quinta-feira, 5 de julho de 2012

No limite do jornalismo



Os jornais de quinta-feira (5/7) tentam cumprir uma das tarefas mais desafiadoras da imprensa escrita: descrever o significado de um acontecimento de grande efeito emocional que mobiliza milhões de pessoas. A conquista inédita da Copa Libertadores, para a maior torcida paulista, calculada em cerca de 30 milhões de pessoas, é um desses eventos que extrapolam, mas não dispensam, os números e as métricas com que os editores de esportes costumam ilustrar as partidas de futebol desde o advento da computação gráfica.

Ao longo da semana, repórteres de toda a mídia de circulação nacional tentaram definir o sentimento que brotava das multidões que normalmente se aglomeram nas ruas centrais da capital paulista, e bastava a presença de um cinegrafista ou um fotógrafo para se reproduzirem as cenas típicas das arquibancadas.

O resultado foi um desfile de lugares-comuns, no rádio e na televisão, enquanto os jornais repetiam as frases de efeito de técnicos, jogadores e torcedores. Não foi possível observar nenhum grande destaque em criatividade ou inovação capaz de surpreender o público. E não seria por falta de material.

Sem dono

O comportamento das pessoas, na quarta-feira, dia do jogo, oferecia uma enorme variedade de sentimentos. Nas repartições públicas, muitos funcionários, impossibilitados de vestir o uniforme de seu time favorito, exibiam botões e medalhas pregados à roupa ou pendurados ao pescoço. Praticamente não havia outro assunto nas conversas que se podia ouvir em público.

Nas redes sociais, da mesma forma, parecia não haver outro acontecimento que valesse a pena em toda a face da Terra.

O clima de suspense e excitação dominou a capital paulista até às 22 horas, quando o jogo começou. As ruas estava vazias, a cidade estava imersa em silêncio, a não ser pelo espocar nervoso dos fogos. Um estrangeiro que desembarcasse naquele momento teria uma ideia completamente avessa do que é a rotina da maior cidade da América do Sul.

Corte. Na manhã de quinta-feira, as pessoas se aglomeram diante das bancas de jornais para confirmar o que aconteceu na noite anterior. Nos textos, o melhor que pode fazer o jornalismo impresso: a descrição pormenorizada das jogadas, os retratos dos heróis da jornada, as análises das estratégias.

Mas o acontecimento parece vazar do papel, tal sua fluidez e intensidade. Talvez tenha sido essa a percepção experimentada pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman ao propor a ideia de que estamos vivendo uma “modernidade líquida”: é nas mídias digitais que se derrama e se expande indefinidamente o significado que a linguagem humana e as linguagens técnicas podem dar a um evento como esse.

Foi através dos meios hospedados na internet que os jornalistas mais se aproximaram do que se passava no estádio e nas ruas. Mas aí já era um jornalismo sem dono, no qual a opinião do comentarista se misturava ao entendimento do leitor comum amante de futebol.

Eterno retorno

Nunca antes aquele time havia conquistado o torneio continental. E também não tinha ocorrido, nas edições anteriores da disputa, um uso tão amplo das mídias sociais por parte da imprensa, que agora edita seus conteúdos em plataformas diferenciadas, cobrindo os fatos com uma gama muito mais ampla de recursos.

O rádio, a televisão e o papel continuam, cada um, cumprindo suas funções no limite das possibilidades tecnológicas. Os recursos da internet estão disponíveis desde 1994, ano em que os jornalistas usaram pela primeira vez a rede de computadores para transmitir um grande evento esportivo, a Copa do Mundo nos Estados Unidos.

Mas é no uso integrado de múltiplas plataformas que a imprensa parece ter alcançado seu limite. No raiar da manhã de quinta-feira, 5 de julho, quando o barulho dos rojões ainda se ouve na capital paulista, pode-se concluir que uma experiência coletiva como essa já não pode ser relatada satisfatoriamente com as imagens da TV, por mais que se repitam nas telas, com a narração do rádio ou as letras no papel. O advento das mídias digitais consolida a experimentação plena e repetida das emoções, disponível para quando o indivíduo demandar.

Na manhã de quinta-feira, os leitores aglomerados nas bancas de jornais cumprem um ritual diferente daquele proporcionado tradicionalmente pela mídia: o de se informar.

Trata-se agora do eterno retorno. Depois de ver o espetáculo na TV, eventualmente com o reforço da narração mais emocionada no rádio, o corintiano vai ler a descrição das jogadas no jornal e confirmar a realização de um sonho: sim, seu time é finalmente campeão da América.

Por Luciano Martins Costa - reproduzido do Observatório da Imprensa

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