terça-feira, 11 de outubro de 2011

Empresa que popularizou Dia das Crianças recorre à China para viver

Desde os anos 50, quando criou a campanha que transformou o Dia das Crianças em tradição no Brasil, muita coisa mudou na realidade da fabricante de brinquedos Estrela. Ficaram para trás as décadas em que, num mercado fechado para estrangeiros, o varejo era dominado pelas fabricantes brasileiras – e chegou, com força, a concorrência chinesa.

“Estrela era sinônimo de boneca”, recorda em entrevista ao G1 o presidente da companhia, Carlos Tilkian, que encontrou a empresa à beira da falência quando assumiu o cargo, em 1996.

Foi num ano próximo a 1955 - a data é estimada pela empresa, que não tem registro oficial - que a Estrela lançou pela primeira vez a “Semana do Bebê Robusto”, uma campanha para aumentar as vendas de seus famosos bebezinhos rechonchudos de plástico, então seu carro-chefe.
A ideia era "ressuscitar" a data do Dia das Crianças, criada no Brasil em 1924 por um decreto do presidente Arthur Bernardes, mas que até então era praticamente desconhecida tanto entre consumidores quanto varejistas.
“A Estrela começou a usar o tema Dia das Crianças para vender a linha de bebês”, explica Tilkian. "Chamava Bebê Robusto porque o padrão de beleza era diferente naquela época. Toda a nossa linha de bebês era mais gordinha, o que era sinônimo de saúde e beleza", diz o executivo.
"Em 1937, eram bonecas de pano; depois foram bonecas de cerâmica, de plástico, até o rosto de vinil que temos até hoje. Do ponto de vista de acompanhamento de moda, você teve não só pela roupa o desenvolvimento da moda, mas também do ponto de vista da beleza. Era impensável naquela época ter uma boneca como a Susi, mais fashion doll, esguia, magrinha, formas mais delimitadas", constata ele.
Anos depois, a iniciativa comercial da Estrela ganhou o apoio de outra gigante do mercado: a Johnson & Johnson, que reforçou a publicidade em torno da data com a campanha "Bebê Johnson", que teva a primeira edição em 1965 e logo se tornou um dos concursos de beleza infantil mais conhecidos do país.
O 12 de outubro se consolidou ao longo dos anos, quando mais e mais varejistas foram concentrando suas ações de publicidade e vendas na semana do dia 12 de outubro. "O varejo passou a organizar Salões da Criança no Parque Ibirapuera no ínicio da década de 60 com áreas de entretenimento", diz.
Hoje, afirma Tilkian, as vendas da Estrela na data superam as do Natal. "Elas [as datas] resrespondem por 75% do faturamento atual. Desses, o Dia da Criança responde por 60% e o Natal, 40%", diz o executivo.
Competição chinesa
Do "Bebê Robusto" para cá, a Estrela foi sentindo os baques das transformações econômicas do país: a abertura do mercado brasileiro para produtos importados nos anos 90 barateou o custo dos brinquedos, e trouxe a China para a disputa direta pelos os consumidores brasileiros. A valorização do real em relação ao dólar também prejudicou as contas da companhia.
"O Brasil saiu da economia fechada no final dos anos 80 para a abertura sem planejamento nenhum, sem exigir reciprocidade das empresas que vieram para cá como importadoras. É um modelo muito vantajoso para a importação", diz Tilkian.
A atual inundação de produtos importados no Brasil é tão forte que, desde 2007, a própria Estrela passou a produzir também na China, por meio de empresas terceirizadas, para se manter competitiva e transformar em lucro a sequência de prejuízos que vem amargando nos últimos anos.
“Temos duas fábricas aqui no Brasil, mas também produzimos na China, para manter o custo. (...) No ano passado, 40% do nosso faturamento veio de produtos importados. O que é uma pena do ponto de vista de brasileiro, mas é uma obrigação do ponto de vista de empresário, porque preciso dar retorno aos acionistas”, diz o presidente da companhia.
Para Tilkian, a razão para a perda de espaço e competitividade da companhia em relação aos rivais asiáticos é o chamado "custo Brasil". "Se você somar câmbio, impostos, custo financeiro, isso representa 80% da diferença de custo entre China e Brasil. Se comparar o custo industrial contra custo industrial, o Brasil é absolutamente competitivo", avalia.
A Estrela acumulou prejuízo de R$ 19,8 milhões nos primeiros seis meses de 2011; de acordo com o balanço financeiro divulgado ao mercado em junho. Em 2010, as perdas chegaram a R$ 30 milhões.
Segundo Tilkian, no entanto, os balanços financeiros negativos refletem dívidas antigas; para o executivo, a Estrela já está "saudável" financeiramente e registra crescimento de cerca de 20% ao ano no faturamento. "Tende a melhorar", prevê.
Só no Brasil
As exportações, que já representaram 15% do negócio da Estrela, tornaram-se irrelevantes para a companhia no cenário atual de dólar fraco e competição da China em todo o mundo. Tanto que a Estrela estuda construir unidades próprias na China para, de lá, voltar a alcançar outros mercados.

“Desenvolveria nossos produtos lá, por meio de empresas que construiríamos para produzir, e iríamos para feiras internacionais para que os produtos sejam vendidos a partir da China. Cogitamos porque é a única forma de eliminar o custo Brasil", afirma o executivo da empresa, que tem a marca registrada em 40 países.
Catálogo antigo mostra primeiras linhas de bonecas da Estrela. (Foto: Flavio Moraes/G1)Catálogo antigo mostra primeiras linhas de bonecas da Estrela. (Foto: Flavio Moraes/G1)
Tabuleiros na Apple StoreEm meio às dificuldades, a Estrela aprendeu a usar tecnologia e componentes chineses para renovar produtos antigos e competir ainda com a internet e os jogos eletrônicos. Dos 560 produtos oferecidos pela empresa, há alguns 100% brasileiros, como a linha de bebês, jogos pré-escolares, brinquedos de massinha e a veterana boneca Susi.
Outros, como o Super Banco Imobilário com máquina de cartão vinda da China, mostraram um caminho promissor para a companhia. "Isso mostra que mesmo um jogo tradicional de tabuleiro, quando você incorpora tecnologia e moderniza, ainda tem um espaço muito grande até para o público adulto".
A fabricante passou também a adaptar a lógica de brinquedos antigos para as redes sociais, como nas ações do jogo Cara a Cara no Facebook, ou do "Twitterama" para o Autorama. Num futuro próximo, o objetivo é usar o maior número de plataformas eletrônicas e digitais para alcançar os consumidores.
"Nosso objetivo é migrar toda a nossa linha de jogos de tabuleiro para outras plataformas. Para vender na Apple Store, para tablets. Mas mesmo fazendo isso, nunca vamos deixar de acreditar que o jogo de tabuleito tem um papel social, de ensinar à criança sobre respeitar regras, sobre quem perde, desenvolver o raciocínio", diz Tilkian.

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