O raciocínio é química pura: junte os elementos certos no mesmo espaço e eles vão reagir uns com os outros de forma espontânea, gerando novos produtos, quiçá algo revolucionário.
É essa mentalidade que move o Festival de Cultura Digital.Br, que acontece no Rio de sexta a domingo (2 a 4/12).
Em sua terceira edição, a primeira fora de São Paulo, o evento pretende reunir uma tribo criativa, idealista e que entende (ou pelo menos gosta muito) de tecnologia para trocar ideias, criar projetos e se divertir, tendo como pano de fundo a ambição de mudar a sociedade.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Os organizadores esperam reproduzir, em um cenário real, aberto e com acesso livre e gratuito (os jardins do Museu de Arte Moderna do Rio), o mesmo ambiente de criatividade e interatividade fervilhante dos fóruns, blogs e sites de trocas da internet.
"A ideia é mostrar como pode funcionar um laboratório experimental de cultura digital, que é um ambiente propício à inovação", diz Rodrigo Savazoni, 31, diretor-geral do festival.
É um cenário criado para que as coisas aconteçam "de forma espontânea", mas a escolha dos elementos participantes mostra uma clara preocupação com a dimensão política das transformações tecnológicas atuais.
Boa parte dos 83 projetos, oficinas e performances selecionados a partir de uma chamada pública, que teve 358 inscritos, trata de transparência de dados, inclusão digital, softwares e trocas livres.
EM DEFESA DO P2P
Os palestrantes convidados também estão afinados com a mentalidade do festival. Dentre eles destaca-se o belga Michel Bauwens, criador da P2P Foundation e teórico das trocas peer-to-peer.
Pela primeira vez no país, ele defende a importância de eventos como o Cultura Digital.Br. "Esses encontros são vitais. Uma vez que você conhece as pessoas cara a cara, cria uma outra relação com elas", diz à Folha por telefone, da Tailândia, onde vive.
"Foi assim que tivemos o Occupy Wall Street, a interação entre as pessoas fez tudo mudar. Temos de combinar esses movimentos emergentes com alternativas construtivas, e é disso que trata o P2P: viver de outro modo."
MOMENTO DE TENSÃO
Bauwens sabe, porém, que as relações entre as corporações tradicionais e as trocas livres da internet são tensas, como mostram projetos feito o Sopa (Lei para Parar com a Pirataria On-line, em inglês), proposto nos EUA.
"O 'mainstream' vê que suas velhas regras não se aplicam mais e não aceita isso. Então ataca em duas frentes: cria leis repressivas e influencia a tecnologia para minimizar a liberdade dos usuários."
Ao mesmo tempo, como reação a isso, ele vê ativistas da cultura livre se organizando para defender seus interesses, seja em eventos como o festival brasileiro, seja em organizações políticas formais.
"Um exemplo é o Partido Pirata, que surgiu a partir da comunidade sueca de troca de arquivos e acabou de ganhar uma cadeira no parlamento alemão, com a maioria dos votos de jovens entre 18 e 35 anos", afirma.
Bruno Fernandes/Divulgação | ||
Ativistas do Transparência Hacker pintam o 'ônibus hacker', com o qual pretendem passar por pequenas cidades |
CARAVANA HACKER
Dentre os diversos projetos que participam do Festival Cultura Digital.Br, um dos que pretende levar mais longe --literalmente-- a filosofia do evento é o "ônibus hacker".
Criação do coletivo Transparência Hacker, o ônibus surgiu a partir da vontade do grupo de levar a pequenas cidades fora do eixo Rio-SP novas formas de participação política por meio da internet.
Para conseguir o veículo, apostaram no financiamento coletivo (usando o site Catarse.me ) e arrecadaram até mais do que os R$ 40 mil necessários para comprar e reformar um "busão" usado.
Agora, uma trupe de 30 pessoas embarca em São Paulo na próxima quinta para a viagem inaugural, rumo ao festival, no Rio.
"A ideia é parar com o ônibus no MAM, abrir umas tendas em volta dele e, a partir daí, fazer uma programação emergente", diz Daniela Silva, uma das integrantes do grupo.
O objetivo é que o ônibus seja um embrião de projetos, aproveitando a experiência dos tripulantes (programadores, designers, jornalistas) e a interação com a população para criar ferramentas para ações políticas.
MINISTÉRIO DA CULTURA
"O Brasil ganhou uma reputação de país onde a cultura livre está florescendo, e isso vem desde que Gilberto Gil era ministro. Mas houve uma espécie de contrarrevolução conduzida pela nova ministra da Cultura, que parece ser mais favorável aos monopólios do copyright."
É assim que o belga Michel Bauwens, criador da P2P Foundation e um dos palestrantes convidados do Festival Cultura Digital.Br, apresenta a atual discussão política sobre as ações do Ministério da Cultura em torno da internet e do direito autoral.
Seu ponto de vista coincide com o do festival -que foi autorizado a captar cerca de R$ 1,2 milhão via Lei Rouanet- e com o dos ativistas da rede em geral.
Todos reagiram ouriçados quando a ministra Ana de Hollanda travou o andamento do projeto de reforma da lei dos direitos autorais, que já havia sido enviado à Casa Civil após quatro anos de discussão e uma consulta pública na internet que recebeu mais de 8.000 contribuições.
A ministra afirmou que pretendia analisar melhor a nova proposta de lei, mas sua decisão foi vista pelos detratores como um recuo em favor das grandes corporações donas de direitos autorais (gravadoras, estúdios de cinema, editoras etc.).
A isso se somou a retirada do selo do Creative Commons, que permitia o uso livre do conteúdo do site do ministério, e a posição contra a fiscalização estatal do Ecad, que recolhe e distribui os direitos de todas as músicas executadas no país.
A Folha procurou o Ministério da Cultura para comentar as acusações, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
Com relação à reforma da lei do direito autoral, a ministra disse à "Ilustrada", na semana passada, que já há "um consenso sobre uma proposta", atualmente na Casa Civil.
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