Do total dos recursos aprovados em quatro anos para viabilizar projetos por meio da Lei Rouanet – um montante de R$ 20,3 bilhões –, apenas 26% foram captados
Em quatro anos, de 2007 a 2011, o Ministério da Cultura aprovou a
captação de R$ 20,3 bilhões para projetos culturais apresentados por
diferentes partes do País para receber os benefícios da Lei Rouanet.
Desse total, porém, apenas 26,56% conseguiram chegar, de fato, aos
responsáveis por colocar essas propostas em pé. Esses números fazem
parte do livro Panorama Setorial da Cultura Brasileira, de Gisele Jordão e Renata Allucci, lançado na semana passada.
O trabalho, um mapeamento da produção cultural no País, revela a
distância que existe entre a aprovação de uma proposta e a concretização
do projeto. Além da análise de números, entrevistas com mais de 500
profissionais municiaram as autoras. Segundo elas, alguns dos problemas
que envolvem o incentivo cultural são baixa profissionalização,
linguagens distintas (produtores, artistas e equipes de marketing não
falam o mesmo idioma na hora de discutir um projeto) e dificuldade de
acesso às empresas. Com tais descompassos, torna-se mais desafiador o
acerto entre as partes.
De acordo com Gisele, que também é
professora da ESPM, o cenário vem se transformando nos últimos anos:
pelo lado dos produtores a busca é exatamente pela profissionalização,
embora não se saiba muito bem que caminho tomar. Mas há outras questões
pela frente. “Um dos ideais que cultivo é que se comece entender a
cultura pelo bem estar que ela proporciona e não porque gera emprego, o
que também é importante”, observa. Na avaliação das autoras, a cultura
tem sido vista mais como meio, e não como fim. Para alguns
especialistas, esse posicionamento estreita as possibilidades de se
afinar os valores da marca com os propósitos do projeto abraçado.
No livro, que recebeu patrocínio da Vale e está disponível para download em http://panoramadacultura.com.br,
as visões de investimento cultural se diferenciam conforme o campo de
atuação do profissional de marketing. Gestores de empresas públicas, ao
patrocinar um projeto, colocam em primeiro plano o retorno social
(formar cidadãos, por exemplo). Executivos de grupos privados entendem
que a cultura se alia às estratégias de comunicação, melhora a
convivência com comunidades e valoriza a marca. Já os profissionais de
companhias híbridas (de caráter misto) acreditam que investir na área
vai além de fomentar a marca. Significa, como disse um dos
entrevistados, “investir na perspectiva de uma sociedade melhor”, desde
que o aporte e os cuidados com o projeto sejam feitos de modo adequado
em uma “ação cultural de interesse social e educacional importantes”.
Confira o depoimento de alguns players desse mercado a respeito da
dificuldade de captar recursos e também do cenário do marketing cultural
(a visão desses profissionais fazem parte da reportagem "À espera de uma marca", publicada na edição 1525 de Meio & Mensagem):
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Sharon, da Edelman Significa: o que mais se vê são casos em que os
projetos são apresentados com o discurso "você precisa me ajudar a
resolver meu problema"
Crédito: Divulgação
Sharon Hees, vice-presidente de atitude de marca da Edelman Significa
- “A cultura é uma ferramenta que pode abarcar um número significativo
de recursos. Mas aqui muitos dos investimentos se restrigem à Lei
Rouanet e a Lei do Audiovisual. No mundo inteiro, empresas separam em
seus orçamentos de marketing um quinhão para investir em cultura. No
Brasil, a lei de incentivo virou um vício. Aqui, as companhias trabalham
em cima de um recurso que não é dela. Decide-se o destino do
investimento sem muito comprometimento. Mas muitas empresas começaram a
perceber a relevância desse investimento. Elas se estruturam melhor e
buscam recursos complementares. Uma delas é a Petrobras. Outra é a
Natura. Montar a Natura Musical foi uma proposta de colocar a música
como meio de gerar experiências, de gerar bem estar bem. Ela usa a
música para isso. É importante também que as companhias entendam que se a
marca patrocina um projeto, tem de aplicar duas vezes mais (em média)
esse valor na ativação para potencializar o investimento feito. Sobre
recursos captados, muitos produtores culturais têm a visão que, ao
conseguir a aprovação, terá a captação. Na verdade, aí começa um novo
trabalho. É preciso garantir que o projeto seja do interesse da empresa e
tem de bater na porta certa. Não existe orçamento para todas as
propostas aprovadas. Na hora da captação, existem duas linguagens. Tem a
do executivo e tem a do produtor. Ele precisa se adequar. O que a gente
mais vê são casos em que os projetos são apresentados à empresa com o
discurso ‘você precisa me ajudar a resolver meu problema’. E deveria ser
o contrário. O produtor deveria mostrar que tem uma solução que pode
ajudar a empresa. Há um amadorismo grande, orçamentos e benefícios
inconsistentes e uma dificuldade de se desenvolver um pensamento do
ponto de vista do empresário.”
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Natura criou o Natura Musical, que existe há sete anos. Mas investe
recursos em outros projetos, caso de filmes como Xingu e A Música
Segundo Tom Jobim
Crédito: Natura/Divulgação
Karen Cavalcanti, gerente de marketing institucional da Natura - “O
patrocínio cultural é uma expressão de nossa essência. Nós o utilizamos
de forma estratégica. Usamos recurso incentivado, mas também usamos
capital próprio. O marketing cultural sempre envolve uma questão
financeira, afinal é um investimento caro. Mas para nós essa é uma área
estratégica. Temos de fato uma política cultural. Criamos a Natura
Musical, que existe há sete anos. Já são 170 projetos apoiados, com R$
57 milhões de investimentos. A gente escolheu o caminho música, em todos
seus estágios. Tem pesquisa, acervo, resgaste e até projetos como
Cidadão Instigado. Incluímos Milton Nascimento, Lenine, um filme sobre
Tom Jobim... Dessa forma, oferecemos um grande panorama. Temos um
propósito, que é buscar a brasilidade. Quando escolho esse propósito,
acabo deixando grandes coisas de fora. Outro pilar importante que temos é
a sustentabilidade, que vai desde o apoio a uma ONG até patrocínio de
um projeto como o filme Xingu. Nossa política cultural é mais ampla e
até se abre para outras plataformas, no campo do comportamento e da
atitude. Temos o projeto Fronteiras do Pensamento, que começou em Porto
Alegre e procura ampliar a conscientização sobre temas que provoquem
reflexão. Dentro do marketing institucional temos o Núcleo de Apoio com
Patrocínios. É ai que a gente define pilares e valores de investimento.
Fazemos diagnóstico do que aconteceu e fazemos um olhar para frente.
Temos critérios para aprovar projetos, editais com regulamentos
explícitos e comissão independente. Em 2012, nossos editais somam um
montante de R$ 6 milhões. Em 2011, praticamente dobramos o valor que
tínhamos para editais nacionais. Temos outros investimentos por seleção
direta.”
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Marcelo Jeneci viabilizou seu primeiro álbum pelo edital Natura
Musical, já tem acordo com a Som Livre, mas para o terceiro trabalho
deverá buscar apoio cultural
Crédito: Lena Castellón
Marcelo Jeneci, músico que teve seu projeto aprovado no Natura Musical em 2009, que resultou no álbum Feito Para Acabar (2010)
- “Tinha vários planos para lançar o álbum: plano A, B, inclusive o 'G'
de garagem. Quando me dei conta que necessitava de patrocínio,
sintetizei o projeto para apresentar para as empresas. Precisei de
ajuda. Conheci muita gente que desistiu por não saber a linguagem que
tem de ser usada. Muitos amigos desistiram e desistem. No meu caso,
escrevi o projeto com mais duas pessoas. Aí, enviamos para várias
empresas e editais. A Natura foi o último edital para o qual enviei o
projeto. Nem tinha botado muita fé. Aí, ficamos naquele estado de
espera. Achava que de alguma forma tinha de sair. Se não fosse aprovado,
ia viabilizar de alguma maneira. Ele foi aprovado no Natura Musical na
última semana de dezembro. Mas teve uma questão burocrática que a gente
teve de resolver. É um número que o Ministério da Cultura libera para
que você possa arrecadar o recurso. Ele demorou para sair. Quase
perdemos o prazo. O número saiu uma semana antes de vencer a data. Meu
segundo álbum vai sair pela Som Livre, que é algo que faz parte do
acordo que fizemos. Mas vou precisar com certeza de apoio para o
terceiro álbum. Se nesse próximo trabalho eu não tivesse o contrato com a
Som Livre, já estaria atrás disso. Sobre obter recursos, é difícil ter
um diálogo legal com as empresas. A Natura é a porta mais cuidadosa em
que bati. Normalmente, você tem de adequar sua ideia ao esquema do
projeto. Você muda algo da realização.”
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