A Chevrolet, principal marca da General Motors, completa 100 anos no próximo dia 3 de novembro em plena campanha para que seu centenário não vire "sem ter nada", como diz a anedota futebolística. Responsável por 51% das vendas mundiais da GM (cerca de 4 milhões de carros), face global (e popular) do grupo, a marca da gravatinha dourada parece apostar suas novas fichas em uns poucos modelos e num único mercado.
Em 2012, excetuando os Estados Unidos, o país em que mais se venderão carros da Chevrolet será a China. Hoje esse segundo lugar pertence ao Brasil, seguido de México e Argentina -- mas é o próprio vice-presidente da operação verde-amarela, Marcos Munhoz, que assegura a inevitabilidade da ultrapassagem. "E era para ter acontecido neste ano [2011]", acrescenta o executivo, "comemorando" o derradeiro segundo lugar da filial durante encontro com jornalistas em Indianápolis, nos Estados Unidos, no sábado (28).
A Chevrolet é a maior vendedora de carros na América Latina, mas no Brasil fica atrás de Fiat e Volkswagen. No entanto, considerando o bolo inteiro, a fatia da marca no país é suficiente -- porque cabe aos chineses, com um mercado de 13,8 milhões de carros em 2010, acrescentar o fermento.
A GM opera no país oriental por meio da associação da Chevrolet com a Saic (Shanghai Automotive), fabricante de capital estatal baseada em Xangai. Em 2010, as vendas dispararam 63% e chegaram a 543,7 mil veículos. No Brasil, no mesmo período, foram cerca de 658 mil. O dado oficial mais recente em relação à joint-venture é de abril: a Saic/GM vendeu na China 97.761 carros, aumento de 9,15% em relação ao mesmo mês de 2010. Tomado como média mensal, o número anualizado chegaria a mais de 1,15 milhão de carros -- incluindo modelos Buick e Cadillac. O Chevrolet Sail, o nosso Classic em geração mais nova, emplacou 125 mil unidades, enquanto o Cruze (mais sobre ele adiante) foi a 190 mil unidades.
A força da Chevrolet na China explica a relativa tranquilidade que executivos da GM têm demonstrado em relação à chegada dos carros chineses ao Brasil. Por exemplo, ela foi das poucas montadoras relevantes que não cortou preços como reação ao JAC J3. Nós também somos uma montadora chinesa", chegou a dizer o presidente da GM América Latina, Jaime Ardila, durante o Salão de Detroit deste ano.
CRUZE, CRUCIAL
Falando especificamente de modelos, está cada vez mais claro o quanto a Chevrolet aposta no Cruze, especialmente em mercados mais maduros e exigentes do que a China -- e isso inclui o Brasil.
Sedã compacto apresentado em 2008 e lançado em 2009, o modelo acaba de ganhar um irmão hatchback e deve começar a ser vendido no Brasil -- depois de ter estreado em mercados menores, como o de países da Europa e o da Argentina, ou menos sofisticados, como o da China -- em agosto ou setembro. O executivo de marketing Gustavo Colossi, da GM Brasil, desfila os números: desde o lançamento foram emplacadas 675 mil unidades do Cruze somente na Europa, e apenas de janeiro a abril últimos o número de vendas globais do carro bateu em 200 mil, projetando no mínimo 600 mil unidades em 12 meses.
Se a boa aceitação do Chevrolet Cruze no mercado europeu não é façanha pequena, no Brasil o carro deve ter vida mais fácil. Há muito tempo é esperada uma resposta da marca aos modelos japoneses -- Toyota Corolla e Honda Civic --que dominam o segmento dos sedãs médios sem tomar conhecimento dos rivais das grandes marcas. O combalido Vectra já não dá conta do recado há alguns anos.
O interesse suscitado pelo Cruze entre os brasileiros será grande, até porque o carro tem linhas e detalhes fortes que chamam a atenção mesmo aqui nos Estados Unidos, onde já rodam muitos modelos Chevrolet com a atual identidade visual da marca, a grade dianteira dividida por uma barra horizontal na cor da carroceria. Entre outros, os sedãs Malibu e Impala e o SUV Traverse.
Segundo Colossi, a chegada do Cruze ao Brasil não implica necessariamente a extinção imediata de outro carro da marca. O esperável enxugamento do portfólio da Chevrolet (que hoje vende nada menos do que sete sedãs no país) poderá acontecer somente após auscultar o mercado, e depois de um inchaço transitório. Isso significa que o Cruze deverá conviver com o Vectra, este talvez numa versão mais simples, por algum tempo. E a carroceria hatch do novo modelo certamente matará o Vectra GT, mas o Astra pode sobreviver -- afinal, vende bem.
A má notícia, já especulada pela imprensa automotiva, é que o Cruze deve ter um preço salgado. Quase certamente sua versão de entrada estreará com valor acima dos R$ 60 mil. Em troca, o eventual comprador levaria para casa conteúdos "inéditos em outros modelos do segmento", como diz Colossi, sem revelar quais -- nossa aposta é que serão itens de conforto e interatividade/conectividade. "Não é preciso ser o carro mais barato de um segmento para vender em bom volume", afirma o executivo. "O Cruze estará um nível acima".
IMAGEM E ENERGIA
Outros dois modelos importantes na estratégia de renovação da Chevrolet são o Camaro e o Volt. O esportivo, relançado em 2008 e vendido no Brasil desde o ano passado, é para nós um "carro de imagem", no sentido de que enche a bola do dono e também da fabricante, que por meio dele mostra o que tem de melhor em termos de projeto e tecnologia. Pouco mais de mil unidades foram emplacadas no Brasil. Nos EUA, o Camaro atinge bom volume de vendas, e a megaexposição da versão conversível na prova das 500 Milhas de Indianápolis, em que foi usada como pace car, deve render frutos imediatos à Chevrolet.
Camaro SS conversível: carro esportivo é símbolo da "nova" Chevrolet
Mas a faceta mais importante dele é a de ícone da resiliência da GM. Basta lembrar que sua apresentação aconteceu logo após o estouro da crise financeira de 2008, e que suas vendas começaram sob a sombra da concordata da empresa. E, no entanto, ele permenece.
Já o Volt, "veículo elétrico com autonomia estendida" (ou EREV, na sigla em inglês), seria o ícone de como a GM responde bem às crises ambiental e energética, ao mesmo tempo em que fabrica o beberrão Camaro. É uma contradição em termos, mas o Volt não está sozinho nisso: o Cruze ganhou este ano uma versão denominada Eco aqui nos EUA, e a volta da Chevrolet à Indy em 2012 será com um motor biturbo de 2,2 litros, com seis (e não oito) cilindros em V, injeção direta e movido a E85, coquetel que pode chegar à proporção de 85% de etanol e 15% de gasolina. É exemplo de downsizing (motor menor com performance superior e emissões e consumo reduzidos), de uso de energia alternativa, e também uma plataforma de lançamento de tecnologias para carros de passeio.
Não há previsão de vender o Volt no Brasil, mas em 18 de junho ele estará exposto (parado) num festival musical em São Paulo, o Skol Sensation, e até o final do ano deverá aparecer em eventos públicos -- em várias cidades do país -- que aludam à sustentabilidade, com forte apelo junto ao público jovem.
O FUTURO
A crise iniciada em 2008 não empanou a grandeza da Chevrolet. Desde 1911, cerca de 207 milhões de carros da marca foram vendidos em todo o mundo. Calcula-se que 66 milhões deles estejam em uso neste momento. Um Chevrolet é emplacado no planeta a cada sete segundos.
Números impressionantes, mas rejuvenescer a imagem e a base de clientes é ponto de honra (e questão de sobrevivência) para a marca. E isso implica virar a página de seu primeiro século de vida -- no qual foi do céu, ao se tornar parte do American way of life nos anos 1950-60, ao inferno, ao ver sua companhia-mãe reconhecendo publicamente que fabricava carros inferiores, num dos maiores vexames corporativos da história do capitalismo.
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