Viver dá trabalho, mas viver
a vida da gente dá mais trabalho ainda. Por isso que todo vizinho é
fofoqueiro, e todo mundo é vizinho: viver a vida dos outros é muito melhor.
Quando a gente está no aperreio (terminou namoro, pepinaço no trabalho,
problema sério na família) não tem coisa melhor do que ver novela. É
vida dos outros na veia, porque nem de verdade é. Serve de anestesia,
relaxamento total; o sujeito só volta a viver um pouquinho o próprio
drama no intervalo comercial.
Nos últimos meses tenho trabalhado tanto que não dá tempo de ver
novela, pegar um livro ou ir ao cinema: três clássicos endereços da vida
alheia. Resultado: sou obrigado a viver minha própria vida 24h por dia.
Cansa. Na minha vida, tem um personagem insistente que nunca sai do
palco. Mas que coisa, esse cara foi empacar justo comigo. Não podia
aparecer alguém mais interessante nos meus dias? Talvez o Batman, o
Boni, algum boêmio frasista e carioca? Não. É sempre ele. Flaubert tinha
mais sorte: era Madame Bovary. Se ainda eu desconhecesse algum mistério
sobre meu personagem, ou se ele tivesse defeitos dos quais eu ainda não
houvesse me cansado. Mas, que nada.
Tenho estado tanto em cena que perdi a voz. Falo até em pensamento. Tou
no banho, tou ouvindo o que eu penso. Tou escrevendo, já sei o que vai
sair antes mesmo de os dedos digitarem a frase. Meu Deus, eu sou muito
previsível. Oscar Wilde dizia que era tão inteligente que às vezes
conversava horas consigo mesmo e não entendia uma só palavra do que
dizia. Eu, ao contrário, já sei de tudo o que eu vou falar. Pareço um
velho que repete infinitamente as mesmas histórias, inclusive as novas.
Haja paciência.
Enquanto isso, você aí esbanjando: na boa, lendo estas bobagens sobre a
vida de outro. Enquanto eu fico aqui escrevendo sobre… a minha. Já sei.
Vou dar uma fugidinha. Vou sair para tomar um cafezinho e fazer cera na
esquina para demorar a voltar. Pego um livro bom, ou até um ruim. Vou
ouvir música. Ler um poema. Cessar as ondas dessa ressaca de mim. Fazer
calar esses meus falares. Colombo, fecha as portas dos teus mares! Fim.
Texto de André Laurentino, publicado no jornal O Estado de S.Paulo
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