Os fundadores da W+K e da BBH falam das peças que mais detestaram e de como a indústria pode fazer um trabalho melhor
Duas lendas da publicidade, Dan Wieden, fundador da Wieden+Kennedy, e
John Hegarty, fundador e diretor global de criação da BBH, estiveram
reunidas durante seminário no Cannes Lions nesta sexta-feira (22) para
um diálogo franco sobre campanhas de sucesso de suas agências. O
encontro foi para celebrar os 30 anos dedicados à publicidade dos
profissionais, que em 1982 montaram suas agências – a W+K em Portland
(EUA), para atender a Nike, e a BBH em Londres, dedicada à Audi.
Sem abafar críticas, Hegarty e Wieden falaram sobre como agências
podem reinventar seu trabalho e de como a execução, o storytelling e a
seleção criteriosa do que é relevante transformaram suas empresas, até
hoje independentes, em algumas das mais premiadas do mundo. Nem a ultra
aclamada “The man your man could smell like”, da W+K Portland para
divulgar a marca Old Spice da P&G, vencedora do Grand Prix de Film
Lions em 2010, foi poupada das observações afiadas e cômicas de Hegarty.
“Sabe quando algo é bom, mas você simplesmente detesta? A primeira vez
que vi aquilo eu odiei, mas foi pior quando soube que a Wieden é quem
havia criado. Em uma semana, estavam todos falando sobre ‘o cara do Old
Spice’, o que me fez perguntar à minha equipe: ‘como estão as peças de
Axe? Façam melhor!”, contou Hegarty, provocando uma onda de gargalhadas
no Teatro Débussy.
O segredo para o sucesso da série de filmes com o ex-jogador de
futebol americano Isaiah Mustafa, na visão dos criativos, foi a execução
e a coragem do cliente em apostar no inusitado. “A produção foi
genial”, retratou-se Hegarty. “O trabalho foi para uma marca
conservadora, mas você, agência, precisa trazer o cliente para projetos
assim”, defendeu Wieden.
O fundador da W+K também falou sobre o comercial “Earl and tiger”
para a Nike, com o jogador de golf Tiger Woods, produzido logo após a
divulgação de um escândalo sexual envolvendo o golfista. O filme, em
preto e branco, mostra o atleta olhando diretamente para a câmera com a
voz de seu pai ao fundo, pedindo que ele refletisse sobre sua vida. “Foi
um trabalho realmente controverso, tanto para a Nike quanto para o
público em geral. Mas em pouco tempo cruzou continentes”.
De acordo com Wieden, grande parte do sucesso do trabalho deveu-se à
Nike. “Quando começamos a trabalhar juntos, a marca disse que não
acreditava na publicidade tradicional e sempre pediu que fizéssemos
trabalhos inusitados. No começo, diziam: não queremos que uma mesma peça
seja veiculada mais de uma vez. Não enviamos uma mesma carta para as
pessoas duas vezes”. Hegarty complementou dizendo que a coragem do
cliente em dizer sim para as ideias permitem a criação de peças
lendárias.
Outro filme da W+K para a P&G, “Best job”, para as Olimpíadas de
Londres e que homenageia as mães, não escapou da análise bem-humorada do
fundador da BBH. O filme mostra a história de quatro mães, na China, no
Brasil, nos Estados Unidos e na Inglaterra, acompanhando a saga de seus
filhos para tornarem-se atletas olímpicos. ”Se eu tivesse lido o
roteiro desse filme, eu teria vomitado”, disparou Hegarty de forma
cômica. No entanto, destacou, a execução transformou o filme em uma peça
memorável. “A direção foi crucial. Costumo dizer que publicidade é 80%
acerca de ideia e 80% execução”. Wieden falou do poder do storytelling,
mas que é necessário rigor na hora de construir um roteiro com forte
apelo emocional. “Você precisa pesar se as emoções são realmente
relevantes”.
Wieden também falou de como a competição na indústria de publicidade
ajuda a manter um alto padrão de qualidade. “Uma das coisas
interessantes do nosso negócio é que competimos com amigos e, quando
eles estão desenvolvendo um ótimo trabalho, nossos clientes também estão
observando aquilo e podem de repente abrir uma concorrência para
contratá-los no lugar de nós. Isso adiciona um peso enorme ao nosso
trabalho, mas ao mesmo tende a elevar a qualidade do que fazemos”.
Também foram exibidos comerciais elaborados pela BBH, como o filme
“It gets better”, para o Google Chrome; a campanha “Champagne”, criada
para a Xbox; e um filme antigo para a Audi, primeiro cliente da BBH; e a
tão falada “Three little pigs”, recentemente lançada pelo The Guardian.
Wieden observou que a peça desenvolvida para o Google, que falava do
relacionamento gay, transformou uma marca “dura” ao humanizá-la.
Após a exibição dos filmes da BBH, Hegarty falou sobre a essência das
peças. “Elas não tentam estar no mundo da publicidade, tentam buscar
verdades humanas. E isso é para o que deveríamos estar olhando. Todas
essas peças encontraram uma verdade humana, que torna-se tão mais
poderosa que as verdades publicitárias que levantamos em nosso mundinho
engraçado”.
Questionado sobre como a indústria da publicidade poderia ser melhor,
Hegarty respondeu de forma curta e direta: “Façam melhor a porcaria do
trabalho”, disse. Wieden complementou dizendo que as agências precisam
ser mais honestas sobre como criam. “Elas precisam perguntar-se: ‘qual o
fator emocional do que estamos fazendo? Como ter uma conversa
provocadora com nossos clientes? E os clientes também precisam
questionar-se sobre o que têm feito”.
“As pessoas acreditam que a publicidade está ficando pior e não
discutimos acerca disso. É claro que há eventos, como Cannes, onde
tratamos desse assunto, mas as agências precisam questionar-se: como
podemos mudar a forma como trabalhamos? Por que estamos enganando as
pessoas?”, finalizou Hegarty.
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