Depois que escrevi este título, me veio a dúvida se não estava sendo demasiado apocalíptico, mas fiquei menos confuso quando li os textos que o filósofo alemão Jurgen Habermas publicou no início de novembro e que provocaram um apaixonado debate entre intelectuais e jornalistas alemães sobre a crise europeia.
O que Habermas disse, e foi ampliado por outros intelectuais e jornalistas do Velho Mundo, é que governantes, empresários, politicos e sindicatos simplesmente constataram que ninguém tem respostas para três perguntas que estão na origem da crise que abala a Europa e pode contaminar também o resto do mundo. Os dilemas são: como acabar com o desemprego, a desigualdade e com o autoritarismo.
A agonia provocada pela falta de respostas agrava o que alguns já chamam de início da quebra da ordem mundial, provocada pelo agravamento de dois conflitos diferentes mas que convergem no enfrequecimento do poder central tanto na Europa como nos países árabes: no Velho Mundo, o sistema financeiro entrou em rota de colisão com o sistema politico porque os banqueiros não admitem perder dinheiro e os governantes não sabem como dar respostas ao desemprego crescente e ao aumento da desigualdade socioeconômica.
No mundo árabe temos um desafio direto ao poder estabelecido com uma caracteristica marcante. Os protagonistas das rebeliões populares sabem o que não querem, mas até agora ninguém conseguiu identificar o que propõem. Aliás, neste ponto se assemelham muito aos organizadores dos movimentos Occupy... (Ocupar...), na Europa e Estados Unidos, que acampam em lugares publicos para protestar contra a desigualdade e o poder dos banqueiros, mas evitam propostas concretas.
O que os manifestantes europeus, americanos e árabes têm em comum é a contestação de governantes estabelecidos. Os europeus perderam a confiança nos políticos porque estes se mostraram incapazes de resistir à pressão dos banqueiros na administação da crise financeira e acabaram optando pelo modelo clássico do arrocho, desemprego e recessão. Os árabes, porque as oligarquias, tanto as rotuladas de esquerda como as conservadoras, se tornaram simplesmente insuportáveis. O desejo de mudança e inovação se expressa num grito primal.
Nessas condições não fica dificil perceber que uma grande quebra de paradigmas está em curso na Europa e seguramente terá repercussões no resto do mundo. A quebra de paradigmas se manifesta primeiro na acelerada perda de confiabilidade dos governos europeus em geral, porque eles têm sido simplesmente incapazes de dar respostas para o desemprego e para a desigualdade.
Hoje já se pode dizer que instituições como o Parlamento Europeu deixaram de ser importantes porque tudo o que está relacionado à crise está sendo decidido pela chefe do governo alemão Angela Merkel e pelo presidente francês Michel Sarkozy. Até os ingleses se fazem de mortos, achando que o problema não é com eles. E a solução não será rápida porque há um efeito dominó em marcha.
No mundo árabe, a situação está longe de ser tranquila. O caso egípcio mostra que não será fácil administrar a transição para um regime que ninguém até agora conseguiu definir. E tem mais confusão a caminho no mundo árabe, porque o periodo pós Kadhafi ainda está totalmente incerto e não vai ser fácil acomodar os vários clãs tribais líbios. No Yemen, a mesma coisa — e já há rumores de que, na Arábia Saudita, a família real já não se sente mais tão segura como antes.
O que estamos assistindo é uma lenta ascensão do poder do cidadão comum, desiludido com as estruturas tradicionais de poder e sua incapacidade de resolver problemas que já se tornaram crônicos como o desemprego, a desigualdade e a corrupção. Habermas é um crítico do sistema politico europeu, que ele acusa de ter cedido o poder aos banqueiros . O filósofo alemão acha que é preciso restabelecer a dignidade da democracia e que o só público pode fazer isto.
Quem também já aderiu à tese da alternativa cidadã é o esloveno Slavoj Zizek, o filósofo da moda nos círculos intelectuais novaiorquinos; e ele vai ainda mais longe ao preconizar que o “campo está aberto” para experiências inovadoras em matéria de política.
Coincidência ou não, as opiniões de Habermas podem servir de fundamento teórico para a recente experiência política na Islândia, onde 25 pessoas comuns, escolhidas numa amostra de 950 cidadãos eleitos, redigiram uma nova Constituição para o país usando ferramentas digitais como Facebook, Twitter, YouTube e Skype para consultar a população.
O establishment político do país de 320 mil habitantes — e que pediu falência em 2008, depois da quebra de seu sistema bancário — foi relegado à posição de espectador da reforma que será votada em plebiscito previsto para julho de 2012.
O caso da Islândia, obviamente, não serve como modelo para o resto do mundo dadas, as dimensões e as características do país (uma ilha gelada perto do Polo Norte). Mas é uma experiência que está sendo levada a sério por pesquisadores da politica via internet. É o primeiro caso de consulta direta à população usando a internet. A página no Facebook de uma das integrantes do grupo de 25 redatores da nova Constituição chegou a registrar cinco mil acesso numa noite apenas, enquanto os debates colocados no YouTube alcançaram uma audiência de dez mil pessoas por transmissão.
Por Carlos Castilho - reproduzido do Observatório da Imprensa
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