A edição de terça-feira (10/7) do Estado de S. Paulo publica um
artigo do jornalista David Carr, do New York Times, com o título
“Jornais americanos demoram para reagir à crise”. Entre os exemplos de
consequências da crise econômica
sobre a qualidade jornalística, o texto aponta o caso de um diário da
Califórnia que publicou na primeira página o conteúdo de um blog que
havia sido postado duas semanas antes.
Outra referência é o fato de que alguns conteúdos de interesse
estritamente local, publicados em jornais importantes como Chicago
Tribune, Chicago Sun-Times, San Francisco Chronicle e Houston Chronicle
fora escritos nas Filipinas por jornalistas terceirizados.
O autor afirma que “entre fiascos operacionais e as fracassadas
tentativas de reduzir custos de uma hora para outra, está claro que o
negócio dos jornais impressos, que teme há 15 anos uma crise cada vez
mais próxima, luta para se manter na superfície”.
A frase tem conotações terríveis para a indústria dos jornais: se não há sinais de recuperação desde o advento da internet,
isso significa que a mídia tradicional tem poucos meios e tempo escasso
para reverter a situação, apesar de haver, conforme o artigo, “pessoas
inteligentes tentando inovar e uma grande quantidade de bom jornalismo
publicada todos os dias”.
Corte de empregos
Na opinião de David Carr, “a indústria dos jornais se mostra cada vez
mais parecida com a siderúrgica, a automobilística e a têxtil”. O texto
observa que mesmo o socorro recente de investidores, como Warren Buffet,
que comprou vários jornais, tem produzido pouco resultado prático,
porque ele adquiriu as operações jornalísticas mas deixou com o antigo
dono as obrigações com os planos de pensão, cujos custos ameaçam chegar a
um ponto insustentável.
Sabe-se que grandes grupos têm tentado demitir jornalistas
oferecendo-lhes participação em novos empreendimentos que envolvem
operações digitais, mas David Carr observa que muitos profissionais importantes rejeitam essas propostas por falta de garantia de receita.
O articulista repete o que tem sido dito neste Observatório: “a
tentativa de cortar gastos e buscar atalhos ignora um fato fundamental –
o jornalismo de qualidade, independentemente da plataforma, é a única proteção garantida contra a irrelevância”.
Observe-se agora a notícia publicada na sexta-feira (6/7), pelo portal
Comunique-se: “Folha, Band, iGeDiário do Grande ABC demitem
jornalistas”.
A reportagem, anunciada com uma frase que lembra o pássaro sombrio cujo
nome é impronunciável e que já devastou muitas redações, comenta ainda
que o Jornal da Tarde, do grupo Estado de S.Paulo, também demitiu vinte
jornalistas na semana anterior e pode deixar de circular aos domingos.
O Comunique-se afirma que pelo menos cinco jornalistas foram
dispensados da Folha, lembrando que desde o final de junho o jornal
cobra pelo acesso ao conteúdo produzido na versão online e que a direção
da Folha prometeu recentemente investir na melhoria da qualidade do
noticiário.
Como diz um comentário postado no pé da notícia do portal por uma
leitora chamada Francis França: “Alguém por favor me explica como
‘investir na melhoria da qualidade’ combina com cortes na redação?”
Qualidade jornalística
Este Observatório tem comentado, nos últimos dias, movimentos de
grandes empresas de comunicação no sentido de deslocar a produção
jornalística dos processos direcionados ao papel, para priorizar no
futuro próximo as plataformas digitais móveis (ver “O risco das mudanças nas redações” e “Mudança de plataforma e a audiência”).
É parte das convicções de muitos especialistas que o futuro pertence
aos tablets e outros aparelhos portáteis de pequenas dimensões, como os
smartphones. Também se sabe que as grandes empresas de tecnologia
digital estão investindo na criação de sistemas integrados entre esses
aparelhos móveis e a televisão inteligente, que irá funcionar como uma
central de comunicação e de monitoramento de equipamentos, tanto nos
escritórios como no ambiente doméstico. Portanto, é esperado para breve
um novo impacto tecnológico contra as mídias estáticas, como jornais e
revistas de papel e televisão unidirecional.
Diante da iminência de ter que produzir conteúdo multimídia que irá
rapidamente esvaziar o interesse por jornais e revistas tradicionais, as
redações deveriam estar imersas num processo de inovação, não no velho e
desgastante recurso dos cortes e demissões.
“Cortar gastos e buscar atalhos”, como afirma David Carr, não é a
melhor maneira de preservar a qualidade jornalística. Sem qualidade
jornalística, não há como uma empresa tradicional de comunicação se
destacar em meio aos milhares de novos concorrentes no ambiente digital.
Por Luciano Martins Costa - reproduzido do Observatório da Imprensa
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