Enquanto houver público para o humor negro, haverá piada. Não há como
(nem talvez por que) exterminá-lo. Utilizando-se deste perigoso
artifício nos tragicômicos (?) programas da tarde, a repórter Mirella
Cunha ironizou um detento apontado como possível estuprador. Ele assume
ter tentado roubar uma mulher, mas desesperado pela outra acusação se
oferece a fazer um exame de corpo de delito para esclarecer o caso. Por
ignorância, se confunde e diz “exame de próstata”.
A graça dura pouco. A repetição dela e a humilhação pública dele vão
além do tolerável. O tripúdio a um preso quase aos prantos causa furor
no inconsciente coletivo. É o deboche de toda uma sociedade de beca
contra os iletrados. É o achar graça das mazelas de um povo que padece
sem educação e se torna marginal por opção de sobrevivência. Todo esse
clamor uníssono, extravasado nas mídias sociais, se explica pelos nossos
300 anos de escravidão, pelo preconceito pentacentenário ad extremum
contra os negros. Contra a exclusão dele do mercado de trabalho, contra a
inércia do Estado.
É uma “curtida” catártica, uma “compartilhada” incursão a toda a
sociologia de um Casa Grande e Senzala. Mas a demonização da repórter é
em vão. A discussão não tem interlocutor. É a crítica da qual ninguém
discorda – nem eu, que fique claro. Seria praticamente impossível
contra-argumentar com alguém que se ponha ao lado da repórter, aliás.
Vícios da nossa cultura
De imediato, me vem à cabeça a entrevista que o rapper Emicida deu ao
repórter Bruno Alfano, do Destak, num paralelo distante. “Vagabundo só
fala mal do Restart, em vez de cobrar o Minc.” É por aí. É uma revolta
imobilizante.
O clique cool das redes sociais é raso, ignora um grande problema. O
ser humano merece respeito, claro, mesmo sendo um detento. O erro,
porém, está em encurralar o entrevistado num crime sem juízo. Se a
pseudoinformação vaza no presídio, ele pagará na mesma moeda. Sendo
currado. Talvez até a morte. Prejulgar é normal, mas tenha moderação. O
preconceito é um vício não só do brasileiro, mas do ser humano.
Intrínseco. Só é preciso saber domá-lo.
Por outro prejulgamento, um jornalista do SBT foi alçado aos céus. O
cinegrafista anônimo filma Cândido Vaccarezza e Sérgio Cabral trocando
mensagens. Eles são cúmplices de um suposto crime, qual? Não se sabe.
Ali estão as intimidades de dois homens públicos. Reveladas, dão a
entender que estão em débito. Isto justifica a invasão de privacidade?
Difícil de responder.
E é ótimo que seja difícil. Esta discussão tem dois lados e – o melhor –
ninguém para ser crucificado. Outro vício da nossa cultura...
Por Gabriel Góes Barreira para o Observatório da Imprensa
Nenhum comentário:
Postar um comentário