Crescimento do poder econômico da Classe C e possibilidade de consultas na web têm mudado a cara da propaganda no meio
Não é novidade que a nova classe média
brasileira e a expansão da internet nos lares — inclusive nas casas
desse público que hoje tem um poder de compra bem maior do que há alguns
anos — fez com que o varejo, setor que já vinha crescendo em conta da
estabilidade econômica e do aumento do crédito, aumentasse ainda mais
suas vendas. A web, aliás, virou um grande facilitador para os
consumidores, seja pelo também aumento do e-commerce, que nos últimos
tem crescido com taxas superiores de 20% ao ano, ou mesmo pela
facilidade de comparação dos preços.
Hoje, boa parte das pessoas sai de casa já
sabendo o que e onde comprar, o que também tem provocado mudanças na
forma dos varejistas se comunicarem. “Antes da compra online, os
critérios básicos para o sucesso de uma campanha de varejo eram atenção,
interesse, desejo e ação. Pós-web, passaram a ser atenção, interesse,
desejo, consulta, ação e disseminação”, comenta Reinaldo Lopes,
sócio-diretor da Escala, agência que desde os anos 70 criou uma
expertise no atendimento a clientes de varejo. “O varejista que não
estiver preocupado com consulta e disseminação está morto. Antes
falávamos em propaganda on e offline. Hoje é uma coisa só, onde o mundo
offline desperta atenção, interesse e desejo e, o online, a consulta e
disseminação. Cada macaco no seu galho, mas todos juntos”.
Segundo Lopes, o varejo exige senso de urgência,
enquanto a propaganda depende da sedução. “E é muito complicado unir
urgência e sedução em um trabalho. Se a agência pender muito para um
lado, perde do outro. Tem clientes que podem fazer isso. Veja as Casas
Bahia. Com suas tradicionais chamadas ‘gritadas’, eles perdem em
sedução, mas são compensados por trabalhar a urgência com uma capacidade
fantástica. Ou seja, acharam a relação custo-benefício de forma
correta”, diz.
O
publicitário diz que os 11 shoppings da Sonae Sierra Brasil são bons
exemplos onde a agência consegue unir urgência a sedução. “Temos duas
grandes liquidações anuais, que chamamos de Código Verde, que pedem
senso de urgência. E não é fácil associar um shopping, que é um ambiente
mais sofisticado, a uma liquidação. E temos conseguido fazer isso com
os nossos trabalhos”. Na última liquidação, em agosto passado, a Escala
transformou os consumidores em protagonistas da campanha, dando a eles a
chance de escolher por quais produtos queriam pagar menos.
Qualidade
Cco e coo da Publicis Brasil, Salles Chemistri
(agência especializada em varejo) e Publicis Dialog, Hugo Rodrigues
despontou para a publicidade criando para o varejo, especialmente para a
Chevrolet. “A propaganda de varejo de qualidade sempre vendeu e até
ganhou prêmios. O trabalho que fazemos há muitos anos para GM é prova
disso. A diferença é que mesmo nessa condição, antes ela era o patinho
feio da publicidade. Hoje é o cisne”, analisa.
O criativo diz que hoje as agências lutam
arduamente para conquistar clientes do setor, principalmente pela
evolução da internet. “O digital começou a ser mensurado. E a propaganda
de varejo sempre trabalhou com mensuração. E de forma prática: colocou
no ar e não encheu a loja no dia seguinte? Muda tudo!”. Rodrigues diz
que não existe segredo em criar para o meio. Baste ser direto. “Também
ajuda ter vivido por situações que a classe média passa, pois no
planejamento da comunicação é preciso estudar, observar e,
principalmente, respeitar as opções desses consumidores. Se você achar
que seu gosto pode prevalecer em um filme varejista, pode se dar muito
mal. Faço uma analogia com o cinema: nem sempre a maior bilheteria
condiz com o filme que é melhor recebido pela crítica” diz, alertando
para outra nuance: que a classe C quer ser informar e se instruir, mas
ainda tem vergonha de perguntar. “Mas comparam. Vão ao Buscapé (maior
site de comparação de preços do país) e pesquisam os preços. Hoje temos
uma 25 de março na tela”, diz, em alusão à rua mais movimentada do
comércio popular paulistano.
O publicitário também diz que é possível
construir marca no varejo, e não apenas vender. “A maior rede varejista
do mundo, o Walmart, foi construído com publicidade. A GM também é líder
em São Paulo, maior mercado da América Latina, também com o varejo”.
Diretor de inteligência de mercado da Y&R,
agência que detém a conta das Casas Bahia — anunciante líder em
investimento publicitário no Brasil —, Cesar Ortiz também diz que hoje a
propaganda para o meio está muito mais integrada com a construção de
marca do que com a “velha comunicação de preço, aliada à urgência”. “Não
se faz mais varejo sem mensagem alinhada com a marca. A era do ‘call to
action’ já passou”, diz.
Para ele, a comunicação tem que gerar desejo, e
não o senso de oportunidade. Até porque a tecnologia propicia que
existam outros meios para que o consumidor faça suas escolhas e pesquise
os preços. “Este fenômeno está fazendo até com que as empresas de
varejo mudem a maneira de distribuir suas verbas publicitárias. Estão
direcionando mais dinheiro para a propaganda institucional”, diz,
deixando claro que não está questionando a importância de comunicar o
preço em certas ocasiões. “É importante, claro. Desde que, repito,
alinhado ao DNA da marca. Quando um grande varejista como as Casas Bahia
anuncia um colchão com preço baixo, não quer dizer exatamente que é
para o consumidor sair de casa correndo para comprá-lo, mas sim que a
loja costuma ter produtos com melhores preços e prazos. Está sim
vendendo sua marca, não apenas um produto”, completa.
Contraponto
Nem
para todos a propaganda de varejo passa por seus melhores dia. Alcir
Gomes Leite, coo da DM9DDB, diz que as marcas continuam sim batendo nas
teclas “preço, prazo e condição de pagamento”. “E é algo que me incomoda
muito. O mercado evoluiu, o consumidor faz comparações e escolhe seus
produtos em 10 minutos, com alguns toques no teclado e sem se mexer da
cadeira, e muitos varejistas continuam a gritar em seus ouvidos”, diz.
Para Leite, este tipo de propaganda subestima o
crescimento e a capacidade de escolha dos consumidores. “Temos que
comunicar preço e prazo, mas não da forma ofensiva como é feita. O
varejo pode e deve ser planejado. A gestão de marca tem que ser levada
em conta. O varejo não é feira livre”, afirma, citando como contraponto o
trabalho realizado pela DM9 para a C&A. Um deles é a ação “Fashion
like”, que fez o processo inverso das campanhas integradas ao Facebook.
Ao invés da ação acontecer na rede social, foi realizada nas lojas
físicas, com mostradores digitais nos cabides contando o número de
“likes” que a marca recebe na mídia social. “E a C&A também é uma
rede voltada para a classe média, como tantas outras que estão mais
preocupadas em comunicar preço”.
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