A nova Ranger provoca a renovada S10 para mais um round da briga histórica. Qual picape ficará mais próxima do desfiladeiro?
por Carlos Cereijo / Fotos: Marcos Camargo - publicado na edição nº 55 (jul/2012)
Pedras afiadas aguardam na beira do abismo sua vez de despencar. No
fundo do estreito precipício estamos a nova Ranger e eu abusando da
hospitalidade e despertando a ira das rochas. Chove e a água serpenteia
pelas fendas, desmoronando uma parte do paredão. Faz frio, um vento
cortante gela o meu rosto ao relento. Nesta paisagem dura e estéril, só
se arriscam máquinas pesadas, habituadas aos perigos das escarpas. Foi
por isso que trouxemos a nova picape da Ford até aqui: para ver se ela
resiste à pressão. Queremos saber se a Ranger com seu motor de cinco
cilindros em linha 3.2 turbo de 200 cv merece nosso respeito.
Antes de contar se a nova Ranger saiu do desfiladeiro com vida, vamos
conhecer a história dela. Primeiro é preciso esquecer a antecessora.
Quase nada dela está aqui. A nova geração foi desenvolvida na Tailândia,
mas como um produto global. Há contribuições de todos os oito centros
de desenvolvimento da Ford espalhados pelo mundo, inclusive o do Brasil.
Segundo a marca, o projeto da picape começou há quatro anos e consumiu
US$ 1,1 bilhão. A Ranger para o mercado brasileiro virá de Pacheco, na
Argentina. Outras fábricas vão produzir a picape para um total de 180
países.
ford ranger
+
Da antiga, ficou o nome
-
Cabine sem criatividade
=
Agora sim, a raça de picapes da Ford é forte
A arquitetura do chassi é nova e usa aço de alta resistência. Com
isso, os engenheiros conseguiram dobrar a rigidez da estrutura em
relação à geração anterior. A intenção foi melhorar o desempenho da
picape e criar uma célula de sobrevivência. A prova de que isso foi
conseguido foram as cinco estrelas no teste de colisão do EuroNCAP. A
Ranger também pode enfrentar água até 80 cm de profundidade. A Ford
conseguiu isso colocando elétrica, eletrônica e respiradores na parte
mais alta do cofre do motor.
O design foi criado na Austrália e segue a receita Ford para picapes:
faróis com olhar quadrado, dianteira encorpada e um sorrisão cromado.
Nas laterais há saídas de ar que, na verdade, são puramente estéticas, e
uma linha de cintura alta. O ângulo do para-brisa é mais inclinado,
para facilitar o fluxo de ar e dar uma cara de velocidade à picape. Na
traseira, há lanternas grandes e uma tampa ampla, a fim de facilitar o
manuseio de cargas. Na versão do nosso teste, a topo de linha Limited,
há o santantônio incorporado à carroceria que você vê nas fotos. Ele
serve para embelezar a Ranger e não pode receber amarras ou pesos
apoiados. Para os tradicionais, há o clássico componente com tubos
metálicos.
Alta pressão
O mais forte motor é o cinco cilindros em linha 3.2 DuraTorq,
acoplado a um turbo de geometria variável. Ele gera 200 cv, fazendo,
portanto, da Ranger a mais potente do mercado nacional. Segundo a Ford, o
resultado foi conseguido graças à alta pressão com que o combustível é
injetado, com bicos especiais e bomba de fluxo variável. Para poupar
diesel, a Ranger tem um gerenciamento inteligente de bateria, que acopla
o alternador só nos momentos necessários. Há outro propulsor diesel 2.2
voltado para frotistas principalmente.
Já o motor 2.5 flex, uma novidade na linha Ranger, foi pensado para o
Brasil. O bloco de alumínio e comando de válvulas variável resultam
numa potência de 173 cv quando abastecido com etanol. Há dois detalhes
curiosos nesse motor. O primeiro é que o bocal do tanque de partida a
frio está escondido na saída de ar lateral. Assim, o acesso é mais
prático e seguro, diz a Ford. O segundo detalhe é que este motor flex
também já foi pensado para receber um kit GNV.
Tripla personalidade
No câmbio também há novidade. São dua caixas manuais e uma
automática, todas indéditas. A transmissão manual de cinco marchas é
exclusiva da versão 2.5 flex; já a manual de seis marchas está
disponível para os motores 2.2 e 3.2 diesel. Todas elas contam com o
recurso de aviso no painel para momento ideal de troca. A nova
transmissão automática tem seis marchas e é inédita na linha Ranger. Há
três modos de troca: econômico, esportivo e sequencial. O câmbio também
reconhece a maneira que o motorista conduz e se adapta. Há ainda um
assistente de condução, que reduz marchas em frenagens fortes, descidas
ou entradas de curvas.
A Ranger com motor flex só será vendida com tração 4x2, enquanto
todas as diesel terão tração 4x4. O acionamento da tração integral,
assim como da caixa reduzida, é feito por um seletor eletrônico no
console. A operação de passar de 4x2 para 4x4 pode ser feita em
movimento, até 120 km/h. A reduzida só pode ser acoplada com a picape
parada. A Ford ainda conta com um sistema de bloqueio do diferecial
traseiro. Isso ajuda a subir rampas e trilhas, mesmo com a tração apenas
em 4x2.
Como é o interior da picape? Quais as novidades tecnológicas? E como é
enfrentar a perigosa pedreira a bordo dela? Ia responder tudo isso
agora, mas aí a arquirrival Chevrolet S10 aceitou a briga proposta pela
Ranger. Então nada melhor que juntar a rival à aventura para ver quem
sai vivo do desafio cruel.
A lama chapiscada na carroceria é como uma pintura de guerra. Cada
palmo de terreno é discutido com urros de motor cuspindo diesel e pedras
ao ar. Há décadas, Ranger e S10 não se entendem. O comprador de uma
está interessado diretamente na outra. É por isso que, nesse cenário,
não há L200, Hilux, Frontier nem a refinada Amarok, vencedora no nosso
último comparativo entre picapes médias. Aqui, o papo é reto. A briga é
particular.
As duas têm pais americanos, mas nasceram longe de casa. A missão de
ambas é ocupar o território emergente, conquistar Tailândia, Argentina,
Brasil. A Chevrolet S10 já vinha bem na empreitada, e a nova geração,
lançada há quatro meses, só reforçou o caráter desbravador. A vida sem
riscos durou pouco. A Ford Ranger provoca a briga, cuja perdedora ficará
mais próxima do desfiladeiro das vendas. Nessa rixa histórica, quem
sairá vivo do vale da morte?
Estou na cabine da S10 e os cromados refletem os barrancos de pedra.
Deslizo a mão sobre o painel, os comandos do console central e o
volante. O aquecedor disfarça os 12°C lá de fora. A picape avança macia,
abrindo caminho e espalhando pedregulhos. Esta Chevrolet é um bom lugar
para estar, mesmo no terreno mais hostil. O acabamento é resistente e
exibe desenho mais criativo que o da Ranger. O painel de instrumentos
tem apelo esportivo e os comandos estão bem posicionados.
Em alto som
No momento de encarar a terra, a picape Chevrolet desdenha os buracos
e a lama. Nos aclives, com a tração 4x4 selecionada, a S10 vai achando o
caminho morro acima sem sustos. Quando a velocidade sobe, aí a
grandalhona sente os efeitos da suspensão macia. A traseira começa a
desgarrar com a tração 4x2 acionada, mas logo volta ao normal com alguma
prática. Nisso a Ranger é mais divertida, como veremos adiante.
Na rodovia, a S10 vem bem, balançando pouco. No entanto, os números
de teste confirmaram uma impressão que só aumentava. A picape da GM é
mais barulhenta que a Ranger, tanto em marcha lenta quanto a 120 km/h.
Outro aspecto que fica claro é que a S10 bebe mais que a picape Ford,
tanto faz se você estiver na cidade ou na estrada. Isso custou pontos
importantes para a Chevrolet. Pelo menos a aceleração até 100 km/h, em
11,8 s, não faz feio perto da Ranger.
A S10 vem bem equipada de fábrica, porém, o pacote tecnológico da
picape Ford entrega mais que o da GM. E se a S10 tem cabine mais
vistosa, a Ranger traz carroceria imponente, com linha de cintura alta e
capô elevado. Quando a S10 parar no estacionamento do shopping ou do
rodeio, ela será o foco. Até a Ranger encostar ao lado. A Ford abre boa
vantagem em quesitos importantes, e por isso encurrala a S10. Vale
dizer: refinada, a picape da GM não se rendeu até o final.
Uma leve pressão no botão e o diferencial traseiro da Ranger fica
bloqueado. Cada roda de trás recebe 50% da força do motor de 200 cv. O
controle de tração pisca para mostrar que agora é com você, meu amigo. O
pé direito afunda o acelerador e a Ford sai cuspindo pedras para trás e
deixando a terra ainda mais escura. O piso está enlameado e uma curva à
direita se aproxima. Um pouco de freio, para jogar o peso para a frente
e deixar as rodas dianteiras apontarem. Acelerador a meio curso, a
traseira desgarra. A diversão tem início. Agora, é segurar a picape de
lado o máximo possível. E ela obedece. Eu fui criado em apartamento, na
cidade, mas se viver na fazenda for isso, pode me chamar de Chico Bento.
Já deu para perceber que a Ranger é mais divertida ao volante do que a
S10. Isso também acontece em baixas velocidades. A picape Ford traz
sistemas eletrônicos que ajudam nas condições adversas. Para descer
aquela pirambeira escorregadia, a Ranger chama a responsabilidade para
si e tira você do sufoco. Basta colocar o câmbio na posição N e acionar o
botão do Hill Descent no painel. Não pise mais em nenhum pedal, deixe a
picape apontar na ribanceira. Para controlar a velocidade de descida, o
motorista usa os botões + e - no volante. A Ford vai vencendo o desafio
de mansinho enquanto o sistema gerencia os freios para não escorregar
além da conta. E, acredite, se a Ranger azul das fotos está intacta, é
por mérito próprio.
Sabedoria
E não é só para baixo que ela usa a inteligência; no caminho inverso
também. O bloqueio do diferencial traseiro entra novamente em ação.
Deixe a Ranger na opção 4x2, selecione o bloqueio e aponte para a
ladeira. A picape dará umas derrapadas, mas vencerá a lama. A subida é
longa e cheia de valetas? Aí coloque 4x4 ou a 4x4 reduzida. A Ranger,
que está equipada com pneus de uso misto, vai deixar o morro para trás.
Se for preciso parar no meio da escalada, ela conta com o Hill Assist.
Este sistema segura o freio por dois segundos depois que o pé sai do
pedal de freio, assim você tem tempo de acionar o acelerador sem que a
picape escorregue para trás.
Aparência simples
A novidade da Ford não é esperta só para a diversão na trilha: para
trabalhar também. Ela conta com um sistema que detecta oscilação de
reboque e estabiliza a trajetória para que a picape não sofra acidente. A
Ranger vai pinçando os freios para se livrar de uma situação de perigo.
Há ainda um assistente de frenagem de emergência, que reconhece a
manobra e aplica mais pressão no sistema para parar a picape. Controle
anticapotamento, ESP e ABS também são de série na versão Limited, a topo
de linha.
É bom que a Ranger seja divertida no off road e cheia de tecnologia,
porque do interior não há do que se orgulhar. A construção é boa, mas os
materiais têm aparência simples e o desenho é sem graça. A S10, a
propósito, é um bom exemplo de robustez, boa construção, luxo e
criatividade. Pelo menos na Ford há o GPS integrado de série, câmera de
ré e sensor de estacionamento na opção testada.
Aliás, a pista de testes refletiu o que a ficha técnica já anunciava:
a Ranger é mais rápida. No entanto, a surpresa é o baixo consumo.
Afinal, o motor de 200 cv é grande – são cinco cilindros em linha e 3.2
de capacidade – e a Ranger pesa mais que a S10. Os números de frenagem
também foram superiores, mostrando que a Ranger está bem afinada. Na
rodovia, a Ford é mais silenciosa. A suspensão, tão bem acertada quanto a
da Volkswagen Amarok, não tem ajuste tão macio quanto o da S10. A
resposta ao volante é até comunicativa.
E o preço? A diferença é mínima entre as duas. Mas a Ford consegue
entregar mais tecnologia, itens de série e desempenho. E reforça a
vitória com o consumo de combustível baixo e diversão alta. A Ranger sai
do desfiladeiro da morte com o corpo marcado pela batalha, pneus
mastigados pelo cascalho e carpete besuntado de lama. Fique esperta,
Amarok. A Ford vai bater à sua porta. Cuidado ao atender.
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