No Brasil, o exemplo mais satisfatório e antigo de defensor do leitor está na Folha de S.Paulo,
o mais influente diário do país. Na Folha, o ombudsman surgiu em 1989 e
foi claramente inspirado nas experiências bem sucedidas do The
Washington Post e El País. De início, o aparecimento desse novo
personagem foi absorvido com desconfiança, já que mais parecia um lance
de marketing, dada a postura sempre autorreferente do jornal. Os anos
mostraram que a escalação de um profissional com boas credenciais
jornalísticas para o cargo era vital para a consolidação do modelo de
ouvidoria que se pretendia e para a fixação da credibilidade da função
crítica.
Em termos de longevidade e permanência, o ombudsman da Folha de
S.Paulo pode ser considerado uma referência não apenas brasileira, mas
latino-americana. Descontados alguns intervalos de semanas, a troca de
guarda se deu e, assim, o jornal vem há mais de vinte anos publicando
colunas semanais de autocrítica e sinalizando para a concorrência que
transparência pode ser um importante diferencial junto ao público
consumidor, na medida em que o aproxima da realidade da Redação.
Já ocuparam o cargo de ombudsman na Folha de S.Paulo os seguintes
jornalistas: Caio Túlio Costa (24/09/1989 a 22/09/1991), Mario Vitor
Santos (22/09/1991 a 19/09/1993), Junia Nogueira de Sá (26/09/1993 a
25/09/1994), Marcelo Leite (02/10/1994 a 05/01/1997), Mario Vitor Santos
(12/01/1997 a 28/12/1997), Renata Lo Prete (08/03/1998 a 09/03/2001),
Bernardo Ajzenberg (18/03/2001 a 07/03/2004), Marcelo Beraba (11/04/2004
a 01/04/2007), Mário Magalhães (08/04/2007 a 06/04/2008), Carlos
Eduardo Lins da Silva (27/04/2008 a 21/02/2010) e Suzana Singer
(25/04/2010 até hoje).
Pouca visibilidade
No espectro da mídia comercial, o caso da Folha de S.Paulo é positivo, mas tem poucos similares, sendo o do jornal O Povo,
de Fortaleza (CE), o mais notório. No jornal cearense, o ombudsman
surgiu em 1994 e doze profissionais já ocuparam a função, que tem ainda
como apoio um conselho consultivo de leitores. A experiência – menos
ruidosa que a do veículo paulista – é também digna de nota pela ousadia
de empreender uma atividade de crítica midiática numa região tão
controlada por grupos empresariais familiares e, por essa razão, tão
avessa à autocrítica.
Entre os veículos de comunicação não-comerciais, a figura do defensor
da audiência está nos seus primeiros passos. A TV Cultura, de São Paulo,
iniciou uma experiência pouco convicta em 2004, mas a função não parece
ter o respaldo de que precisa, já que neste ano circularam informações
de que o cargo seria extinto. A emissora apressou-se a negar o fim do ombudsman, mas até agora o posto está vago.
Administrada por uma fundação pública e mantida com recursos do governo
do estado de São Paulo, a TV Cultura sofre interferências políticas em
sua gestão e conteúdo, e não goza da transparência que a poderia
caracterizar como uma emissora de televisão pública. Seu modelo é o de
TV estatal, e setores organizados da sociedade paulista se articulam
para evitar um desmonte da empresa.
Um contraponto positivo é a TV Brasil, emissora criada no governo Lula e
que se pretende ser uma experiência de radiodifusão pública. Surgida a
partir da estrutura da Radiobrás, um sistema estatal de emissoras de
rádio e TV, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) prevê em lei a
existência de ouvidores desde 2008. Programas semanais em rádio e TV e
colunas na internet são produzidos principalmente para repercutir
queixas e sugestões do público.
Na TV Brasil, a ouvidora Regina Lima conta com três ouvidoras-adjuntas e está à frente do programa O público na TV. No sistema de rádio – que abrange oito emissoras, quatro AM, três FM e uma Ondas Curtas –, o programa Rádio em Debate é produzido por uma equipe supervisionada por Fernando Paulino Oliveira. Na Agência Brasil, uma coluna analisa a qualidade da cobertura da principal agência noticiosa da EBC.
Embora a autocrítica na EBC esteja em fase de consolidação, um fator
real pode fragilizar seu sucesso: a baixa audiência que seus veículos
têm junto ao público consumidor brasileiro. Com pouca visibilidade, a
experiência pode não surtir o efeito desejado, ficando confinada aos
profissionais da empresa.
Novos passos
Se jornalistas e produtores de conteúdo absorverem as críticas feitas
por ouvidores e públicos, e isso ajudar a melhorar a programação
veiculada, o esforço de implantação de um sistema de autocrítica terá
valido. Entretanto, se essa autocrítica transcender as paredes da EBC e
auxiliar o público a ser mais criterioso na escolha e exigente no
consumo, a iniciativa terá alcançado um objetivo social mais amplo, na
direção da educação para as mídias, da emancipação cidadã e da busca
pela excelência técnica. Se conseguir afetar jornalistas, produtores e
públicos, o sistema de ouvidoria da EBC também estará contribuindo para a
consolidação da figura do ombudsman no Brasil.
Embora o país conte com poucos mas insistentes empreendimentos do tipo,
não se pode dizer com firmeza que o ombudsman é um personagem fixado em
nossa paisagem. Quando isso acontecer, teremos avançado alguns passos
na evolução de nossa democracia e na complexa relação entre mídia e
sociedade.
***
Nenhum comentário:
Postar um comentário