terça-feira, 7 de junho de 2011

Religião, língua e risco de duplo sentido influem no nome dos carros

“Escolha do nome é um dos processos mais complicados em uma companhia de carros”, diz Gustavo Colossi, diretor de marketing da Chevrolet do Brasil. Além de longa – a ponto de demorar mais de um ano– , a definição requer atenção, responsabilidade e estratégia para que o modelo não seja motivo de piadas, preconceito e, consequentemente, fracasso nas vendas.

O gerente de marketing da Volkswagen, Enrique Sampaio, revela que o Novo Gol (geração 5) por muito pouco não recebeu outro nome. Segundo ele, a decisão de manter a fabricação do Gol geração 4 causou problemas na hora de ‘bater o martelo’. Mas a tradição prevaleceu. “O Gol é uma marca dentro da marca. Representa muito para o consumidor da Volkswagen. Não fazia sentido não ser Gol o novo produto”, conta.s montadoras não seguem um único método, cada uma tem sua própria maneira de fazer a escolha. Todas, no entanto, começam a trabalhar no nome quando se conhece as características do futuro produto. “Primeiro tentamos entender para quem vamos fabricar o veículo, quais serão suas características e qualidades”, explica Reinaldo Siffert, gerente de marketing da Citroën do Brasil.Durante o desenvolvimento, o automóvel é tratado internamente por um nome código – muitas vezes uma união de números e letras que não faz o menor sentido para o consumidor. Neste período, o departamento de marketing sugere inúmeros nomes. Depois, de acordo com Colossi, uma lista com dez a 15 é fechada. “Estes passam por uma avaliação mundial para ver se enfrentarão problemas de fonética ou de interpretação (ambiguidade) em algum dos mercados onde o veículo estará presente”, detalha o executivo. Descobrir se os nomes aludem a questões religiosas, gírias ou modismos também faz parte da análise.Sampaio detalha que muitos veículos que nascem para ser comercializados em um único país podem ser futuramente exportados para outras localidades. Por isso o nome deve ser cada vez uma decisão global da marca em vez de um mesmo veículo ter vários nomes conforme o país/continente. Em algumas ocasiões, isso não é possível. No ano passado, a Chery lançou o Cielo, modelo que é chamado de A3 no exterior, mas que aqui não poderia receber esse nome porque já existia o Audi A3. A solução para o impasse foi eleger o nome 'brasileiro' por meio de um concurso na internet.
Em geral, quando aprovada a lista com os preferidos, os nomes passam por uma nova triagem, agora envolvendo o marketing e a direção das montadoras. São definidos então os finalistas, que se resumem a três, quatro ou cinco nomes. A decisão final cabe à diretoria mundial da marca. “O nome deve estar definido um ano, um ano e meio antes do lançamento oficial. E ele só poderá ser revelado 60 dias antes”, detalha Colossi.
Marca 'reserva' nomes
Definido o nome, a montadora realiza uma busca mundial para saber se nenhuma marca registrou aquele nome. A Peugeot, por exemplo, que utiliza números para 'batizar' seus carros, já patenteou todas as combinações numéricas que tenham ‘0’ (zero) no meio (de 101 a 909). Por isso, no Salão de Frankfurt de 1963, a Porsche, ao apresentar o modelo 901, foi obrigada a mudar o nome do esportivo para 911.
Algumas montadoras realizam, antes do lançamento do produto, clínicas com clientes em potencial. Elas servem para o marketing saber se o nome terá boa aceitação entre os consumidores. O nome Agile, da Chevrolet, foi definido utilizando essa ferramenta.
SignificadosNos carros da Peugeot, cada numeral tem seu significado. No 207, por exemplo, o ‘2’ indica que o modelo faz parte do segmento de hatch compacto. Já o ‘7’ diz que o carro está em sua sétima geração. O zero no centro indica que é um produto Peugeot, uma tradição que teve início há mais de 200 anos ainda quando a família atuava em outros ramos industriais.
Com relação aos comerciais leves, a Peugeot não segue a mesma tradição. Exemplos são a van Boxer e o utilitário Partner. A picape compacta Hoggar, um projeto 100% brasileiro, herdou o nome de um carro-conceito da marca que demonstrava muita robustez. Hoggar é o nome de uma cadeia de montanhas no deserto do Saara, na África.
Um caso curioso é o da van Besta, comercializada pela Kia Motors no Brasil a partir do início dos anos 1990. Segundo a montadora sul-coreana, o veículo se chamaria ‘Best A’ ¬- ‘Melhor A’, na tradução ao pé da letra. Porém, na hora de grafar o nome, a Kia juntou todas as letras, formando a palavra Besta. Por aqui, a marca realizou em 1993 uma clínica para ver a aceitação e a direção optou por manter o nome, que, segundo a Kia, também significa “trabalho”, “trabalhador”, entre outras coisas.
Ainda falando de Kia, o modelo Rio recebeu o nome em homenagem à ‘Cidade Maravilhosa’. O monovolume Carnival remete à festa popular Carnaval, nome ideal – de acordo com a Kia – para um veículo destinado à busca de lazer e versatilidade.

A inspiração dos nomes pode vir de todas as partes. Nos Estados Unidos, é comum a General Motors dar a seus carros nomes de lugares, como a picape Colorado ou o sedã Malibu, hoje comercializado no mercado brasileiro. A Fiat, por sua vez, gosta de trazer a cultura da Itália para seus veículos. Siena é uma homenagem à cidade. Doblò e Ducato são nomes de moedas utilizadas em outras épocas. E Palio é uma clássica corrida que acontecia em Siena.
A Citroën, por tradição, mescla letra e número. O C significa ‘Citroën’ e o número, o tamanho do carro. Atualmente as famílias da montadora francesa vão de 1 (C1, subcompacto comercializado na Europa) a 8 (C8, monovolumes familiares). A curiosidade é que, lembra o gerente de marketing da marca no Brasil, não existe um modelo C7. “Quem sabe um dia”, brinca Siffert. Já a nomenclatura Picasso é uma referência a veículos espaçosos e mais requintados.

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