Relatório aponta que mudanças de tecnologia têm diminuído a qualidade do jornalismo: ele vai piorar antes de melhorar
*Por Carlos Eduardo Lins da Silva
O Tow
Center for Digital Journalism da Columbia Journalism School publicou em
novembro o que ele chamou de “parte pesquisa, parte manifesto” sobre a
prática do jornalismo e a prática dos jornalistas, que é um dos mais
instigantes e provocativos documentos sobre nossa atividade dos anos
mais recentes, e que vai fundo nos problemas que temos vivido há 25
anos.
No seu primeiro parágrafo, ele já mostra como é
iconoclasta, ao dizer que “não trata do futuro da indústria da notícia
porque o futuro já ocorre agora e porque já não há mais algo que se
possa chamar de indústria da notícia”.
Constata que “já houve”
algo que se pudesse chamar assim porque havia similaridade de métodos
entre um grupo relativamente pequeno e coerente de negócios no qual
ninguém fora dele seria capaz de produzir um produto competidor em
condições de concorrer com ele. “Estas condições não mais são
verdadeiras”, afirma o documento em seu segundo parágrafo.
A
partir daí, o texto começa a discorrer sobre o que vem acontecendo com o
jornalismo nos últimos 15 anos (de fato, em minha visão, no mais
recente quarto de século). Numa tentativa de ser extremamente sintético,
mas talvez muito simplisticamente, ele afirma: “... numa frase, todo
mundo, de repente, ganhou muito mais liberdade: quem faz notícia, quem
anuncia, mas especialmente as pessoas antigamente chamadas de
audiência...”.
Talvez não tenha sido bem assim, mas — por razões
de praticidade — vamos aceitar tais premissas do documento para poder
discuti-lo. Em geral, a maioria das pessoas tende a se impressionar
muito com uma novidade que parece avassaladora e a concluir que dali em
diante tudo terá mudado, quando, de fato, nada de significativo ocorreu.
Por exemplo, apenas um, quem achou que o Wikileaks havia
definitivamente alterado a maneira de fazer jornalismo e diplomacia, ao
que tudo indica, deu com os burros n’água.
De qualquer maneira, é
indiscutível que muito vem se alterando no mundo da mídia de 1987 até
agora. “O futuro já chegou, só que ele ainda é distribuído de modo
desigual”, como William Gibson disse e o Tow Center citou.
Entre
as muito importantes conclusões do relatório, uma é de que essas
mudanças de tecnologia têm piorado a qualidade do jornalismo, mas não
necessariamente em definitivo. “O jornalismo vai piorar antes de
melhorar”, os autores dizem estar convencidos.
E, em suas
opiniões, o que mais contribui para a piora é que os veículos
tradicionais do jornalismo se aferram a conservar métodos de trabalho e
formas de hierarquia antigas, apesar de os seus modelos de negócio terem
entrado claramente em colapso irreversível há já muito tempo.
Os
responsáveis por esses veículos parecem insistir em repetir seus velhos
axiomas mesmo quando se utilizam de novas tecnologias. Não só eles
continuam a escolher saídas que claramente se têm demonstrado ineficazes
(como cortar pessoal para reduzir despesas), como teimam em repetir
modelos que eram consagrados em plataformas antiquadas nas atuais (como
tentar reproduzir no iPad, no smartphone, no YouTube, no Facebook etc.),
os estilos e métodos e linguagem que deram certo por décadas, séculos,
no papel.
Os princípios de que os autores desse importante
documento partiram para redigi-lo são todos fundamentais e corretos:
jornalismo é importante (para a sociedade e para o cidadão); o bom
jornalismo sempre foi, de um ou outro modo, subsidiado (por grupos
políticos, beneméritos, anunciantes, mecenas ou mesmo o Estado); a
internet destruiu o modelo do subsídio dos anunciantes, reestruturar o
negócio é imperioso e inevitável; há muitas oportunidades para fazer
isso de modo lucrativo para todos, em especial para a sociedade.
É
disso que trata esse importantíssimo trabalho (“Post-Industrial
Journalism: Adapting to the Present), que pode ser visto em
http://migre.me/clGec (em PDF).
Vale a pena acessar, ler, meditar
sobre seu conteúdo e agir. Nem tudo ali é certo, claro. Mas ignorar
esse documento é dar mais um tiro no pé. E eles já foram tantos, que um a
mais pode significar o fim da esperança para o negócio do jornalismo.
*Carlos Eduardo Lins da Silva é editor da revista Política Externa e diretor do Espaço Educacional Educare. Este texto foi publicado na edição 1540 do Meio & Mensagem, do dia 17 de dezembro.
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