Com o contínuo aumento de dimensões dos automóveis,
Foi só usarmos a expressão “sedãs compactos crescidos”, na notícia sobre a esperada volta do nome Santana
a um modelo da Volkswagen — um novo sedã a ser lançado este ano na
China e que deve se tornar brasileiro em 2014 —, para surgir uma
saudável discussão entre os leitores. Pode, afinal, um carro crescer sem
deixar de ser compacto? Esses modelos não se tornam simplesmente
automóveis médios?
Essa é mais uma das muitas armadilhas que o mercado de hoje tem para
nos pegar: a dificuldade de classificação dos carros em categorias. Em
outros tempos tudo era mais fácil, pois entre um Fusca, um Corcel II, um
Opala e um Galaxie havia uma escala natural em termos de tamanho,
espaço interno, cilindrada, padrão de conforto e, claro, preço. Tempos
que se foram e que — ao menos no que toca a essa tarefa de categorizar
os veículos — deixaram saudades. Hoje está bem mais complexo colocar
cada modelo em um segmento.
Veja o caso dos sedãs com os quais o novo Santana deverá concorrer,
como Chevrolet Cobalt, Nissan Versa e Renault Logan. Se a distância
entre eixos é um dos principais parâmetros para se classificar um sedã,
esses modelos — com 2,60 a 2,63 metros entre os centros das rodas —
colocam-se na mesma classe de Ford Focus e Toyota Corolla, que têm 2,64 e
2,60 m (na ordem) em tal dimensão. Certo? Claro que não, pois Focus e
Corolla são concorrentes de Cruze, Sentra e Fluence daquelas mesmas
marcas, embora estes meçam em torno de 2,70 m entre eixos.
Percebemos essa distinção por vários fatores, como largura (1,69 m no
Versa, 1,79 m no Sentra e 1,84 m no Focus, por exemplo), padrão de
equipamentos, cilindrada (1,0 ou 1,6 litro no Logan, 1,8 ou 2,0 litros
no Corolla) e, por último mas não menos importante, as faixas de preço
bem distantes nas quais eles atuam. No entanto, o tradicional critério
de entre-eixos e até a comparação de comprimentos podem levar a mau
julgamento, como ao observar que o Versa, desenhado para o mercado
norte-americano, mede apenas 1 cm a menos de ponta a ponta que o Focus
sedã — que não existiu lá nessa geração e tem as dimensões mais enxutas
apreciadas pelos europeus.
Se um Golf era médio-pequeno nos anos 70, assim continua, apesar de seu comprimento ter passado de 3,70 para 4,20 m e do entre-eixos ter crescido de 2,40 para 2,58 m da primeira para a sexta geração
Você duvida dessa diferença entre Europa e Estados Unidos? Basta
lembrar o Corolla da geração anterior, lançada aqui em 2002, que seguia o
modelo norte-americano, preferido em pesquisas porque suas formas
transmitiam a impressão de carro maior. Era, de fato, 17 centímetros
mais longo que a versão vendida aos europeus, mas sem aumento de espaço
interno ou mesmo de entre-eixos. Hoje o Corolla é o mesmo lá e cá, mas
no Japão usa uma carroceria diferenciada — e mais estreita, 1,69 m
contra 1,76 m da oferecida fora do país do Sol nascente.
Essa menor largura do Corolla japonês tem sua razão: o enquadramento
dos carros pelo governo nipônico leva em conta comprimento, largura,
altura e cilindrada. Um modelo com mais de 4,70 m, 1,70 m, 2,00 m ou 2,0
litros — na mesma ordem — deixa de ser um veículo compacto e passa a
recolher mais impostos, o que torna comum naquela indústria o uso de
larguras poucos milímetros abaixo de 1,70 m. Caso semelhante é o da
China, onde quatro metros são o limiar entre um carro pequeno e um da
categoria seguinte (A). É por isso que o novo Ford EcoSport foi
desenhado com um para-choque traseiro menos saliente, sendo o estepe
desconsiderado na medição oficial.
Nos EUA, volume interno
Nada disso importa nos EUA, onde a segmentação depende da soma dos
volumes úteis da cabine e do compartimento de bagagem: um carro
subcompacto tem de 85 a 99,9 pés cúbicos no total (2.407 a 2.831
litros); um compacto, de 100 a 109,9 pés cúbicos (2.832 a 3.114 litros);
um médio, de 110 a 119,9 pés cúbicos (3.115 a 3.397 litros); e um
grande, 120 pés cúbicos (3.398 litros) ou mais. No caso de diferentes
carrocerias no mesmo modelo, como hatch e sedã, aplica-se a média
aritmética, De tempos em tempos um carro muda de categoria ao ser
reformulado, como aconteceu com o Honda Accord na geração de 2008, que
passou de médio para grande pelos padrões de lá (o Ford Fusion, por
exemplo, é médio para eles).
Já na Europa, ao que se sabe, não existem parâmetros definidos, o que
leva as categorias a evoluírem junto aos próprios carros. Se um
Volkswagen Golf era descrito como médio-pequeno (o que os europeus
chamam de segmento M1) nos anos 70, assim continua, apesar de seu
comprimento ter passado de 3,70 para 4,20 m e do entre-eixos ter
crescido de 2,40 para 2,58 m da primeira para a sexta geração (novos
aumentos ocorrem com o lançamento do sétimo Golf,
agora em setembro). E o Audi 80, um médio-grande ou M2, passou de 4,39
m/2,54 m daquela época para os 4,70 m/2,81 m do atual A4, seu sucessor
direto, sem que a classificação do modelo tenha passado para grande.
Por que os carros aumentam tanto de dimensões com o tempo, a ponto de
um sedã pequeno de hoje ter medidas próximas às que o Audi médio-grande
apresentava ao ser lançado há 40 anos? Ainda não tenho uma resposta
precisa para isso, mas posso fazer algumas suposições.
Uma é o fato comprovado de que as pessoas estão mais altas, ou seja, a
estatura média de uma população tem crescido com o passar das gerações.
Outra é que depois de um ápice nos anos 80 ou 90, no qual o
aproveitamento de espaço dos automóveis chegou a seu ponto máximo, os
carros estão precisando crescer por fora para manter a acomodação interna das gerações anteriores.
A culpa é dos padrões de segurança passiva cada
vez mais rigorosos, seja pela legislação, seja pela exigência do
consumidor em mercados desenvolvidos, nos quais esse fator — avaliado
por institutos independentes em testes de colisão — é bastante divulgado
e considerado na escolha. Basta comparar um carro de projeto recente
com um de 10 anos atrás para constatar o quanto colunas, portas e
batentes ganharam espessura (e peso, sem dúvida) para resistir aos
impactos. A parte que não se vê, como o arranjo dos componentes
mecânicos e as áreas de deformação na frente, também requer cada vez
mais espaço.
E há um terceiro fator, ligado a questões de mercado, que me parece
explicar em parte a tendência de aumento. Ao redesenhar um modelo, o
fabricante tem interesse em oferecer mais espaço que na geração anterior
e que nos concorrentes já atuantes na categoria, o que leva ao
crescimento de dimensões. É claro que se cria aqui um ciclo que deixa os
automóveis cada vez maiores.
Essa tendência também conduziria o comprador fiel — aquele que
substitui o carro por outro novo do mesmo modelo — a subir gradualmente
de categoria, levando-o em 10 anos a ter um carro, digamos, 20
centímetros mais longo e 10 cm mais largo que o primeiro. Um carro que
provavelmente terá recebido mais equipamentos e motor mais potente e
custará um tanto mais do que custaria o original, mas que lhe parecerá o
sucessor natural do que ele dirigia. Talvez ele não se interessasse
pelo modelo se a fábrica o apresentasse como opção superior, sem vínculo
com o anterior.
Esse raciocínio, porém, permite exceções a mercados particulares como
o brasileiro, no qual os projetos ganham longa sobrevida e passam a
coexistir com as gerações subsequentes.
São clássicos os casos de modelos que, se no exterior representavam
uma evolução natural, aqui chegaram como carros de segmento superior: o
Chevrolet Kadett em relação ao Chevette, o primeiro Chevrolet Vectra em
comparação ao Monza, o VW Passat de 1995 (importado) diante do Santana e
até mesmo este em relação ao Passat nacional. E o primeiro Punto foi
sucessor do Uno na Europa, mas aqui a Fiat mantém Mille, Uno e duas
gerações do Palio em produção abaixo, em tamanho e preço, do Punto
atual.
Um efeito desse contínuo crescimento é que, depois de algumas
gerações, surge espaço na linha do fabricante para um carro inédito em
segmento inferior. Se a BMW talvez não quisesse ter um automóvel abaixo
do Série 3 décadas atrás, essa lacuna surgiu para o Série 1 depois que
aquele cresceu. O mesmo ocorreu lá fora para o Ford Ka em relação ao
Fiesta, o VW Up! diante do Polo e os Hondas Fit e City em relação ao
Civic. Afinal, o hoje grandão Accord media apenas 22 cm a mais que o
atual Fit (4,12 m) quando surgiu no Japão nos anos 70.
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