Quando foi lançado no país há pouco mais de um mês, o novo Kia Picanto (releia aqui o texto da apresentação) trouxe apenas surpresas positivas: bicombustível, largou o visual infantil, embarcou um pacote matador (bom acabamento, airbag duplo de série, freios com ABS em quase todas as versões) e preço extremamente competitivo. Chegamos a apontar: o compacto coreano parecia fadado ao sucesso frente a líderes de mercado acostumados a tratar mal o consumidor, caso não viesse a tropeçar na inaptidão da própria Kia em garantir a presença do modelo nas lojas.
Depois de convivermos sete dias com o carro -- em sua configuração manual -- no trânsito de São Paulo, podemos afirmar: o Picanto é um carro matador de "populares", feito sob medida para as necessidades de alguém que vive e se locomove na metrópole, lugar de espaço escasso e enormes exigências de conforto e de aparência. Poderíamos dizer que a Kia tinha um supertrunfo em suas mãos para finalmente deslanchar no mercado nacional, tal qual a Hyundai (que é do mesmo grupo) fez com o hatch médio i30 -- guardadas as devidas proporções.
Mas nada disso durou frente a um "rival" maior: o governo pode ter matado o Picanto 2012 logo após o parto, graças à decisão de aumentar o IPI para carros importados de marcas sem instalações no Brasil. A medida foi feita sob encomenda para atravancar o crescimento das chinesas, mas também feriu duramente as coreanas, que apostavam no binômio bom conteúdo/bom preço e intimidavam as quatro grandes (Fiat, Volskwagen, Chevrolet e Ford).
Caneta e papel na mão, vamos aos cálculos. O preço original do novo Picanto, com seu motor 1.0 flex de 80 cavalos com etanol, ainda está no site da marca para quem quiser ver -- parte dos R$ 34.900 (catálogo J.318) e entrega conteúdo de respeito.
Caneta e papel na mão, vamos aos cálculos. O preço original do novo Picanto, com seu motor 1.0 flex de 80 cavalos com etanol, ainda está no site da marca para quem quiser ver -- parte dos R$ 34.900 (catálogo J.318) e entrega conteúdo de respeito.
A unidade desta configuração mais básica, testada por UOL Carros durante uma semana, tinha airbag duplo; direção elétrica; ar condicionado; câmbio manual de cinco marchas; vidros elétricos; retrovisores elétricos com seta integrada, rebatimento e desembaçador; sistema keyless (dispensa a chave para abrir as portas); rádio/CD/MP3/iPod com comandos no volante, que é revestido de couro; banco do motorista com regulagem de altura; cintos com pré-tensionadores e limitador de carga; faróis de neblina; e rodas de liga leve aro 14. Tudo isso o carrinho (3,6 metros) traz de série.
Quem quisesse optar pelo carro em versão "completaça" (catálogo J.320) desembolsaria mais R$ 5 mil para ter airbags laterais e de cortina, faróis e lanternas com LEDs, teto solar e freios com ABS -- tudo isso impensável no segmento de carros (vá lá) populares. Resumindo: compacto com conteúdo de carro de luxo por R$ 39.900. Para os "acomodados", o mesmo valor de R$ 39.900 garantiria a configuração inicial (descrita acima), mas com câmbio automático de quatro marchas (catálogo J.368). Por R$ 44.900, o comprador tem esse câmbio e todos os mimos possíveis (no catálogo J.370).
Mas a nova alíquota de IPI pode elevar o preço do carro em cerca de 26%. Assim, quando novos lotes do Picanto chegarem em navios vindos da Coreia do Sul, o carro mais básico terá um acréscimo de quase R$ 10 mil na etiqueta, passando a custar mais de R$ 43.900. Ou seja, a mão do governo fará com que a configuração mais barata do compacto passe a custar, quando o atual estoque terminar, o mesmo que a configuração mais completa atualmente. Esta pode passar a ser vendida a R$ 56.500. E aí vem a pergunta: você pagaria o preço de um carro médio bem equipado por um compacto superequipado?
Nós também não. Infelizmente.
Nós também não. Infelizmente.
RIVAIS
Apesar dos protestos, o brasileiro dificilmente deixará de comprar carros novos. O momento econômico ainda é propenso ao consumismo, e o consumismo pede novidades na sala, na mesa, no bolso e na garagem. Mas, claro, cada comprador que fizer a conta acima provavelmente assinará o cheque em favor de alguma loja das grandes marcas, ou das rivais francesas e japonesas aqui estabelecidas e que podem oferecer modelos que, se não são tão equipados quanto o Picanto, não sofrem com a sobretaxação porque são fabricados aqui no Brasil ou em Argentina e México, protegidos por acordos comerciais.
Apesar dos protestos, o brasileiro dificilmente deixará de comprar carros novos. O momento econômico ainda é propenso ao consumismo, e o consumismo pede novidades na sala, na mesa, no bolso e na garagem. Mas, claro, cada comprador que fizer a conta acima provavelmente assinará o cheque em favor de alguma loja das grandes marcas, ou das rivais francesas e japonesas aqui estabelecidas e que podem oferecer modelos que, se não são tão equipados quanto o Picanto, não sofrem com a sobretaxação porque são fabricados aqui no Brasil ou em Argentina e México, protegidos por acordos comerciais.
Fiat Uno 1.0 (motor de 75 cavalos com etanol e preço de R$ 35 mil quando equiparado ao Picanto em equipamentos, na medida do possível), Ford Ka 1.0 (72 cv e R$ 32 mil com ar, direção, vidros e airbags, mas sem qualquer vestígio de ABS), Chevrolet Celta 1.0 (78 cv, ar, direção e mais nada por R$ 33 mil) e, claro, Volkswgen Gol 1.0 (72 cv, R$ 41.380 quando minimamente equiparado, ainda sem vários itens) são os rivais diretamente beneficiados pela derrota do Picanto no "tapetão".
O novato Nissan March 1.0 (74 cv, R$ 33.400 sem sonhar com ABS), mexicano de nascença, também sorri escancarado, assim como o ressuscitado Fiat 500 1.4 (motor de 88 cv e equipamentos bem próximos por R$ 40 mil).
O novato Nissan March 1.0 (74 cv, R$ 33.400 sem sonhar com ABS), mexicano de nascença, também sorri escancarado, assim como o ressuscitado Fiat 500 1.4 (motor de 88 cv e equipamentos bem próximos por R$ 40 mil).
IMPRESSÕES AO DIRIGIR
Trânsito pesado, semáforo fechado. Na primeira brecha, você pisa no acelerador, o Picanto dá o salto à frente enquanto o motorista do compacto à esquerda e do caminhão à direita ainda admiram o carro, embasbacados. Como o câmbio manual é extremamente preciso, no mesmo nível da aclamada caixa MQ200 da Volks, com um leve movimento você passa segunda e terceira marchas e chega à quarta com a vantagem de saber o exato momento das trocas.
Diferentemente da maioria dos inimigos, o modelo da Kia tem o conta-giros de série no painel e vai além, ao oferecer um indicador digital de quando e para qual marcha deve ser feita a troca. Parou em sua vaga no escritório, faculdade ou em frente ao bar, bastará apertar o botão para recolher os retrovisores e ter assunto com os amigos pelo resto do dia, ou da noite.
O conjunto é leve, graças à direção elétrica, mas sempre com bom controle do motorista. Instigou, o carro responde, ágil. E sem gritar demais, já que o motor de três cilindros com controle do regime de admissão das válvulas tem a função de se manter sempre na faixa de melhor aproveitamento da força e menor consumo. Aliviou o pé, ele se move suave como uma pena flutuando no ar. O silêncio a bordo da cabine é garantido pelo bom revestimento acústico e acabamento primoroso. "Primoroso", com plástico rígido? Sim, o Picanto é duro ao toque, mas tem nível similar ao do Honda Fit, por exemplo.
Claro que há escorregões, como o péssimo sistema de som, baixo e sem integração com Bluetooth -- tem entradas auxiliares e USB, mas isso não basta atualmente, e não sabemos se dá para trocar por algo mais potente sem ficar no prejuízo por conta da integração com o painel. O espaço, principalmente atrás, é bom para apenas duas pessoas (ou seja, quatro no total), que até podem ser mais altas, mas não mais cheinhas. E, claro, você terá de fazer compras reduzidas no supermercado... Mas em qual dos concorrentes do segmento a situação é diferente dessa?
Então, façamos um minuto de silêncio pelo Picanto, morto por arma de imposto sem sequer ter a chance de mostrar sua bravura. E por nossas garagens, que seguirão tristes e mal-equipadas.
Trânsito pesado, semáforo fechado. Na primeira brecha, você pisa no acelerador, o Picanto dá o salto à frente enquanto o motorista do compacto à esquerda e do caminhão à direita ainda admiram o carro, embasbacados. Como o câmbio manual é extremamente preciso, no mesmo nível da aclamada caixa MQ200 da Volks, com um leve movimento você passa segunda e terceira marchas e chega à quarta com a vantagem de saber o exato momento das trocas.
Diferentemente da maioria dos inimigos, o modelo da Kia tem o conta-giros de série no painel e vai além, ao oferecer um indicador digital de quando e para qual marcha deve ser feita a troca. Parou em sua vaga no escritório, faculdade ou em frente ao bar, bastará apertar o botão para recolher os retrovisores e ter assunto com os amigos pelo resto do dia, ou da noite.
O conjunto é leve, graças à direção elétrica, mas sempre com bom controle do motorista. Instigou, o carro responde, ágil. E sem gritar demais, já que o motor de três cilindros com controle do regime de admissão das válvulas tem a função de se manter sempre na faixa de melhor aproveitamento da força e menor consumo. Aliviou o pé, ele se move suave como uma pena flutuando no ar. O silêncio a bordo da cabine é garantido pelo bom revestimento acústico e acabamento primoroso. "Primoroso", com plástico rígido? Sim, o Picanto é duro ao toque, mas tem nível similar ao do Honda Fit, por exemplo.
Claro que há escorregões, como o péssimo sistema de som, baixo e sem integração com Bluetooth -- tem entradas auxiliares e USB, mas isso não basta atualmente, e não sabemos se dá para trocar por algo mais potente sem ficar no prejuízo por conta da integração com o painel. O espaço, principalmente atrás, é bom para apenas duas pessoas (ou seja, quatro no total), que até podem ser mais altas, mas não mais cheinhas. E, claro, você terá de fazer compras reduzidas no supermercado... Mas em qual dos concorrentes do segmento a situação é diferente dessa?
Então, façamos um minuto de silêncio pelo Picanto, morto por arma de imposto sem sequer ter a chance de mostrar sua bravura. E por nossas garagens, que seguirão tristes e mal-equipadas.
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