Alta foi apurada pela Associação de Mutuários de São Paulo de janeiro a maio desse ano
SÃO PAULO - As queixas por atraso na entrega de imóveis na cidade de
São Paulo e região somaram 762 de janeiro a maio, um aumento de 23%
perante igual período de 2011, segundo dados da Associação de Mutuários
de São Paulo e Adjacências (Amspa). "Atendemos contratos de R$ 300 mil
até mais de R$ 1 milhão", afirma o presidente da Amspa, Marco Aurélio
Brito. Na cidade de São Paulo, ele conta, os problemas mais frequentes
estão localizados nas regiões leste e sul.
Jackeline Adiodato e Renato Marins, moradores da zona leste da
capital, aguardam a entrega de um apartamento de R$ 97 mil do
empreendimento Único, em Guarulhos. O imóvel, comprado da construtora
Cury, deveria ter sido entregue em maio, já considerada a tolerância de
180 dias além da data de conclusão prometida. Segundo eles, o imóvel já
tem Habite-se, mas por enquanto não há sinalização da construtora de
quando as chaves serão entregues.
Por enquanto, a solução é morar com a avó de Renato. Casados desde
novembro do ano passado, eles tiveram de improvisar e guardam os
presentes encaixotados enquanto o novo lar não fica pronto. "A empresa
não dá nenhuma informação. Nós estamos morando de "favor", conta
Jackeline.
O mesmo empreendimento, relatam compradores, teria impedido a
formação de uma comissão de moradores para fiscalizar o andamento das
obras - o procedimento é garantido por lei. "Todos os empreendimentos
que tiveram a comissão fiscalizadora não apresentaram problema com o
cronograma da obra ou com o tipos de materiais aplicados. É o material
descritivo que foi prometido contra o está chegando na obra", diz Brito,
da Amspa. "Isso é positivo para todo mundo, não há motivo para
proibir", afirma Carlos Del Mar, advogado do conselho jurídico do
Secovi-SP.
Procurada, a Cury disse que nenhuma comissão devidamente regulada foi
apresentada à empresa. A construtora admite que o prazo de entrega de
algumas unidades do empreendimento estourou seis meses. Diz ainda que já
entregou 65% dos apartamentos das Fases I e II do empreendimento e que
terminará o processo em 30 dias. A fase III, afirma, respeitará a
'folga' estipulada de 180 dias. Sobre a última fase, disse que os
moradores terão as chaves após a lavração do Habite-se. Ao todo, o Único
Guarulhos tem 2.380 mil unidades, com preço médio de R$ 130 mil.
Prejuízo
O empresário Marcus Tadeu também vive o problema de atraso na entrega
do imóvel. Ele comprou um apartamento da construtora PDG hoje avaliado
em R$ 711,8 mil na Vila Leopoldina, que deveria ter sido entregue em
maio do ano passado ou, se usada a tolerância de 180 dias, em novembro.
Após sucessivos atrasos, o imóvel ainda não tem entrada para automóveis.
"Passo todos os dias em frente, é o caminho para casa, e vejo que a
obra não está andando", afirma.
Tadeu vendeu seu antigo apartamento esperando que a nova aquisição
fosse entregue a tempo. Agora, ele precisa arcar com um aluguel de R$
2,2 mil enquanto a moradia não fica pronta. Sua empresa de informática,
localizada no mesmo bairro, virou uma espécie de depósito da mobília do
novo apartamento. Lá, ele guarda itens como uma TV e um fogão.
O empresário ainda suspeita que teve seu telefone e e-mail vazados
pela construtora. Desde que fechou o contrato, conta, foram inúmeras
ofertas de produtos relacionados ao lar, como de empresas de móveis
planejados. Há dois meses, uma dessas propagandas trazia todos os
e-mails dos compradores visíveis no corpo da mensagem. A partir daí, ele
entrou em contato com consumidores em situação semelhante à sua e,
agora, organizam reuniões para tentar encontrar orientações comuns aos
prejudicados.
O ponto em comum de reclamação dos consumidores é que falta diálogo
das empresas sobre o estado das obras. Não raro, eles contam, os prazos
não são informados "porque o engenheiro da obra não disse". "É preciso
deixar os prazos mais claros na cabeça do comprador", afirma Del Mar.
A PDG informa, em nota, que entregará os apartamentos do Vila
Leopoldina I a partir desse mês. A construtora ainda acrescenta que não
fornece dados dos clientes para terceiros.
Tolerância para a entrega
Prever, em contrato, uma tolerância de 180 dias para a entrega dos
imóveis é uma prática no mercado imobiliário. "É usada há séculos pelo
setor, para se prevenir de imprevistos comuns num processo de produção
de longo prazo", diz o advogado do conselho jurídico do Secovi -SP. O
boom do setor nos últimos anos, contudo, fez que esse recurso virasse o
padrão da indústria de construção civil. Del Mar reconhece que as
construtoras alongaram seus prazos com o aumento da demanda, mas
relativiza o problema. "Houve falta de mão de obra e de material. Todo
bem de produção de longo prazo está sujeito a atrasos".
Marcelo Tapai, advogado especialista em direito imobiliário, explica
que, durante a construção de um imóvel, a construtora recebe de 30% a
40% do valor total dos apartamentos. "De alguma forma ela tem de
refinanciar os 70% restantes, ou elas vão fazer o financiamento do
restante da obra no mercado financeiro. Se ela estiver com muita obra em
andamento, vai precisar de mais dinheiro". Com o salto na demanda, a
hipótese é que os atrasos possam ter travado o fluxo de caixa das
empresas.
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