Não é o Dia D, mas o Nissan March invadiu a nossa praia
O campo de batalha dos compactos de entrada é forrado de chumbo grosso. Seus compradores não fazem prisioneiros: miram em economia (de compra, consumo e manutenção), potência, segurança, qualidade, conforto e status, e querem gastar o mínimo de munição por isso. Que os chineses estão de olho nesta trincheira, não é novidade. Agora, e se uma marca de escalão superior decidisse invadir esta praia, armada até os dentes e com cada movimento dos três comandantes do mercado – Gol, Uno e Celta – estudado? Este é o Nissan March. E como vocês verão nas próximas páginas, este soldado é um franco-atirador de primeira.
Em qualquer confronto – briga de escola, jogo de futebol, disputa de território –, o fator decisivo é conhecer bem o adversário. Uma vez com as referências, é possível saber as próprias limitações e vantagens, e traçar a melhor estratégia. Foi o que a Nissan fez, com uma pesquisa mundial que levou dois anos: determinou falhas e qualidades internas e anotou a demanda do público. O resultado é a plataforma de baixo custo que estruturou o novo March (o antigo nunca veio ao Brasil), batizada “V”, de versátil.
Estrategicamente, ele é muito importante para a Nissan daqui. O hatch representa uma nova fase da marca que, em junho, anunciou os planos de construção da segunda fábrica no país – ainda sem local defi nido, mas com volume declarado de 200 mil automóveis por ano – e que pretende dobrar a sua participação no mercado (hoje, está na média de 1,8%). Combatendo no território mais disputado, o March determinará as diretrizes do plano de expansão, e por esta importância, um erro pode custar caro às defesas.
À MODA DE COLIN CHAPMAN
A obsessão do mítico engenheiro da Lotus em reduzir o peso e simplifi car o projeto também apareceu no desenvolvimento do Nissan (aliás, alguém se lembra da homônima equipe March?). Se nos Fórmula 1 a ideia era obter mais desempenho, no compacto, o benefício aparece na economia de combustível e no menor custo de fabricação, refletido na etiqueta de preço. Ele possui 18% a menos de peças que o anterior e usa chapas mais finas, graças ao uso abundante de perfis frisados no monobloco – eles aumentam a resistência estrutural e permitem um calibre de espessura menor. Por aqui, o March irá usar o elástico 1.0 16V flex que equipa o Clio. A versão 1.6, que chegará em novembro, usa o motor da família HR, da família Nissan.
Apesar de simples, seu acabamento esbanja materiais de boa qualidade, isolamento acústico acima da média e alguns caprichos incomuns à categoria, como vocês verão no comparativo das páginas a seguir. Só que, antes de lançá-lo de para-quedas no campo de batalha, algo mais precisou ser repensado.
REFORMA NOS QUARTÉIS
A Nissan sabe que já cobrou muito por peças e mão de obra no passado, e a revisão a cada seis meses, embora segura, não era a coisa mais conveniente. Isso seria fatal para um compacto de entrada. Por isso, parte vital da estratégia do March para o Brasil foi repensar todo este tratamento – até porque será um perfil novo de comprador. “Nós fizemos um programa de treinamento tão intenso com os funcionários que foi quase uma lavagem cerebral”, brinca Tiago Castro, gerente de produto da marca. “Fizemos muitas negociações para chegar a preços fixos de revisão a cada dez mil km, e hoje, podemos dizer que temos os valores mais baixos entre os líderes do segmento, inclusive de peças”, continua.
Tudo isso soa bonito como um caça F-14 em rasante, mas não há nada melhor que o cheiro de Napalm ficando mais intenso no ar: estamos chegando à zona de conflito. Hora de vermos se o 1,2 milhão de km rodados em testes foi suficiente para o March enfrentar os veteranos do front.
4º Chevrolet Celta
GOSTAMOS
Dinâmica comunicativa, motor/câmbio, preço
Dinâmica comunicativa, motor/câmbio, preço
NÃO GOSTAMOS
Design datado, ergonomia, plásticos durosCONCLUSÃO
Recomendado aos Viciados em Carro“Vai sair com o Corvettão?” era a brincadeira que fazíamos na redação, ao recruta que fosse dar uma volta no Celta. Se você tem sede insaciável de diversão ao volante, mesmo que seja para pegar pão e levar os filhos à escola, ignore o resultado do comparativo: este é o carro para você. Nenhum outro hatch desta reportagem possui tempero mais ardido na hora de encher os cilindros, frear em cima das curvas e ser arremessado em trechos sinuosos. Ele tem dinâmica viva, comunicativa e, dos quatro, é o que possui a suspensão mais amarradinha, o trambulador mais rápido e o pedal de freio melhor calibrado e com menor curso. Está porta a porta com o Ka pelo título de custo-diversão.
Só que não estamos aqui procurando um Lotus Elise de baixo custo. Quem compra um compacto de entrada quer economia de compra, manutenção e consumo de combustível – nesses tópicos, o Celta se qualifica muito bem –, mas também busca conforto, espaço interno e porta-malas amplo, e o máximo de status pelo mínimo de moedas. É onde falta fôlego ao Corvette pigmeu em relação aos inimigos.
A mesma suspensão travadinha que te faz sorrir ao contornar uma alça de acesso deixa de ser tão legal quando o asfalto lembra um campo minado da Bósnia. A calibragem está dentro do aceitável, você vive bem a bordo dele, mas as batidas secas incomodam. Já no espaço interno, temos três situações: o motorista vai se sentir um piloto de caça ejetado, por causa da trágica decisão da GM em elevar a posição do assento do Celta de alguns anos para cá. Atrás, ele tem o melhor espaço interno para as pernas... mas o pior espaço vertical. Quem tem 1,80m vai dar com a cabeça no teto em qualquer lombada.
CUSTOS DE MANUTENÇÃO
Jogo de velas
R$47,00Pastilhas de freio dianteiras
R$159,16Filtro de ar
R$14,49Filtro de combustível
R$22,08Filtro de óleo
R$13,17Kit de embreagem
R$365,00Amortecedores (D), (T)
R$243,00 (D) / R$143,00 (T)Palhetas dianteiras
R$52,00Farol dianteiro esquerdo
R$321,41Lanterna traseira direita
R$195,00Para-choque traseiro
R$320,00Total
R$1.895,31E o acabamento? Bem, se a sua referência é o Celta que nasceu em 2000, dê uma passadinha na concessionária. O interior melhorou bastante: o cluster ficou esportivo, as forrações ganharam texturas interessantes e deram uma bela sobrevida a ele, ainda que – a exemplo do Uno – os plásticos sejam duros, sem aquele toque emborrachado. E tal como ele, o GM é mais orientado para o público jovem que o Gol e o March. É uma boa opção para quem não curtir o estilo moderninho do Fiat.
Agora, mesmo com as melhorias, não dá pra mentir a sua idade. O Celta já passou de uma década nesta guerra, e se este é um dos motivos para ele ter o conjunto dinâmico mais afiado, por outro é inegável que transpareça sua simplicidade frente ao trio. Mas se você gosta dele, não deixe de leválo por causa do projeto Ônix (que ainda demorará ao menos mais um ano) – além de ter preço em conta e um sólido valor de revenda, ele continuará em linha quando o novo compacto da GM chegar.
3º Fiat Uno
GOSTAMOS
Custo de manutenção, consumo, estiloNÃO GOSTAMOS
Plásticos duros, preço de alguns opcionaisCONCLUSÃO
Para quem quer um compacto de visual coolO Uno é um revolucionário no campo de batalha. Ele democratizou o conceito do carro-estilo customizável, trazendo para o povo o gostinho de gadget da Apple que era exclusivo a Mini, Smart e afins. Ele continua com o lado bom da antiga botinha ortopédica, lançada em 1984: seu conjunto mecânico é robusto como um tanque M1 Abrams, a visibilidade traseira e o consumo são excelentes e o custo de manutenção é o segundo mais baixo do comparativo.
Só que ele aprendeu com o seu maior rival – o Gol – algumas estratégias de batalha desaconselhadas pela ONU dos economistas: quer para-choques na cor do carro? Pague R$ 294 extras pelo kit Young. Ar condicionado e direção hidráulica? Saque mais 17,2% do valor do carro básico, ou R$ 4.924. Alguém vai falar no pacote Celebration 5, que traz isso e mais outros acessórios por R$ 4.520. Mas não me parece justo ter de levar um batalhão de coisas se eu quiser apenas um ar mais fresco e conveniência na hora de manobrá- lo em uma vaga.
Se você não se esquentar com isso, vai se divertir com as possibilidades de customização do carrinho. Parece bobagem, mas vá ao site da Fiat e brinque com o configurador de acessórios: é tentador. O Centro Estilo da Fiat fez um trabalho nota dez – preste atenção nos Uno circulando por aí. É muito difícil ver um igual ao outro. Aliás, a tendência é do cliente torrar uma boa grana em acessórios, porque eles não são caros pelo benefício visual.
CUSTOS DE MANUTENÇÃO
Jogo de velas
R$50,56Pastilhas de freio dianteiras
R$113,00Filtro de ar
R$30,00Filtro de combustível
R$13,22Filtro de óleo
R$17,48Kit de embreagem
R$318,44Amortecedores (D), (T)
R$302,00 (D) / R$212,00 (T)Palhetas dianteiras
R$50,63Farol dianteiro esquerdo
R$315,00Lanterna traseira direita
R$132,91Para-choque traseiro
R$224,00Total
R$1.779,24Apesar de ele ter o menor entre-eixos do comparativo, o banco traseiro não deve nada para ninguém: quem é mais alto vai gostar do espaço vertical, e não irá incomodar o passageiro da frente com joelhadas – a não ser que você tenha a altura de um Boeing B-52. E não se deixe enganar pelo corte reto da traseira: o seu porta-malas é o segundo maior dos recrutas avaliados.
Com uma saída de frente honesta e comunicativa, o Uno é divertido de ser arremessado em curvas sinuosas, ainda que o câmbio não seja a melhor referência em velocidade de engates e o volante fique um pouco alto. Estes detalhes de ergonomia, combinados ao excesso de plásticos duros e falta de tecidos no acabamento, o deixam atrás de seu arqui-inimigo.
Mas no fundo, apesar de ele disputar a liderança do mercado com o Gol (em agosto, apenas 2.256 unidades o separaram do VW), o Uno fala para soldados diferentes. O Fiat é alegre, mais moderninho e descompromissado. O Volks faz a linha séria, formal. Mas, já que os dois não são exatamente baratos, na hora em que jogamos fora a parte de estilo e nos focamos apenas no automóvel, entendemos por que o Gol é sempre o veterano a ser batido.
2º Volkswagen Gol
GOSTAMOS
Acabamento, dinâmica, ergonomia, statusNÃO GOSTAMOS
Custo de opcionais e de manutençãoCONCLUSÃO
Para quem tem tempo ($) sobrandoTodo mundo quer ser o Gol. Todos os hatches cobiçam sua qualidade de materiais (a melhor daqui), a ergonomia impecavelmente germânica, a precisão do câmbio MQ200 e, acima de tudo, a posição de líder da categoria – foram 200 mil unidades vendidas só neste ano. Se você quer um ar mais refinado (por dentro e por fora), e não se importa em torrar uma grana a mais, leve o VW para a sua garagem. Como carro, ele é o melhor.
Mas quanto que ele pede por isso, mesmo? Fora o salgado valor básico de R$ 30.380, se você quiser o Volks equipado com ar condicionado e direção hidráulica, terá de desembolsar, no mínimo, R$ 4.940. E freios ABS? Só se os air bags vierem junto, por mais 2.310 reais. Se você está assustado, nem olhe para a tabela de peças – proteja o para-choque traseiro com sua vida! Ou seja, se o Celta sonha em ser um Lotus Elise, o Gol acha que vai ter um Porsche como vizinho na sua garagem.
A convicção é tanta que, de fato, ele acaba flertando com o segmento superior. A bordo do Gol, você se sente em um carro mais sofisticado que os rivais, principalmente se ele vier equipado com o volante multifuncional, que equipa até o Passat (o carro que avaliamos tinha a peça básica – básica demais, por sinal). Saídas de ventilação amplas, acabamentos em prata, plásticos emborrachados de arquitetura e texturas refinadas, mais um cluster pra lá de elegante, garantem um pacote perigosamente atraente. A carroceria não fica atrás, com o vinco na linha de cintura à la BMW, frente baixa e faróis afilados – o oposto do estilo “olha como sou bonitinho, me leva pra casa!” do Uno e March.
CUSTOS DE MANUTENÇÃO
Jogo de velas
R$51,00Pastilhas de freio dianteiras
R$187,00Filtro de ar
R$18,17Filtro de combustível
R$29,90Filtro de óleo
R$29,90Kit de embreagem
R$502,00Amortecedores (D), (T)
R$179,66 (D) / R$230,00 (T)Palhetas dianteiras
R$56,54Farol dianteiro esquerdo
R$340,00Lanterna traseira direita
R$177,07Para-choque traseiro
R$768,78Total
R$2.570,02E, como em todo carro de origem alemã, a posição de dirigir e a calibragem de suspensão são excelentes: tudo à mão, sem esforço. A única coisa que incomoda um pouco são os batuques abafados que você ouve quando a suspensão se estende até o fim do curso, em piso ruim ou ao passar por uma lombada. É uma característica de projeto que está em outros carros da linha, do Fox ao Jetta. Nas curvas, ele não é tão divertido nem retoma velocidade como o Celta (apesar de fazer os mesmos 9,8 km/l de consumo médio), mas faz um trabalho muito bom e comunicativo.
Aos passageiros de trás, ele oferece bastante conforto: por trazer o maior entreeixos dos quatro, o Volks tem um encosto um pouco mais reclinado, algo que faz diferença em viagens mais longas – bem como o maior porta-malas, com 285 litros.
Em resumo, o Gol é aquele soldado veterano que lidera o batalhão, vai ao front e bota ordem na casa. Consciente de suas capacidades, não tem o menor pudor em cobrar muito por isso – só que um soldado novato chegou arrebentando, e pode levar à VW a repensar sua estratégia de combate.
1º Nissan March
GOSTAMOS
Conforto, acabamento, consumo/desempenhoNÃO GOSTAMOS
Design carente de personalidade, porta-malasCONCLUSÃO
Uma ameaça real aos veteranos de guerraCoronel Kurtz, quem esse recruta pensa que é? Ele acelerou mais, bebeu menos, oferece dois anos a mais de garantia que os rivais, custa menos, traz mais equipamentos (o principal diferencial é o air bag duplo de série) e suas peças são mais baratas. O novato é um franco atirador insubordinado às regras tradicionais do jogo, que chegou ao campo de batalha conhecendo cada detalhe do terreno.
Algo que deve tirar o sono dos velhos de guerra é que, contrariando a tropa vermelha que desembarcou em nossos portos recentemente, o March chega transpirando qualidade de engenharia e acabamento. O motivo é simples: o carro é novo, o segmento é novo para a marca por aqui, só que a Nissan é veterana – e veio de um front mais exigente em qualidade de materiais, conforto e mimos em geral.
Isso aparece em detalhes aparentemente simples: você fecha a porta e o ruído é denso e abafado, como em um sedã de luxo – ele é o único da reportagem com borrachas duplas de vedação. O isolamento acústico é mais caprichado. Até a fechadura do porta-malas possui acabamento e o acionamento das setas é amortecido, coisas que só vemos em carros de R$ 40 mil para cima, e, às vezes, nem isso. O espaço para os passageiros de trás lembra o Gol, mas o porta-malas está mais para Celta.
E como é dirigir o March? A sensação é parecida com a do Volks: ergonomia impecável e uma suspensão bem equilibrada entre o conforto e o controle de carroceria nas curvas. É bastante silenciosa, sem batidas secas, e gera muito mais aderência do que aparenta. Falta só um pouquinho mais de comunicação da direção elétrica. O câmbio possui relações longas, que melhoram o consumo (e tiram um pouco do fôlego nas retomadas), mas o trambulador, apesar de preciso, poderia ser mais ágil – há um pequeno caroço no momento do engate que não precisaria estar ali.
CUSTOS DE MANUTENÇÃO
Jogo de velas
R$46,92Pastilhas de freio dianteiras
R$82,04Filtro de ar
R$14,49Filtro de combustível
R$10,98Filtro de óleo
R$14,52Kit de embreagem
R$317,87Amortecedores (D), (T)
R$121,13 (D) / R$92,37 (T)Palhetas dianteiras
R$69,00Farol dianteiro esquerdo
R$250,03Lanterna traseira direita
R$129,98Para-choque traseiro
R$219,07Total
R$1.368,40Agora, o grande pecado do recruta japonês é o seu uniforme. Talvez ele pudesse ser menos sincero no visual e um pouco mais pretensioso: ao contrário do Gol e do Uno, as linhas do March transparecem que ele é um carro de entrada racional e calculista – principalmente a traseira. Não que ele não tenha seus charmes: teto com defletor aerodinâmico embutido, cromo na grade, vinco na parte inferior das laterais, uma enorme bocarra no para-choque...
Bem, ignore as calotas saltadas para fora. Mas na soma do conjunto, falta provocação aos olhos: mesmo sendo novidade, ele passa despercebido como um caça stealth.
Outro tropeço é a falta de ABS, mesmo como opcional: o equipamento ainda está sob desenvolvimento, e deverá chegar somente no ano que vem. Ao menos, a calibragem do pedal de freio permite excelente modulação, mesmo no limite da aderência. Quer saber? No seco pelo menos, não fez falta alguma.
O March leva este conflito inicial. Mas lembre-se que, mesmo vindo de uma marca consolidada, sua compra não é um porto à prova de bombas. Por ser um produto novo, não se sabe qual será o seu valor de revenda, boa parte das peças de reposição vem do México e sua rede de concessionárias não é tão grande quanto à dos rivais: dependendo da cidade, você pode correr o risco de ficar na mão de apenas uma autorizada. Por outro lado, o reforço – a segunda fábrica no Brasil – está vindo a cavalo, e mostra que a Nissan não está de brincadeira, o que também explica a estratégia agressiva de preços e garantia. Mantenha este recruta no radar.
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