sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ajuda protecionista e custos elevados podem sufocar indústria automotiva do Brasil


  A Honda lançou o sedã City no México, onde o modelo tem preço inicial equivalente a US$ 16 mil. O preço no Brasil convertido para a moeda norte-americana: acima de US$ 30 mil. Ainda assim, brasileiros adquiriram três vezes mais modelos da Honda no ano passado do que em 2010.


Parece, no entanto, que o apetite dos consumidores para comprar um automóvel ao preço de dois está acabando.
Custos em alta começam a ofuscar uma década de expansão do quarto maior mercado automotivo do mundo e ressaltam a necessidade de ações de longo prazo para aumento da competitividade. Em vez disso, as fabricantes locais são alvo de medidas de apoio temporário do governo -- redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para alguns segmentos (prorrogada até 31 de outubro), cotas para automóveis importados do parceiro México e sobretaxa para os importados do restante do mundo -- que podem sufocar o crescimento durante os próximos anos.
Quando a indústria começou a dar sinais de desaceleração no ano passado, a presidente Dilma Rousseff correu em resgate, contendo importações do México e implementando a taxação agressiva sobre carros estrangeiros.
As medidas constituem as iniciativas mais protecionistas no mercado automotivo brasileiro desde que ele abriu-se às importações há duas décadas. E estão mudando a forma da indústria com resultados mistos.
A redução direcionada do IPI sobre automóveis impulsionou as vendas de algumas marcas, enquanto outras congelaram planos de novas fábricas. A pressão política coibiu demissões, mesmo em meio à queda da produtividade.
E analistas dizem que essas políticas não resolverão o principal problema: está ficando mais difícil fabricar carro no Brasil a um preço com o qual brasileiros consigam arcar.

OS MAIORES CUSTOS DO MUNDO
Quão ruim é essa situação? Basta perguntar à estrela da recente expansão. Em cinco anos, as vendas da fabricante francesa Renault triplicaram no Brasil, onde ela está rapidamente se aproximando da quarta posição no ranking de fabricantes de carros (mantida pela Ford).

Mas quando o presidente Olivier Murguet assumiu a companhia no Brasil, este ano, foi surpreendido ao se deparar com custos acima daqueles com os quais a Renault lida na França.
Durante a inauguração de uma estamparia no Paraná, no início deste mês, Murguet disse que em breve as operações serão mais caras no Brasil do que em qualquer outro lugar do mundo.
"Nossa empresa não pode suportar aumentos de custo dessa magnitude", afirmou. "Se a gente não tivesse feito esses investimentos, talvez não fossemos tão ousados agora", acrescentou, se referindo à ampliação de participação no mercado.
Murguet está enfrentando o famoso "custo Brasil", resultante de impostos, burocracia e uma inflação teimosa que eleva os preços de todos os produtos.
A rígida legislação trabalhista e um mercado de trabalho apertado levaram a uma elevação dos salários a taxas superiores a inflação nos últimos sete anos. Apenas em 2011, sindicatos de metalúrgicos negociaram um aumento de 10% no salário nominal.
Investimentos anêmicos em estradas também fizeram com que transportar carros das fábricas para as concessionárias seja 80% mais caro e consuma 70% mais tempo na comparação com às operações da Renault na Europa, segundo Murguet -- vale lembrar ainda que boa parte das operações no Velho Continente é feita por transporte ferroviário, com custo inferior ao rodoviário.
A partir do momento em que os veículos encontram-se nas concessionárias, impostos são responsáveis por mais de 30% do preço pago por consumidores brasileiros, quase o dobro da proporção registrada na Itália -- o segundo mercado com mais tributos entre aqueles nos quais a Renault opera.
Como resultado, Murguet disse que fabricantes têm dificuldade em repassar os aumentos de custos para consumidores, mas também têm de lidar com altos preços.
"Aqui, perdemos três a quatro pontos de competitividade todos os anos. Isso não pode continuar muito tempo, porque um dia a margem termina em zero", afirmou o executivo.

Os carros mais vendidos durante o período de IPI reduzido

Foto 1 de 20 - Volkswagen Gol: 90.941 unidades. Com redução, parte de R$ 24.291 (G4) e R$ 27.990 (G5) 
Dados fechados da Fenabrave de maio à primeira quinzena de agosto de 2012 Mais Divulgação

COMPROMETIMENTO
A presidente Dilma tentou resolver diversos problemas estruturais do Brasil, reduzindo as taxas de juros e incentivando o investimento privado no setor de infraestrutura.

Mas quando empregos na indústria correm risco, ela enfrenta uma clara pressão da base aliada do governo para manter os postos de trabalho em linhas de produção de carros locais -- e para bloquear a entrada de veículos fabricados no exterior.
Enquanto a competitividade da indústria automotiva brasileira enfraquecia em 2011, ela atingiu um ponto de ruptura. As vendas de veículos novos importados cresceram 30%, para quase um em quatro carros, enquanto as vendas de veículos brasileiros estagnaram. Consequentemente, a produção local de veículos corria o risco de ter contração pela primeira vez em uma década.
Temendo uma onda de cortes de postos de trabalho, a resposta do governo foi esmagadora. O Brasil elevou os impostos em 30 pontos percentuais para uma série de carros importados. Quando isso se mostrou insuficiente, uma medida emergencial em maio reduziu o IPI sobre veículos fabricados no país -- a medida acaba de ser prorrogada até 31 de outubro.
A redução de impostos ajudou a conter as importações e funcionou como fagulha para as vendas de carros brasileiros (confira aqui quais foram os modelos mais vendidos do período). Só há um problema: demissões não são permitidas.
Isso inclui a General Motors, que decidiu fechar uma fábrica de modelos antigos em São José dos Campos, no interior de São Paulo, e transferir a nova produção para unidades mais eficientes.
Enquanto a GM se preparava para cortar mais de 1,8 mil empregos na fábrica antiga, o sindicato local levou sua luta para as manchetes nacionais. Trabalhadores bloquearam a BR 116, rodovia mais importante do Brasil, queimando pneus e exigindo intervenção pela presidente.
"Nós damos incentivos fiscais e financeiros e queremos um retorno: a manutenção do emprego", disse Dilma naquele momento.
A GM abriu mão da decisão e aceitou manter a linha de produção da unidade. Mas não é a única empresa a sacrificar eficiência em nome do conceito de "emprego total".

PRODUTIVIDADE EM BAIXA
A produção por funcionário na indústria automobilística brasileira, calculada com dados da associação das montadoras, a Anfavea, recuou no ano passado pela primeira vez desde 1999. A produtividade caiu novamente em 12% no primeiro semestre deste ano, para o menor patamar em oito anos.

Mesmo com a ampliação da medida emergencial do IPI por mais dois meses, analistas dizem que isso está apenas adiando inevitáveis cortes de postos de trabalho.
"O corte do IPI é temporário. Este é o problema", disse o vice-presidente sênior da GM, Marcos Munhoz, numa entrevista. "O que a gente sempre procura não é três meses nem seis meses. O que a gente procura é uma mudança estrutural."
  • Folhapress

    Com a presença do presidente mundial, Akio Toyoda, a japonesa Toyota decidiu inaugurar produção do compacto Etios em Sorocaba (SP) e anunciar uma fábrica de motores nas proximidades, em Porto Feliz. Isso porque pode valer a pena transferir uma fração maior da cadeia de produção para o país, escolhendo lidar com o custo Brasil em vez de mais impostos.

    A coreana Hyundai também entra na briga, e no cálculo de custos menores, com a produção do novo compacto HB20 em Piracicaba (SP) e de uma família de derivados.

  • Letícia Lovo/UOL
 


 

 

TUDO OU NADA
O benefício tributário pode ser breve, mas as barreiras comerciais chegaram para ficar. Quando o governo apresentar detalhes do novo regime automotivo, fontes do governo e da indústria dizem que ele direcionará o mercado permanentemente em favor da produção local.

Os impostos serão maiores se menos de dois terços de um modelo forem fabricados no Brasil ou no Mercosul.
Para empresas que já têm fábricas locais, isso significa que pode valer a pena transferir uma fração maior de sua cadeia de produção para o país, escolhendo lidar com o custo Brasil em vez dos impostos adicionais.
A Toyota, por exemplo, apresentou planos para uma fábrica de motores em Porto Feliz (SP), próxima à unidade de Sorocaba, recém-aberta.
Fabricantes mais estabelecidas, como a Fiat, a maior do Brasil em termos de vendas, não devem enfrentar problemas com a nova lei, devido a suas cadeias de produção de longa data.
Mas para rivais que ainda estão analisando as vantagens de estabelecer sua primeira fábrica no Brasil, cotas de conteúdo local complicaram seu planejamento.
A chinesa JAC Motors, a alemã BMW e a divisão Jaguar Land Rover da Tata Motors suspenderam planos para fábricas no Brasil, enquanto aguardam para ler as linhas miúdas.
Sem uma exceção para marcas que chegaram recentemente ao país, dizem as empresas, elas não têm motivos para investir em linhas de produção locais.
"Não iremos ao Brasil para ter prejuízo", disse o chefe de produção da BMW, Frank-Peter Arndt, a jornalistas no começo deste ano durante negociações com o governo.
A BMW afirmou estar considerando a possibilidade de estabelecer uma nova fábrica no México, onde os impostos e os custos trabalhistas são significativamente menores.
Para consumidores brasileiros, o resultado é óbvio: com menos competição, os carros já custosos deverão ficar ainda mais caros, mesmo com (e por) fração maior de sua composição fabricada no país.

FECHANDO PORTAS
Um sentimento de consumidor mais fraco e a concessão mais rígida de crédito também fizeram com que as principais fabricantes que operam no Brasil adiassem investimentos em novas capacidades.

Há anos, um acordo comercial com o México representou uma válvula de escape para a produção brasileira caso o mercado doméstico desacelerasse. Mas quando a importação de carros mexicanos começou a superar as exportações para o México no ano passado, o governo Dilma ameaçou descartar o acordo automotivo entre os dois países a menos que fosse definida uma cota anual de importação.
O Brasil conseguiu o que queria com o México, mas então as relações comerciais com a Argentina azedaram também. Como consequência, as opções para as exportações brasileiras diminuíram justamente num momento em que seu mercado doméstico enfrenta dificuldades.
"O Brasil começou com México e Argentina, e depois ficou feio", disse a analista da indústria automotiva da MB Associados, Tereza Maria Fernandez. "Na reviravolta, é o Brasil que vai tomar pancada." (Reportagem adicional de Alberto Alerigi, em São Paulo, e Irene Preisinger, em Munique, Alemanha)

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