Andrew Keen esteve no Brasil, semana passada [retrasada], para divulgar
seu novo livro, #vertigemdigital, publicado pela Zahar. Ele é um dos
mais conhecidos algozes da internet. Em seu primeiro livro, O Culto do
Amador, também publicado pela Zahar, Keen defendia que a cultura contra o
trabalho de profissionais que existia na rede poderia causar danos
graves à sociedade. Seu inimigo do momento são as redes sociais. A tese
que defende é a de que estamos abrindo mão de nossa privacidade sem
sequer nos darmos conta das consequências que virão.
Privacidade é daquelas coisas que, intuitivamente, nos parecem
importantes. Mas todos temos dificuldade de explicar por quê. Não
bastasse, privacidade é coisa fluida. Quando um finlandês pergunta ao
outro qual seu salário, ele ouve uma resposta de pronto. Ninguém vê
motivo para ser discreto. Numa praia árabe, as áreas entre homens e
mulheres são separadas por paredes, e mesmo na ala feminina elas se
cobrem todas. Alemães vão à sauna mista nus sem que qualquer conotação
sexual exista. Os mesmos alemães se insurgiram quando o Google decidiu
publicar, no Street View do seu sistema de mapas, fotos das ruas que
incluem, naturalmente, as fachadas das casas. Foto da casa vista da rua,
por lá, é coisa privada.
O que é privado e o que é público varia de cultura para cultura, mas em
todas existe privacidade. Charles Fried, um jurista de origem tcheca
que foi advogado-geral dos EUA [correspondente a ministro da Justiça]
durante o governo de Ronald Reagan, tem talvez a melhor definição.
Privacidade é o que define nossas relações. Os graus de intimidade que
temos com as pessoas. Com aqueles mais próximos de nós, compartilhamos
detalhes os mais íntimos. A partir daí, vamos impondo discretas
barreiras entre nós e amigos de escola, colegas de trabalho, parceiros
de pelada. Nossa capacidade de gerenciar a informação sobre nós que os
outros têm define como convivemos em sociedade. Privacidade é importante
por isso. Porque se nossa vida é um livro aberto, nada nos protege do
mundo lá fora.
Privacidade redefinida
Não é que Keen estivesse errado em sua crítica ao culto do amador, no
primeiro livro. Estava certo. Mas, se a ameaça existiu, ela se desfez
com o próprio avanço tecnológico. Música não era cobrada, com a loja
iTunes da Apple artistas voltaram a receber pela venda de suas obras.
Livros eletrônicos revelam uns poucos novos autores profissionais e a
massa amadora continua no vácuo, quase nunca sendo lida. Inúmeras
revistas tradicionais estão vendendo, e bem, edições eletrônicas para o
tablet, caso da americana New Yorker e da britânica The Economist. A
ameaça de um mundo no qual produção profissional deixaria de ser
remunerada num mar de amadorismo não parece que vai se concretizar.
Não é que Keen esteja errado quando aponta o risco da ausência de
privacidade. Seu argumento é bem construído. Como ele próprio diz, estar
ausente do Facebook não é uma opção para um número grande de pessoas.
Quando todos seus amigos estão na rede social, sua ausência é um
afastamento dos laços sociais. Quanto mais jovem o usuário, maior a
pressão. Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, não é o único no Vale
do Silício que repete o mantra: a privacidade acabou, só você que não
viu. Só que não é totalmente verdade e Zuckerberg é a prova disso.
Quando decidiu se casar, ninguém soube até o dia em que ele próprio
achou por bem tornar público. Busque na internet: de que músicas ele
gosta? De que livros? Em que restaurante costuma jantar? Com que amigos
bebe cerveja ou vinho quando é sábado?
A maioria dos empresários do Vale do Silício são pessoas reservadas.
Talvez seja fácil encontrar suas casas, quase todas em Palo Alto, no
Google Maps. Vez por outra sai por aí a foto de um deixando o Whole
Foods com uma sacola de verduras frescas. Mas a turma de Hollywood, uns
quilômetros ao Sul, parece ser mais evidência de que a privacidade está
em risco do que os inventores das novas tecnologias. E, no caso de
Hollywood, aquela privacidade está sob ameaça desde que há cinema. Há
riscos sim, e concretos, para nossa privacidade. O mais provável, no
entanto, é que privacidade será redefinida. Como? Excelente pergunta.
Texto de Pedro Doria tirado do Observatório da Imprensa
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