quarta-feira, 11 de abril de 2012

Notícias sem memória nem história


Os dois maiores bancos públicos do país, Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF), seguindo orientação de Estado, anunciaram a redução das taxas de juros para crédito aos clientes, como é o caso do cheque especial e cartões de crédito. No BB, caem de 13,62% para 3% os juros no crédito rotativo do cartão; na CEF, os encargos no cheque especial caíram de 8,01% para 1,35% ao mês. Nas páginas de O Globo e da Folha de S. Paulo, no entanto, essa notícia de caráter histórico é tratada sem nenhum contexto, nem memória.


Para começar, nas reportagens analisadas, não há menção alguma aos lucros recordes do sistema financeiro, historicamente ancorados na espoliação de clientes (através de taxas de juros extorsivas), bem como no desvio da função primordial de um banco – que seria executar a intermediação financeira, estimulando a atividade produtiva na sociedade. Os banqueiros “se acostumaram” a especular e extorquir dinheiro dos clientes, seja através de juros abusivos ou pela cobrança indiscriminada das tarifas, que somadas às receitas de prestação de serviços cobrem em mais de 100% as despesas de pessoal. Nenhum infográfico, tabela ou informação que ajudasse o leitor a compreender o alcance da medida, caso a regulação dos bancos públicos seja eficaz e puxe o mercado à prática
desejada pela sociedade.

Febraban dispara antes…


No caso da Folha de S.Paulo, a primeira providência foi chamar o consultor Roberto Luis Troster, ex-economista
chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), que disparou em artigo (“Crédito a 2% ao mês? Não vai dar certo”):

“Isso é inviável. Lamentavelmente, da maneira que está sendo lutada, é uma batalha perdida. Não é por falta de boa vontade ou de capacidade dos envolvidos. Sem subsídios ou prejuízos, não é possível. Os grandes bancos no Brasil não conseguem emprestar ao consumidor nesse patamar de taxas. Basta analisar seus balanços e verificar que as margens almejadas seriam deficitárias.”


Para Troster, que agrega ao seu local de “fala” o fato de ser também ex-professor da PUC-SP, Mackenzie e USP, “existem, sim, alguns abusos, mas são localizados. Os dois bancos citados e a maioria das outras instituições não praticam esses abusos”. Como assim? E os lucros exorbitantes do sistema financeiro, incluindo os bancos públicos, foram gerados em cima de quê? Qual o impacto dos juros escorchantes e das apostas em títulos da dívida pública? Quando os bancos voltarão a cumprir o papel de banco, ou seja, praticar a intermediação financeira sem espoliar clientes e a sociedade?


As fontes mobilizadas pela reportagem de O Globo também não esboçam qualquer discussão sobre o modelo do sistema bancário no país, tampouco falam de seus lucros estratosféricos. Considerando os cinco maiores bancos, o lucro líquido somado chegou aos R$ 50,7 bilhões, em 2011. Os dados são do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos (“
DIEESE – Linha Bancários”). Também pudera, entre essas instituições (Banco do Brasil, CEF, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander), o índice de cobertura das despesas de pessoal com receitas de prestação de serviços e tarifas atinge 108,6% na CEF e chega ao máximo de 163,0%, no Santander.

Banqueiros querem “compensação”


Voltando à reportagem d’O Globo, o texto abre espaço para os banqueiros que naturalmente não apostam na medida:

“Os bancos privados avaliam que o spread (diferença entre o custo da captação e o valor cobrado do tomador final) somente cairá com a adoção de medidas de longo prazo, que melhorem as condições legais e tributárias e não apenas corte de juros ‘ na canetada’”.

Mesmo sem contextualizar o assunto adequadamente, a matéria de Geralda Doca tem o mérito de trazer informações de bastidores que deixam claro a estratégia da Febraban: pressionar o governo Dilma a adotar medidas compensatórias (no tocante às garantias e à redução de impostos cobrados dos bancos).

Ainda que seja promissora a aposta do governo federal, ao orientar os bancos públicos a praticarem taxas de juros mais baixas, é mister lembrar que uma taxa de juros de 1,35% (ao mês) no cheque especial (oferta da CEF) resulta num encargo anual de 17,45% enquanto a taxa básica de juros da economia (Selic) é de 9,75% – com tendência de fechar 2012 abaixo dos 9%, segundo indicações do Comitê de Política Monetária. No texto de O Globo, fontes em off fazem uma outra afirmação categórica: BB e CEF terão seus lucros reduzidos em R$ 2,5 bilhões por ano. A pergunta é: quem estaria ganhando? Os tomadores de crédito? A economia do país?

A necessidade da contextualização dos fatos é algo cada vez mais essencial ao jornalismo no alvorecer desse novo ecossistema midiático digital, marcado pela notícia em tempo real. Sem isso, os fatos parecem flutuar sem nexo na espiral de informações infinda que não para de veicular, a cada instante nos portais online. Deixar banqueiros (e seus modelos de negócios) “à sombra”, num debate dessa natureza, transforma a matéria-prima do jornalismo, em sua perspectiva de servir à sociedade, como brotos, à flora da terra…

Por Samuel Lima - reproduzido do Observatório da Imprensa

Nenhum comentário:

Postar um comentário