Tenho falado sobre anestesia e
imobilidade de todos, incluindo aí nós, da imprensa, no meio social e
escolar. Talvez um caminho que possa nos ajudar, em relação aos
estudantes, seria estimular a prática esportiva nas escolas. Mais
matérias e pautas sobre o assunto. Esporte traz autoestima e bons
valores, como a consciência da conquista pelo mérito. Sem esforço, não
se alcança uma marca respeitável. A criança e o jovem podem voltar a
sonhar e descobrirem-se capazes de realizar qualquer objetivo. Esporte
afasta drogas, une famílias. E essa palavra também que ser redescoberta
por aqui: família. Esse é um dos motivos pelos quais a vinda de uma
Olimpíada deveria ser tratada como algo diferente, mais que um simples
oba-oba de festa.
Há que se pensar no chamado “legado olímpico”. Engana-se quem pensa que
ele é feito somente pelas obras vetustas como investimentos em
aeroportos, em estádios, em transportes coletivos e em segurança. O que
já seria bom, com gastos responsáveis, sem hiper-faturamento. Mas além
disso deve-se construir uma imagem positiva do país, de solidariedade,
de união e lutar contra os estereótipos das mulheres fáceis, do turismo
sexual etc., etc. Aí um caminho que podemos contribuir, e muito. Mostrar
um outro Brasil. Essa é nossa grande chance. Apesar de tudo, nosso país
hoje é reconhecido nos Brics, vive um bom momento econômico e também
pensa em qualidade. Por exemplo, das empresas brasileiras, cerca de 6,9
mil possuem certificado de qualidade Iso-9000, maior número entre os
países em desenvolvimento. A Inglaterra estava enterrada em uma maré de
pessimismo e saiu da Olimpíada realizada: gastou menos que o esperado,
mostrou sua força, seu poder e encantou.
Longe do mínimo aceitável
Para a Olimpíada, nós, a imprensa, mais do que incensar gestores,
políticos e cartolas das confederações em trocas de benefícios,
deveríamos ter uma cobertura mais crítica, no sentido não só de apontar
problemas, mas apontar caminhos. Normalmente, em nossa cobertura, ou se é
alarmista e vira inimigo declarado do evento, ou se mostra apenas os
benefícios – não há moderação. Os poucos que se aventuram em fugir do
lugar-comum são vistos como uma espécie de “foras-da-lei”.
“Nunca antes na história deste país” o esporte e a educação receberam
tantos recursos e o que ganhamos? Caímos de posição nos quadros de
qualidade do ensino e nos de medalhas. Em Atenas, em 2004, com menos
dinheiro, fizemos mais. Segundo a revista Exame, “a campanha e a
preparação dos atletas brasileiros para Londres foi a maior e mais cara
de todos os tempos”.
Em educação, o que fazemos? Dizemos que temos mais gente em sala de
aula. Temos, sim, mas não estão a aprender, e sim, a fingir que aprendem
e os professores a fingir que ensinam, no eterno e conhecido pacto da
mediocridade. De 2005 a 2010, os gastos do governo com educação passaram
de 3,9% para 5,4% do PIB e devem atingir 7,0% do PIB em 2014. Contudo, a
qualidade do ensino médio decaiu no Distrito Federal e em nove estados
brasileiros, de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb) 2011, divulgado na terça-feira (14/8), pelo Ministério da
Educação (MEC). No exame Pisa (Program for International Student
Assessment) de 2009, a educação brasileira ficou em 53º lugar entre 65
países, atrás de Trinidad e Tobago. Os defensores do governo vão dizer
que temos melhorado no Pisa, e os dados até mostram isso. Contudo,
quando avançamos 10 passos o resto do mundo avança 9. E quando você está
com um nível muito baixo, qualquer melhora aparece mais. Mas, estamos
longe do mínimo aceitável.
Falta de planejamento
A Coreia do Sul é quem mais dá exemplos a serem seguidos tanto em
educação como nos esportes. Segundo o economista Ricardo Amorim escreveu
em recente artigo, “na Coreia, por exemplo, para cada R$ 1 que o
governo gasta com crianças de até 15 anos, ele gasta R$ 0,80 com aqueles
com mais de 65 anos. Como consequência, os coreanos são líderes em
qualidade de ensino e mais de 60% dos jovens coreanos chegam à
universidade. (...) No Brasil, para cada R$ 1 de gasto público com
crianças, são gastos R$ 10 com idosos. A Coreia escolheu investir no
futuro. O Brasil, no passado.” A Coreia ficou em 9º lugar em Atenas,
depois em 7º em Pequim, e agora ficou em 5º, em Londres. Eles investiram
em três excelentes centros de treinamento nos quais atletas com mais de
15 anos podem se dedicar em tempo integral ao esporte.
Nas escolas brasileiras, raramente os professores discutem qualidade no
ensino. Discutem salários, política salarial. Direitos. E os
resultados? Ficam de “dependência”. O ministro incompetente da Educação,
Fernando Haddad, que conseguiu ficar de dependência na realização do
Enem, foi premiado com a candidatura à prefeitura da cidade mais
importante do país. Bela punição...
Nos esportes, um ditador que se perpetua no Comitê Olímpico Brasileiro.
Carlos Arthur Nuzman não larga o osso. Ou melhor, fica com a carne,
pois o osso é o que sobra. Dizemos que conquistamos medalhas históricas
nessa e naquela modalidade, mas não dizemos que foram fruto de esforço
pessoal, e não de políticas públicas. Não dizemos que o esporte escolar
foi jogado às traças. Não se fala de gestão. Esse sim, o verdadeiro
gargalo. Falta de metas, de planejamento levado a sério.
Atletismo teve a pior campanha em 20 anos
Mas mesmo nosso ministro acaba de admitir isso em entrevista à BBC: “O
ministro do Esporte, Aldo Rebelo, admite que os investimentos do governo
brasileiro foram tardios em relação às metas do país para 2016″. O COB
recebe 2% de todos os recursos da Loteria Nacional. Desse total, 85%
ficam com o COB, 10% vão para o esporte escolar e 5%, ao universitário,
segundo dados do Ministério do Esporte. “Em relação à necessidade, é
pouco, mas em relação ao que tínhamos, é muito’, disse Aldo Rebelo à BBC
Brasil.
Em evento realizado na Comissão de Turismo e Esporte da Câmara dos
Deputados, em matéria do competente jornalista José Cruz ficamos sabendo
que “no contexto da formação e projeção de atletas, a representante do
Ministério da Educação, Clélia Brandão, deu a dimensão da realidade da
nossa precariedade em termos de políticas públicas para o setor: apenas
56,7% das escolas brasileiras têm uma quadra esportiva. Pior: dessas,
apenas 40,3% têm um professor de Educação Física à disposição dos
alunos!”
Não há planejamento, continuidade e, com algumas honrosas exceções de
algumas modalidades e atletas, o amadorismo impera em nosso esporte, com
exceção, é claro, no desvio de dinheiro público. Há anos o professor
Fernando Franco, do Centro de Estudos de Atletismo,denuncia nossa falta
de renovação, sempre apontando caminhos e os resultados falam por si. O
atletismo ficou sem medalha e teve a pior campanha em 20 anos. E para
quem não sabe, o atletismo é quem mais distribui medalhas. Só em Londres
foram, pasmem, 143! E estamos falando em um esporte que desde 2001
recebe aporte da Caixa e repasses da Lei Piva.
O esporte une e forma pessoas
À BBC Brasil, o conselheiro da Confederação Brasileira de Atletismo e
do clube BMF (o principal do país na modalidade), Miguel Arruda, afirmou
que “o investimento deveria ter acontecido antes. Já deveríamos ter
terminado Pequim olhando para a Olimpíada de 2016. (...) No atletismo, é
possível que tenhamos resultados piores (no Rio 2016) do que em
Londres. Os atletas que vão competir no Rio já estão em competições
nacionais e os resultados que estamos observando são ínfimos. (...) Na
minha opinião, não há tempo. 2016 já passou. Já perdemos o bonde no
atletismo”.
Dos sete campeões olímpicos dos EUA em provas individuais no atletismo
em Londres, cinco estudaram em universidades públicas. Apesar de os
americanos conseguirem contagiar instituições privadas, que também
investem (exemplo que deveríamos também perseguir), vemos como o esporte
universitário é importante no mundo e no Brasil temos nossos espaços
esportivos universitários dilapidados, abandonados e esquecidos.
Investir em esporte não deve excluir ou diminuir investimentos em
outras áreas como educação e saúde. Pelo contrário, essas áreas se
complementam e tem que ser criada uma coordenação para que andem juntas,
mas também independentes. E assim como em outros países do mundo, como
nos EUA, com a cobrança de resultados. E isso muito nos falta:
acompanhar os resultados dos investimentos. O aluno que começa a se
destacar no ensino básico americano em algum esporte tem que ter boas
notas na escola. O mesmo acontece nas universidades. Com isso, como a
formação é boa em sentido amplo. As empresas vão atrás dos atletas
promissores para investir neles.
A questão não é meramente ganhar medalhas, mas mostrar a
responsabilidade do Estado em relação ao esporte, área capaz de
interligar saúde (por motivos óbvios), segurança pública (quantos
projetos de esporte mostram isso, como o da ONG carioca Luta Pela Paz
(LPP), no Complexo da Maré, que utiliza o boxe e outras modalidades de
luta para desviar os adolescentes da rota da criminalidade); educação e
emprego (com todos os valores agregados, como responsabilidade,
disciplina, foco). O esporte une e forma pessoas e essa é uma das
medalhas que temos que colocar em nosso peito de ouro.
Por Marcos Linhares, jornalista, escritor e professor,
cobriu os Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, as Olimpíadas de
Atenas e Pequim e as Copas do Mundo da Alemanha e da África do Sul. É
autor de Nos bastidores do jornalismo esportivo.
Publicado originalmente no Observatório da Imprensa.
Redação Adnews
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