativas, certo?
Nunca
mais será como antigamente, quando tudo era fácil e claro. Hoje são
várias formas de ganhar dinheiro. Acredito muito no conceito do
passaporte digital. O leitor assina o conteúdo e pode acessar pelo
iPhone, pelo Android, pelo computador, pelo tablet, pela smarTV... Uma
senha, uma assinatura, e ele lê do jeito que quiser no mundo digital. Em
pesquisa que acompanho percebo que é mais fácil o leitor ser assinante
de algo com formato próximo do papel do que querer que ele assine um
site. Até porque as pessoas foram acostumadas que sites devem ser
grátis. Mas as coisas com cara de revista, jornal flip, são pagas, ainda
que estejam no mesmo suporte. Temos um projeto com esse perfil e já
conquistamos mil assinaturas. Apostamos que no próximo ano chegaremos a
10 mil. É o Lance Digital. O leitor pode entrar pelo meio que quiser a
partir de uma única senha. Os sites estão se movendo para um modelo
“metered” (metrificado) e pode-se identificar dois tipos de assinantes: o
esporádico (que se tenta rentabilizar pela publicidade) e o frequente
(que será convidado a pagar a partir de uma certa taxa de consumo). É um
movimento que está acontecendo no mundo inteiro e os jornais
brasileiros caminham para essa direção.
E o vídeo, o grande vetor no ambiente eletrônico? Como estão os investimentos em TV?
No
esporte, o vídeo é muito forte. Há cinco anos nunca tinha entrado uma
câmera de vídeo aqui dentro da redação. Hoje produzimos uma televisão
com 20 horas de programação semanais, com mais de três milhões de
streams por mês. E existe uma técnica para o vídeo no esporte: é preciso
aprender a iluminar, a locução é diferente.. Há uma outra tecnologia
que aos poucos vamos incorporando. Temos mais de 40 pessoas trabalhando
só com vídeo aqui dentro.
E nessa área a concorrência é grande, não?
Sim,
mas temos uma marca forte. Uma marca que faz com que nosso aplicativo do
brasileirão Lance! (que não tem um real de mídia para divulgar) já
tenha quase 200 mil downloads. É o APP top de brasileirão. Esse é o
valor da marca. Tem publicidade atrás disso, então pode ser que o
aplicativo, no ano que vem, já venha a ser cobrado. As coisas precisam
ter cobrança, mas devem seu muito boas. Tenho um amigo que fala que o
ser humano tomou várias decisões erradas ao longo da sua existência: uma
delas foi a monogamia. A segunda é esse negócio de ficar dando
informação de graça. Quem paga o salário dos jornalistas se tudo é de
graça?
Quais os planos para cobrir os próximos eventos esportivos, com tantos veículos do mundo disputando espaço?
Para
quem não é um veículo dedicado a esportes, acho que o desafio é maior.
Temos 300 funcionários na área. Para nós é o dia-a-dia. É claro que um
evento no Brasil elevará nossa exigência para um outro patamar. Estamos
nos preparando para isso desde que nascemos, desenvolvendo equipes. E
não é um bicho de sete cabeças cobrir uma Copa no Brasil. Problema é
cobrir fora, quando temos a necessidade de enviar 50 profissionais para
uma África do Sul, por exemplo, e mandamos 10, 15 pessoas. Aqui teremos
mais facilidade. Mas é verdade que outros veículos não especializados
querem pegar um naco desse negócio e se apresentar como sendo muito bons
em esportes. A concorrência é maior. Eu nunca imaginei, ao criar o
Lance!, que nós íamos tão rapidamente ver esses eventos no Brasil. É um
sonho realizado, de forma espetacular. E infelizmente será algo que meus
filhos não verão novamente porque acontece uma vez a cada duas ou três
gerações.
Em um debate recente sobre o negócio do futebol, em que você
estava presente, levantou-se a falta de profissionalismo no futebol
brasileiro. O Brasil tem muito caminho pela frente, não é?
O
que me preocupa entre os problemas que temos é a indústria do marketing
esportivo. Especialmente o uso do esporte como plataforma de estratégia
para as marcas. É onde vejo muitas possibilidades de mudarmos de
patamar, de mudar o seu tamanho, de multiplicar essa indústria por dois
ou três. Temos que ter humildade e pragmatismo para importar pessoas que
estão trabalhando nisso em outros patamares. Eu acredito que teremos um
legado positivo, porque na hora em que vêm para cá, as multinacionais
vinculadas aos grandes eventos – como a Visa, por exemplo – para ativar
seus negócios na Copa do Mundo e nas Olimpíadas, as coisas mudam. São
eventos mundiais. E a própria Visa afirmou, no debate ao qual você se
referiu, que não fecha patrocínios sem ter pelo menos três vezes o valor
da verba para investir em ativação. No Brasil enfrentamos o amadorismo
na hora da decisão de contratar um patrocínio e depois falta de verba
para ativá-lo. As marcas compram espaços e querem ficar só na “mídia
espontânea”. E não falo isso porque sou mídia e gostaria que as empresas
anunciassem mais. Não é esta a questão. A questão é que na hora em que
uma marca investe apenas na mídia espontânea, seu investimento terá um
retorno muito menor. Então se não há dinheiro para ativar um patrocínio,
o ideal é investir em algo menor e fazer direito. A questão não é dar
“visibilidade” a uma marca, mas sim o que se fará com aquela
propriedade. Uma parte do caminho vamos trilhar – e há marcas que
desembarcarão por aqui fazendo um trabalho world class. O problema, como
disse, são as empresas.
A grande solução seria importar profissionais?
Sem
dúvida. Estão sobrando profissionais no mundo inteiro, as pessoas que
trabalham aqui aprenderão muito. O que não podemos é adotar uma
mentalidade xenófoba. Tivemos 20 anos para aprender, e não aprendemos.
Agora precisamos aprender em apenas um.
Quais os principais problemas?
Há um balanço
excessivo de poder nas mãos dos detentores de direitos de transmissão,
sobretudo na TV aberta. Isso prejudica. Há jogos às 22 horas. Outra
coisa: tem que ser criada uma liga profissional de clubes para resolver
os interesses coletivos, que os unem, como horários, negociação melhor
organizada, calendário. Há um desequilíbrio muito grande.
Qual sua opinião sobre os naming rights para os estádios?
Tem
que ter. Já ouvi falar que a Globo está fazendo um acordo para usar o
nome completo dos estádios em suas chamadas oficiais, mas também ouvi
falar que haverá um pacote comercial atrelado ao projeto. Se vier um
naming right direito, com contratos de 10, 15 anos, falaremos
normalmente, como o restante da mídia deve falar também. Diferente da
Copa Libertadores, muito tradicional, que existe há 50 anos e é de
interesse público. Não se pode chamar do dia para a noite Copa
Bridgestone.
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