Descumprimento dos deveres e falta de transparência por parte das empresas são as principais causas da judicialização de questões referentes ao consumo no Brasil
O Brasil fechará 2012 com pouco mais de 87 milhões de processos
judiciais envolvendo questões de consumo. O número é apenas a ponta do
iceberg dos problemas de relacionamento entre as empresas e os
brasileiros que compram produtos e serviços no país ou fora dele. A
precisão de dados e uma comunicação eficiente e verdadeira são pontos
decisivos para evitar que os conflitos se estendam. A avaliação foi
feita durante seminário do O Globo sobre Defesa do Consumidor, realizado
nesta semana.
Ainda que o número de processos seja elevado e crescente no país, levar
o problema à justiça não é visto como solução. Mais do que longas
esperas, ritos processuais e indenizações por danos morais, o consumidor
deseja que seus problemas sejam resolvidos o mais rápido possível. O
fato pode ser comprovado por números da Secretaria Nacional do
Consumidor (Senacon): de cada 10 pessoas que se sentem lesadas de alguma
forma, oito procuram as empresas em que serviços ou produtos foram
comprados antes de tomar qualquer medida na Justiça.
Para se justificarem, atenuantes pouco críveis são dados por parte das
marcas ou do mercado, segundo avaliação da Senacon. Um deles é que a
demanda de consumo, por muito tempo reprimida, gere mais problemas.
Outra justificativa é de que a nova classe média ainda não estaria
madura o suficiente, principalmente em alguns canais como o e-commerce.
“Esses argumentos não se sustentam. Existe um problema clássico de falta
de simetria da informação. O consumidor precisa que três perguntas
sejam respondidas claramente: o que é, para que serve e quanto eu pago
por isso. E só”, explica a secretária Nacional do Consumidor, Juliana
Pereira durante o evento.
Retrocesso
Com quase 22 anos, o Código de Defesa do Consumidor deveria ser o
principal guia de relacionamento entre marcas e consumidores. Porém, na
prática, o descumprimento dele tem norteado boa parte dos conflitos no
país. “Não falta buscar informação, falta respeito à lei. O consumidor
recebe uma publicidade, se interessa e compra um produto. Só que ele
nunca chega. Esse nível de descumprimento que o mercado oferece já não
existe mais nos países desenvolvidos. Por isso mesmo é que as listagens
dos empreendedores mais acionados hoje no Brasil são essenciais.”,
afirma o juiz Flávio Citro, titular do 2º Juizado Especial Cível da
Capital e coordenador do Centro de Conciliação do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro (TR-RJ), em entrevista ao Mundo do Marketing.
Entre as plataformas mais populares estão a de sites como o Reclame
Aqui, o cadastro de maus fornecedores do Ministério da Justiça, o top 30
do próprio TJ-RJ e estatísticas elaboradas pelo jornal O Globo, em sua
coluna Defesa do Consumidor. “Essas listas são fundamentais a partir do
momento que os grupos querem preservar mais a imagem do que o bolso. Uma
ação de R$ 10 mil de uma marca que vende pela internet e não entrega
não significa nada para ela. Mas quando sai no site especializado que a
empresa tal vendeu pela internet e não entregou, aí eles sentem. Porque
dói na parte mais sensível, que é a imagem da empresa”, completa o
magistrado.
Os valores pagos em indenizações podem não afetar financeiramente
grupos grandes, mas o conflito é caro para o país. De acordo com o
Tribunal de Justiça do Rio, cada audiência em um juizado especial custa
R$ 1 mil. Nos juizados cíveis chega a R$ 2,5 mil. Só no Rio de Janeiro
está 1,8 milhão de processos ligados a problemas de consumo. “O conflito
é um retrocesso. Perdemos tempo, energia e dinheiro. O grande desafio é
que essas empresas tenham transparência, ou seja, digam exatamente o
que estão vendendo. Chega de diagnóstico, todos sabemos o problema: o
que falta é executar as soluções”, completa Juliana.
Marcas precisam se aproximar dos órgãos de proteção
Para melhorar a relação entre marcas e consumidores, a Câmara E-Net
apresentou durante o seminário iniciativas ou sugestões para serem
colocadas em práticas. Entre elas, a instituição afirmou que é
necessária uma aproximação cada vez maior entre órgãos de proteção e
empresas, além de ações setoriais de auto-regulamentação.
Outra preocupação apontada pela Câmara é no sentido dos riscos que os
consumidores têm corrido nas relações de consumo digitais, cada vez mais
comuns. “É importante diferenciar a negligência ou a prática abusiva
das empresas que atuam no Brasil dos golpes de pessoas que simulam uma
oferta ou simulam um produto e, no fundo, buscam cometer um crime. É
preciso avaliar os anunciantes que estão nos sites, bem como o layout
das páginas. Ofertas improváveis com preços inexequíveis são irreais. É
preciso ter clareza”, pontua Flávio Banchi, da Câmara E-Net.
Além da exatidão da proposta, na avaliação da secretária Nacional do
Consumidor, as empresas ainda não entenderam que o consumidor quer ir
além da mera relação comercial. “As marcas gastam mais e estão mais
preocupadas com o discurso dentro das campanhas publicitárias, com o
‘compre’, do que com o relacionamento mais aprofundado que podem vir a
ter com essas pessoas. O discurso precisa mudar”, avalia Juliana
Pereira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário