Os jornais de quinta-feira (5/7) tentam cumprir uma das tarefas
mais desafiadoras da imprensa escrita: descrever o significado de um
acontecimento de grande efeito emocional que mobiliza milhões de
pessoas. A conquista
inédita da Copa Libertadores, para a maior torcida paulista, calculada
em cerca de 30 milhões de pessoas, é um desses eventos que extrapolam,
mas não dispensam, os números e as métricas com que os editores de
esportes costumam ilustrar as partidas de futebol desde o advento da
computação gráfica.
Ao longo da semana, repórteres de toda a mídia de circulação nacional
tentaram definir o sentimento que brotava das multidões que normalmente
se aglomeram nas ruas centrais da capital paulista, e bastava a presença
de um cinegrafista ou um fotógrafo para se reproduzirem as cenas
típicas das arquibancadas.
O resultado foi um desfile de lugares-comuns, no rádio e na televisão,
enquanto os jornais repetiam as frases de efeito de técnicos, jogadores e
torcedores. Não foi possível observar nenhum grande destaque em
criatividade ou inovação capaz de surpreender o público. E não seria por
falta de material.
Sem dono
O comportamento das pessoas, na quarta-feira, dia do jogo, oferecia uma
enorme variedade de sentimentos. Nas repartições públicas, muitos
funcionários, impossibilitados de vestir o uniforme de seu time
favorito, exibiam botões e medalhas pregados à roupa ou pendurados ao
pescoço. Praticamente não havia outro assunto nas conversas que se podia
ouvir em público.
Nas redes sociais, da mesma forma, parecia não haver outro acontecimento que valesse a pena em toda a face da Terra.
O clima de suspense e excitação dominou a capital paulista até às 22
horas, quando o jogo começou. As ruas estava vazias, a cidade estava
imersa em silêncio, a não ser pelo espocar nervoso dos fogos. Um
estrangeiro que desembarcasse naquele momento teria uma ideia
completamente avessa do que é a rotina da maior cidade da América do
Sul.
Corte. Na manhã de quinta-feira, as pessoas se aglomeram diante das
bancas de jornais para confirmar o que aconteceu na noite anterior. Nos
textos, o melhor que pode fazer o jornalismo impresso: a descrição
pormenorizada das jogadas, os retratos dos heróis da jornada, as
análises das estratégias.
Mas o acontecimento parece vazar do papel, tal sua fluidez e
intensidade. Talvez tenha sido essa a percepção experimentada pelo
filósofo polonês Zygmunt Bauman ao propor a ideia de que estamos vivendo
uma “modernidade líquida”: é nas mídias digitais
que se derrama e se expande indefinidamente o significado que a
linguagem humana e as linguagens técnicas podem dar a um evento como
esse.
Foi através dos meios hospedados na internet
que os jornalistas mais se aproximaram do que se passava no estádio e
nas ruas. Mas aí já era um jornalismo sem dono, no qual a opinião do
comentarista se misturava ao entendimento do leitor comum amante de
futebol.
Eterno retorno
Nunca antes aquele time havia conquistado o torneio continental. E
também não tinha ocorrido, nas edições anteriores da disputa, um uso tão
amplo das mídias sociais por parte da imprensa, que agora edita seus
conteúdos em plataformas diferenciadas, cobrindo os fatos com uma gama
muito mais ampla de recursos.
O rádio, a televisão e o papel continuam, cada um, cumprindo suas
funções no limite das possibilidades tecnológicas. Os recursos da
internet estão disponíveis desde 1994, ano em que os jornalistas usaram
pela primeira vez a rede de computadores para transmitir um grande
evento esportivo, a Copa do Mundo nos Estados Unidos.
Mas é no uso integrado de múltiplas plataformas que a imprensa parece
ter alcançado seu limite. No raiar da manhã de quinta-feira, 5 de julho,
quando o barulho dos rojões ainda se ouve na capital paulista, pode-se
concluir que uma experiência coletiva como essa já não pode ser relatada
satisfatoriamente com as imagens da TV, por mais que se repitam nas
telas, com a narração do rádio ou as letras no papel. O advento das
mídias digitais consolida a experimentação plena e repetida das emoções,
disponível para quando o indivíduo demandar.
Na manhã de quinta-feira, os leitores aglomerados nas bancas de jornais
cumprem um ritual diferente daquele proporcionado tradicionalmente pela
mídia: o de se informar.
Trata-se agora do eterno retorno. Depois de ver o espetáculo na TV,
eventualmente com o reforço da narração mais emocionada no rádio, o
corintiano vai ler a descrição das jogadas no jornal e confirmar a
realização de um sonho: sim, seu time é finalmente campeão da América.
Por Luciano Martins Costa - reproduzido do Observatório da Imprensa
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