O criador do movimento software
livre, Richard Stallman, participou nesta segunda-feira (4/6), no
Palácio Piratini, do lançamento da 13ª edição do Fórum Internacional
Software Livre, que será realizada de 25 a 28 de julho no Centro de
Eventos da PUC-RS, em Porto Alegre. Em um ato que contou com a presença
do governador Tarso Genro, Stallman falou sobre as crescentes ameaças à
liberdade na sociedade digital.
Em uma rápida intervenção no início da cerimônia, o governador gaúcho
disse que o movimento em defesa do software livre representa hoje “uma
das lutas mais importantes para recuperar a densidade da democracia que
hoje se encontra esvaziada”. Tarso agradeceu e destacou o empenho de
ativistas como Marcelo Branco em defesa da liberdade digital. “Quando eu
era ministro da Justiça, foi ele que me advertiu sobre a necessidade de
entrarmos no debate sobre o projeto restritivo e de censura que
tramitava então no Congresso Nacional. Conseguimos bloquear a votação
desse projeto e ajudamos a estimular um debate nacional sobre o tema.”
A fala de Richard Stallman foi marcada por graves advertências acerca
das crescentes restrições na internet. Para o criador do Projeto GNU,
iniciado em 1983 nos Estados Unidos, coisas muito sérias estão
acontecendo na sociedade digital. “A inclusão digital pode ser uma coisa
muito boa ou muito ruim. Depende de onde a sociedade será incluída. O
que vemos hoje é que a liberdade está sendo atacada de várias maneiras.
Talvez tenhamos que diminuir um pouco a nossa inclusão para preservar as
nossas liberdades”, sugeriu.
“O Estado não pode saber tudo sobre todos”
Após um período de euforia e liberdade, os usuários da internet devem
começar a se policiar, pois tudo o que fazem está sendo gravado e
classificado. A palavra “tudo”, aqui, não é força de expressão. É “tudo”
mesmo. Stallman citou os casos do Facebook, do Google e do Google
Analytics como exemplos de um sistema de vigilância que está sendo feito
em vários níveis. O mais perigoso, defendeu, é aquele controlado pelos
governos.
“Grandes empresas privadas como Amazon, Microsoft, Apple e grandes
empresas de telefonia também têm seus sistemas de vigilância. Nós
podemos controlar isso usando software livre, por exemplo. Mas quando se
trata de governos, a situação é mais complicada. Na Inglaterra, há um
sistema que diz onde está cada automóvel do país pelo controle da placa.
É algo que Stalin não teve, mas que gostaria de ter”, brincou.
Durante a sua fala, Stallman anunciou, em tom de lamento, que amanhã
(terça-feira) estará visitando a Argentina pela última vez em virtude de
um sistema de gravação das impressões digitais de todas as pessoas que
entram ou saem do país. “Será meu último voo para a Argentina. Algumas
coisas não podem ser toleradas. O Estado não pode saber tudo sobre
todos. A polícia secreta da União Soviética não tinha esse controle
sobre a vida das pessoas”, protestou o fundador da Free Software
Foundation, que acrescentou: “Numa sociedade livre, não pode ser fácil
para a polícia saber tudo sobre todas as pessoas. Se for fácil, então
não estaremos vivendo em uma sociedade livre.”
As ameaças à liberdade na internet
Stallman citou também como ameaça à liberdade a tentativa de censura na
internet em vários países, mas essa luta, segundo ele, parece que está
sendo vencida pela internet. “A censura existe muito antes do
computador, mas parece que a internet está ganhando da censura. Muitos
países têm tentado exercer a censura por meio de filtros e outros
mecanismos, mas não estão conseguindo.” Outra forma de controle,
apontou, é o uso de formatações sigilosas de dados para limitar o
acesso. “Essa prática vem sendo usada por empresas para barrar a
competição, com programas que restringem o acesso dos usuários. Vídeos
estão sendo distribuídos dessa forma, com formatos secretos, para que
não haja livre difusão.”
O ativista defendeu a necessidade de um maior engajamento político
nesta luta contra as ameaças à liberdade no contexto da chamada
sociedade digital. “Muitas pessoas não querem se envolver nos aspectos
políticos dessa luta, o que é um erro. Num certo sentido, precisamos
mais de ativistas do que de programadores hoje”, afirmou. Stallman
defendeu, por fim, que os governos e as agências governamentais passem a
usar prioritariamente softwares livres, o que não acontece hoje.
As ameaças sobre a liberdade na internet que pairam sobre o contexto
brasileiro foram tema de uma intervenção de Marcelo Branco, logo após a
fala de Stallman. Militante da causa da liberdade na internet há vários
anos, Marcelo Branco apontou um conjunto de problemas e ameaças que já
são reais no Brasil.
Internet vigiada
As empresas operadoras de telefonia, assinalou, representam hoje uma
ameaça à liberdade na internet, pois querem quebrar a neutralidade da
rede. Essa neutralidade significa que todas as informações que trafegam
na rede devem ser tratadas da mesma forma, navegando a mesma velocidade.
Trata-se de um princípio que garante o livre acesso a qualquer tipo de
informação na rede e impede, por exemplo, que as operadoras possam
“filtrar” o tráfego, definindo que tipo de dados pode andar mais ou
menos rápido. Para Marcelo Branco, a neutralidade na rede não precisa de
regulamentação. Ou ela existe, ou não existe. O grande risco, apontou, é
que essa regulamentação seja feita pela Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações) que seria “sensível” ao lobby das operadoras.
Em segundo lugar, Marcelo Branco apontou a indústria do copyright como
outra ameaça à liberdade na internet. “As empresas que compõem essa
indústria querem uma internet vigiada que criminalize o usuário.
Empresas como Google e Facebook podem ser nossas aliadas neste item,
mas, por outro lado, ameaçam a nossa privacidade.” Neste tema (do
copyright), o ativista criticou a atual gestão do Ministério da Cultura,
classificando-a como “reacionária e conservadora”.
A pressão pela criminalização na internet vem crescendo em vários
níveis. Marcelo Branco considerou um absurdo querer responsabilizar um
provedor por um eventual crime cometido por um usuário. “É como querer
responsabilizar uma operadora de celular por um crime cometido por um
bandido que utilizou o telefone durante o delito ou para praticar o
mesmo”. Ele também criticou a retirada de conteúdo de páginas da
internet sem mandado judicial. “Isso é inaceitável em um Estado
Democrático de Direito.”
Por fim, Marcelo Branco criticou a iniciativa do Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (INPI) de realizar uma consulta pública sobre
patenteamento de softwares. “Foi um vacilo do governo Dilma. Uma das
maiores lutas do movimento de software livre mundial, foi justamente
contra a implementação de patentes de software na Europa. Em 2005, a
Europa rejeitou a possibilidade do software ser patenteado. Patente de
software é uma ameaça à inovação, ao software livre e à liberdade do
conhecimento. O Brasil não pode seguir esse caminho”, defendeu.
Texto de Marco Aurélio Weissheimer tirado do Observatório da Imprensa.
Texto de Marco Aurélio Weissheimer tirado do Observatório da Imprensa.
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