A Honda lançou o sedã City no México, onde o modelo tem preço inicial
equivalente a US$ 16 mil. O preço no Brasil convertido para a moeda
norte-americana: acima de US$ 30 mil. Ainda assim, brasileiros
adquiriram três vezes mais modelos da Honda no ano passado do que em
2010.
Parece, no entanto, que o apetite dos consumidores para comprar um automóvel ao preço de dois está acabando.
Custos em alta começam a ofuscar uma década de expansão do quarto maior
mercado automotivo do mundo e ressaltam a necessidade de ações de longo
prazo para aumento da competitividade. Em vez disso, as fabricantes
locais são alvo de medidas de apoio temporário do governo -- redução do
IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para alguns segmentos (prorrogada até 31 de outubro),
cotas para automóveis importados do parceiro México e sobretaxa para os
importados do restante do mundo -- que podem sufocar o crescimento
durante os próximos anos.
Quando a indústria começou a dar sinais de desaceleração no ano
passado, a presidente Dilma Rousseff correu em resgate, contendo
importações do México e implementando a taxação agressiva sobre carros
estrangeiros.
As medidas constituem as iniciativas mais protecionistas no mercado
automotivo brasileiro desde que ele abriu-se às importações há duas
décadas. E estão mudando a forma da indústria com resultados mistos.
A redução direcionada do IPI sobre automóveis impulsionou as vendas de
algumas marcas, enquanto outras congelaram planos de novas fábricas. A
pressão política coibiu demissões, mesmo em meio à queda da
produtividade.
E analistas dizem que essas políticas não resolverão o principal problema: está ficando mais difícil fabricar carro no Brasil a um preço com o qual brasileiros consigam arcar.
OS MAIORES CUSTOS DO MUNDO
Quão ruim é essa situação? Basta perguntar à estrela da recente
expansão. Em cinco anos, as vendas da fabricante francesa Renault
triplicaram no Brasil, onde ela está rapidamente se aproximando da
quarta posição no ranking de fabricantes de carros (mantida pela Ford).
Mas quando o presidente Olivier Murguet assumiu a companhia no Brasil,
este ano, foi surpreendido ao se deparar com custos acima daqueles com
os quais a Renault lida na França.
Durante a inauguração de uma estamparia no Paraná, no início deste mês,
Murguet disse que em breve as operações serão mais caras no Brasil do
que em qualquer outro lugar do mundo.
"Nossa empresa não pode suportar aumentos de custo dessa magnitude",
afirmou. "Se a gente não tivesse feito esses investimentos, talvez não
fossemos tão ousados agora", acrescentou, se referindo à ampliação de
participação no mercado.
Murguet está enfrentando o famoso "custo Brasil", resultante de
impostos, burocracia e uma inflação teimosa que eleva os preços de todos
os produtos.
A rígida legislação trabalhista e um mercado de trabalho apertado
levaram a uma elevação dos salários a taxas superiores a inflação nos
últimos sete anos. Apenas em 2011, sindicatos de metalúrgicos negociaram
um aumento de 10% no salário nominal.
Investimentos anêmicos em estradas também fizeram com que transportar
carros das fábricas para as concessionárias seja 80% mais caro e consuma
70% mais tempo na comparação com às operações da Renault na Europa,
segundo Murguet -- vale lembrar ainda que boa parte das operações no
Velho Continente é feita por transporte ferroviário, com custo inferior
ao rodoviário.
A partir do momento em que os veículos encontram-se nas
concessionárias, impostos são responsáveis por mais de 30% do preço pago
por consumidores brasileiros, quase o dobro da proporção registrada na
Itália -- o segundo mercado com mais tributos entre aqueles nos quais a
Renault opera.
Como resultado, Murguet disse que fabricantes têm dificuldade em
repassar os aumentos de custos para consumidores, mas também têm de
lidar com altos preços.
"Aqui, perdemos três a quatro pontos de competitividade todos os anos.
Isso não pode continuar muito tempo, porque um dia a margem termina em
zero", afirmou o executivo.
Os carros mais vendidos durante o período de IPI reduzido
Foto 1 de 20 - Volkswagen Gol: 90.941 unidades. Com redução, parte de R$ 24.291 (G4) e R$ 27.990 (G5)
Dados fechados da Fenabrave de maio à primeira quinzena de agosto de 2012 Mais Divulgação
COMPROMETIMENTO
A presidente Dilma tentou resolver diversos problemas estruturais do
Brasil, reduzindo as taxas de juros e incentivando o investimento
privado no setor de infraestrutura.
Mas quando empregos na indústria correm risco, ela enfrenta uma clara
pressão da base aliada do governo para manter os postos de trabalho em
linhas de produção de carros locais -- e para bloquear a entrada de
veículos fabricados no exterior.
Enquanto a competitividade da indústria automotiva brasileira
enfraquecia em 2011, ela atingiu um ponto de ruptura. As vendas de
veículos novos importados cresceram 30%, para quase um em quatro carros,
enquanto as vendas de veículos brasileiros estagnaram.
Consequentemente, a produção local de veículos corria o risco de ter
contração pela primeira vez em uma década.
Temendo uma onda de cortes de postos de trabalho, a resposta do governo
foi esmagadora. O Brasil elevou os impostos em 30 pontos percentuais
para uma série de carros importados. Quando isso se mostrou
insuficiente, uma medida emergencial em maio reduziu o IPI sobre
veículos fabricados no país -- a medida acaba de ser prorrogada até 31 de outubro.
A redução de impostos ajudou a conter as importações e funcionou como fagulha para as vendas de carros brasileiros (confira aqui quais foram os modelos mais vendidos do período). Só há um problema: demissões não são permitidas.
Isso inclui a General Motors, que decidiu fechar uma fábrica de modelos
antigos em São José dos Campos, no interior de São Paulo, e transferir a
nova produção para unidades mais eficientes.
Enquanto a GM se preparava para cortar mais de 1,8 mil empregos na
fábrica antiga, o sindicato local levou sua luta para as manchetes
nacionais. Trabalhadores bloquearam a BR 116, rodovia mais importante do
Brasil, queimando pneus e exigindo intervenção pela presidente.
"Nós damos incentivos fiscais e financeiros e queremos um retorno: a manutenção do emprego", disse Dilma naquele momento.
A GM abriu mão da decisão e aceitou manter a linha de produção da
unidade. Mas não é a única empresa a sacrificar eficiência em nome do
conceito de "emprego total".
PRODUTIVIDADE EM BAIXA
A produção por funcionário na indústria automobilística brasileira,
calculada com dados da associação das montadoras, a Anfavea, recuou no
ano passado pela primeira vez desde 1999. A produtividade caiu novamente
em 12% no primeiro semestre deste ano, para o menor patamar em oito
anos.
Mesmo com a ampliação da medida emergencial do IPI por mais dois meses,
analistas dizem que isso está apenas adiando inevitáveis cortes de
postos de trabalho.
"O corte do IPI é temporário. Este é o problema", disse o
vice-presidente sênior da GM, Marcos Munhoz, numa entrevista. "O que a
gente sempre procura não é três meses nem seis meses. O que a gente
procura é uma mudança estrutural."
Com a presença do presidente mundial, Akio Toyoda, a japonesa Toyota decidiu inaugurar produção do compacto Etios em Sorocaba (SP) e anunciar uma fábrica de motores nas proximidades, em Porto Feliz. Isso porque pode valer a pena transferir uma fração maior da cadeia de produção para o país, escolhendo lidar com o custo Brasil em vez de mais impostos.A coreana Hyundai também entra na briga, e no cálculo de custos menores, com a produção do novo compacto HB20 em Piracicaba (SP) e de uma família de derivados.
TUDO OU NADA
O benefício tributário pode ser breve, mas as barreiras comerciais
chegaram para ficar. Quando o governo apresentar detalhes do novo regime
automotivo, fontes do governo e da indústria dizem que ele direcionará o
mercado permanentemente em favor da produção local.
Os impostos serão maiores se menos de dois terços de um modelo forem fabricados no Brasil ou no Mercosul.
Para empresas que já têm fábricas locais, isso significa que pode valer
a pena transferir uma fração maior de sua cadeia de produção para o
país, escolhendo lidar com o custo Brasil em vez dos impostos
adicionais.
A Toyota, por exemplo, apresentou planos para uma fábrica de motores em Porto Feliz (SP), próxima à unidade de Sorocaba, recém-aberta.
Fabricantes mais estabelecidas, como a Fiat, a maior do Brasil em
termos de vendas, não devem enfrentar problemas com a nova lei, devido a
suas cadeias de produção de longa data.
Mas para rivais que ainda estão analisando as vantagens de estabelecer
sua primeira fábrica no Brasil, cotas de conteúdo local complicaram seu
planejamento.
A chinesa JAC Motors, a alemã BMW e a divisão Jaguar Land Rover da Tata
Motors suspenderam planos para fábricas no Brasil, enquanto aguardam
para ler as linhas miúdas.
Sem uma exceção para marcas que chegaram recentemente ao país, dizem as
empresas, elas não têm motivos para investir em linhas de produção
locais.
"Não iremos ao Brasil para ter prejuízo", disse o chefe de produção da
BMW, Frank-Peter Arndt, a jornalistas no começo deste ano durante
negociações com o governo.
A BMW afirmou estar considerando a possibilidade de estabelecer uma
nova fábrica no México, onde os impostos e os custos trabalhistas são
significativamente menores.
Para consumidores brasileiros, o resultado é óbvio: com menos
competição, os carros já custosos deverão ficar ainda mais caros, mesmo
com (e por) fração maior de sua composição fabricada no país.
FECHANDO PORTAS
Um sentimento de consumidor mais fraco e a concessão mais rígida de
crédito também fizeram com que as principais fabricantes que operam no
Brasil adiassem investimentos em novas capacidades.
Há anos, um acordo comercial com o México representou uma válvula de
escape para a produção brasileira caso o mercado doméstico
desacelerasse. Mas quando a importação de carros mexicanos começou a
superar as exportações para o México no ano passado, o governo Dilma
ameaçou descartar o acordo automotivo entre os dois países a menos que
fosse definida uma cota anual de importação.
O Brasil conseguiu o que queria com o México, mas então as relações
comerciais com a Argentina azedaram também. Como consequência, as opções
para as exportações brasileiras diminuíram justamente num momento em
que seu mercado doméstico enfrenta dificuldades.
"O Brasil começou com México e Argentina, e depois ficou feio", disse a
analista da indústria automotiva da MB Associados, Tereza Maria
Fernandez. "Na reviravolta, é o Brasil que vai tomar pancada." (Reportagem adicional de Alberto Alerigi, em São Paulo, e Irene Preisinger, em Munique, Alemanha)
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