O2 Filmes chega aos 20 anos: Andrea Barata Ribeiro anuncia projetos e relembra histórias
“Dadinho é o c... . Meu nome agora é Zé Pequeno, p...”. A frase que entrou para a cultura popular brasileira é uma das principais lembranças de um filme que marcou uma geração.
Cidade de Deus foi um fruto nada ruim colhido pelo grupo de produtores que era conhecido pejorativamente como “os garotos da estética publicitária” e que, muitas vezes, aproveitavam os curtos períodos após as filmagens de comerciais para rodar curtas-metragens.
Com esta boa dose de ousadia, eles mudaram os rumos da O2 Filmes, que completa 20 anos em 2011, e do próprio mercado brasileiro de produção. Nascida para a publicidade, a produtora ainda tem 70% de suas receitas oriundas deste lado. Mas ela ajudou a acabar com o preconceito que separava a produção publicitária da produção para TV e cinema. Afinal, quantos anunciantes hoje não querem a grife de um diretor de cinema em seus comerciais? Esse cenário já foi bem diferente, como conta nesta entrevista a sócia e produtora Andrea Barata Ribeiro.
A produtora e sócia da O2 Filmes atuava na pioneira Olhar Eletrônico quando foi convidada por Fernando Meirelles e Paulo Morelli, ex-sócios da mesma empresa, a assumir sociedade da recém-criada O2, em 1991.
Confira ao final da página entrevista concedida à TV Meio&Mensagem.
- Meio&Mensagem ›› Como foi o começo da O2 e como ela deixou de ser uma produtora focada 100% em publicidade para dedicar parte de seu tempo a conteúdos independentes para TV e cinema?
- Andrea Barata Ribeiro ›› A O2 tem sua origem na Olhar Eletrônico, que tinha Fernando Meirelles e Paulo Morelli entre seus sócios. Eu trabalhava lá e fui chamada para ser sócia dos dois na nova produtora que haviam lançado. Era um mercado muito diferente do de hoje. Nós nascemos para fazer publicidade, porque naquela época não tinha outra opção para quem queria atuar com audiovisual. Não havia um cinema nacional forte, uma produção independente para televisão. Mas com o tempo, começamos a aplicar a vontade que tínhamos de fazer mais coisas. Fazíamos curtas aproveitando os cenários da publicidade. Um deles, que foi bastante premiado, foi “No Meio Passa um Trem”. O Nando Olival chamou o Fernando e disse que tinha filmado uma campanha com um trem incrível em um cenário muito bem feito. Fizemos um roteirinho e filmamos o curta no dia seguinte. Houve vários outros casos como este, em que aproveitávamos a diária da publicidade e pedíamos para a equipe ficar umas duas horinhas a mais para rodar.
- M&M ›› Quando o cinema nacional retomou sua força em 1995, como a O2 lidou com a situação?
- Andrea ›› Quem fazia só cinema não tinha muito mercado e entrava em estúdio a cada quatro ou cinco anos. Nós vínhamos da publicidade, filmando praticamente todos os dias. Quando transferimos esse know-how para o cinema, foi ótimo. As pessoas não tinham experiência além dos 30 segundos do comercial, mas sabiam filmar, iluminar adequadamente, posicionar bem as câmeras. A publicidade foi e continua sendo uma escola incrível para quem quer fazer televisão e ela teve um papel fundamental na retomada do cinema nacional, porque trouxe muita gente com essa carga de conhecimento e experiência. Mas na época, havia muito preconceito dos dois lados. Quando fizemos nosso primeiro longa-metragem, “Domésticas”, fomos chamados de “garotos da estética publicitária”. Neste caso, aproveitamos os cenários de uma campanha grande da Talent para uma marca de açúcar, que se passava em uma cozinha, para filmar o longa. Por outro lado, as agências começaram a morrer de ciúmes e diziam que a gente só se importava com o cinema. Quando um diretor não estava disponível eles diziam: “Ah, então agora vocês só fazem longas?”. Hoje, eu acredito que a visão é completamente diferente e chega a ser um luxo para o cliente ter um diretor que atue no cinema também em sua campanha.
- M&M ›› A partir de “Domésticas” a porta da produção independente de conteúdo se abriu definitivamente?
- Andrea ›› Na verdade, já vínhamos fazendo algumas coisas. Com a Rede Globo, por exemplo. Claro que era tudo um pouco escondido, porque ela não trabalhava com conteúdo independente. A série “Brava Gente” foi assim. Não podíamos assinar. E tínhamos também os curtas. Mas o que mudou tudo foi Cidade de Deus. Foi um marco. Um sucesso absoluto. Engraçado que foi difícil arrumar dinheiro para rodar o filme porque ninguém queria apoiar, por causa da temática que tinha a ver com tráfico de drogas e favela. O Fernando Meirelles bancou a maior parte da produção e conseguiu alguns poucos parceiros, inclusive agências, que sempre ajudavam de alguma forma nos filmes. Mas quando o filme foi mostrado em uma sessão de gala em Cannes, arrebentou. E aí, virou um leilão entre as marcas.
- M&M ›› E como a produtora se adequou aos novos tempos, com novas mídias e necessidades? Em qual modelo de atuação vocês apostam?
- Andrea ›› Passou a fase da implicância. Hoje essa relação está bem resolvida. As agências enxergam bem uma produtora que é eclética e muito por conta das necessidades que elas têm hoje em relação a estratégias cross-media. Elas precisam atuar em diversas plataformas. E nós nos preocupamos com isso há muito tempo. Em 2004, fizemos uma websérie para a Locaweb que teve 3 milhões de views e isso em uma época na qual a penetração de banda larga era minúscula. Hoje, fazemos comercial, cinema, internet, aplicativos e conteúdos para iPad, animações para TV. Ao contrário das produtoras que colocam braços e núcleos para dividir isso tudo, nós entendemos que tudo precisa estar integrado. Não podemos colocar alguém em uma sala para fazer algo para internet e outro para fazer para TV. A série Antonia foi um exemplo disso. Outro exemplo é Xingu, que será lançado em 6 de abril nos cinemas.
- M&M ›› No que consiste essa ação multiplataforma de Xingu e em quais outros filmes e séries vocês estão trabalhando para o ano que vem?
- Andrea ›› O filme irá para o cinema e depois teremos série na televisão. Além disso, já tivemos uma exposição interativa sobre os irmãos Villas Boas, porque detectamos que muita gente ainda não conhecia sua história. Ela recebeu a visita de 500 mil pessoas no Sesc Pompéia. Ainda para aquecer, liberamos os direitos para uma série no Fantástico. A ideia é colocar o tema no mapa para quando lançarmos o filme. No segundo semestre, lançaremos ainda Cadeira do Pai (estrelado por Wagner Moura). Em séries, desenvolvemos neste ano Destino SP, para a HBO, focada nas histórias de migrantes estrangeiros e que também deve ser lançado no segundo semestre. Costumamos ter três projetos em produção e 10 em desenvolvimento. Para o futuro, quero fazer “Fogo nas Entranhas”, uma comédia erótica baseada em um romance do Pedro Almodóvar que eu comprei. Estou fazendo o roteiro. Mas o próximo longa em nossa fila é inspirado no livro “Na Toca dos Leões”, do Fernando Morais. Contaremos a história do sequestro do Washington Olivetto (leia mais aqui).
- M&M ›› Como você analisa a qualidade da produção brasileira, especialmente se comparada à argentina?
- Andrea ›› Estamos em um bom patamar e se analisarmos os melhores diretores brasileiros e argentinos, não deixamos nada a desejar. O que acontece é uma circunstância pela qual a Argentina está muito mais barata do que o Brasil e, claro, tem seus talentos, embora com estilo diferente do nosso. Cada país tem sua característica no cinema, seja argentino, francês, italiano ou norte-americano. Estamos começando a ter a nossa cara. O Brasil é um País mais eclético e ocupa um espaço cada vez maior no mercado internacional. É muito diferente da Argentina, onde há mais diálogos e uma coisa mais autoral, falando sobre relações muito sutis, como as familiares. Os filmes são menores e isso funciona lá, Aqui, o que tem funcionado são as comédias e os “filmes-evento”, bem como os de ação. Eu até produzi o “À Deriva”, que tem uma conotação mais delicada, mas este tipo de filme até vai bem, mas esbarra nos 200 mil espectadores. Enfim, são estilos diferentes e, se compararmos os bons de lá com os bons de cá, não estamos atrás.
- M&M ›› Qual sua opinião sobre o reajuste na Condecine para filmes produzidos fora do País e a polêmica que opôs algumas das principais entidades do mercado publicitário, no caso, ABA contra Abap, Apro e Aprosom?
- Andrea ›› Como produtora, eu não vou ser hipócrita. É muito bom. Mas essa resolução ocorreu em uma esfera acima da gente. Quem dera as produtoras tivessem o poder de criar um decreto federal. Isso tem muito mais a ver com a PLC 116 e a política do atual governo. Quando rolou essa história da Condecine, as produtoras viraram as más, as vilãs. Mas tem que lembrar que algumas delas até se prejudicam, porque estão estruturadas para trabalhar com diretores estrangeiros. E vamos lembrar também que a Argentina fechou inteiramente suas portas (com a Ley de Medios, aprovada em 2009 que, dentre outras decisões, criou cotas para produção nacional). Tudo isso é interesse de mercado. Quando entra muito carro chinês, aumenta-se o IPI. E sempre vai haver uma reação. No nosso caso, não existe um impeditivo definitivo. Podemos ter filmes de fora, mas desde que paguem uma contribuição. A posição da O2 Filmes é privilegiar sempre o talento local.
- M&M ›› É possível avaliar os impactos da PLC-116 dentro do mercado brasileiro de audiovisual, e também para os negócios da O2 Filmes?
- Andrea ›› Para o mercado audiovisual será incrível. O Brasil ainda é um dos poucos países onde o modelo de televisão é verticalizado, não oferecendo espaço para produção independente. Em outros países, isso de ter exibição, produção e distribuição nas mãos da mesma empresa foi proibido. Haverá muito mais produtoras e gente trabalhando no setor. Teremos condições de formas mais roteiristas e pessoas para outras funções. Está começando a existir uma indústria fora da televisão e isso dará espaço para uma nova geração de talentos. No caso da O2, temos uma característica de trabalhar com poucos projetos nos quais os sócios ou colaboradores mais antigos possam se envolver. E queremos manter isso. Por isso, não vai afetar muito.
- M&M ›› Estamos às vésperas do III Fórum de Produção Publicitária. Alguns dos assuntos as serem discutidos são regras de contratação de elenco, treinamento de novos talentos e criatividade. Quais assuntos você colocaria na roda de discussões?
- Andrea ›› Precisamos discutir a maneira como se dá o relacionamento entre agências, clientes e produtoras. Estabelecer uma relação de confiança maior do que hoje. Quando eu comecei na publicidade, você contratava a agência conhecendo ela. Mas com o tempo, a relação ficou mais desconfiada entre todos. Outra coisa que temos que discutir, e que tem a ver com a qualidade, são os prazos ridículos. Antes de pedirem qualidade por parte da produtora, tem que melhorar a qualidade do briefing e dos prazos. Perde-se muito tempo fazendo briefings errados. Um diretor norte-americano tem três meses e isso faz a diferença. No Brasil, já vi cronograma que pede finalização em um dia só! Há uma máxima na publicidade que diz que “a pressa passa a merda fica”. E geralmente esquecem do prazo curto e quem se queima é a produtora.
- M&M ›› Você falou em projetos transmedia, mas como anda a aceitação na publicidade por este tipo de estratégia?
- Andrea ›› Essa é uma área da empresa que eu espero que cresça, mas hoje ainda é quase uma cereja no bolo. O mercado está engatinhando nisso, mas já demos alguns passos, como o Pavilhão do Brasil na Expo Xangai em 2010. As pessoas podiam jogar games em seus celulares na fila. Já fizemos também aplicativos para iPhone e iPad. Este tipo de projeto me enche os olhos, porque unem os conhecimentos da publicidade, ficção e televisão. E vai crescer muito em breve.
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