O presidente mundial da Whirlpool, líder global na fabricação de eletrodomésticos, diz que a melhor estratégia para as crises é manter o lucro mesmo nos piores cenários
São Paulo - O americano Jeff Fettig comanda há oito anos a Whirlpool,
maior fabricante mundial de eletrodomésticos, com receita de 19 bilhões
de dólares e 68 000 funcionários. Mas seu trabalho nunca foi tão
difícil quanto nos últimos meses. Fettig precisa lidar com o aumento do
custo da mão de obra e das matérias-primas, e uma demanda abaixo do
esperado em seus principais mercados.
Ainda assim, a empresa conseguiu dobrar sua margem de lucro nos últimos
dois anos graças a um pesado programa de corte de custos — que eliminou
mais de 5 000 vagas ao redor do mundo. Fettig, que está na empresa
desde 1981, diz que não cortou os gastos com inovação — “o combustível
de nosso negócio”. Em visita a São Paulo, ele falou a EXAME.
EXAME - A Whirlpool anunciou resultados acima das expectativas
dos analistas nos últimos trimestres. É um sinal de que a crise passou?
Jeff Fettig - Tivemos resultados muito bons nos
primeiros nove meses do ano, mas a crise ainda é muito severa nos
Estados Unidos, na Europa e agora até na Ásia, onde a demanda foi muito
fraca nos últimos meses. Aliás, a única região positiva do mundo é o
Brasil e a América Latina. Mas não podemos esperar pela recuperação.
Temos de nos ajustar à demanda mais fraca.
EXAME - O que dá para fazer em um cenário de demanda em queda?
Jeff Fettig - Primeiro, acelerar o investimento em
novos produtos e inovação. É isso que dá combustível à nossa empresa. Ao
mesmo tempo, precisamos eliminar capacidade improdutiva, reduzir custos
fixos e continuar a tomar fortes ações de produtividade. Está
funcionando. Fomos capazes de dobrar as margens desde 2010 para um nível
muito bom neste ano graças à disciplina e ao lançamento de produtos de
maiores margens.
EXAME - Cortar é uma decisão difícil...
Jeff Fettig - É difícil, mas necessária. Já estamos no
ano número 4 da recessão. Ainda que eu veja sinais de recuperação,
especialmente nos Estados Unidos, não sei se ela vai chegar em seis
meses ou dois anos. Então, fizemos o certo. Na América Latina, a
situação é bem diferente.
Aqui também vivemos um ano desafiador, mas tivemos recorde de
faturamento e lucro. Aliás, o Brasil já é o nosso segundo maior mercado,
atrás só dos Estados Unidos. Temos dois grandes desafios aqui, que nos
obrigam a ser mais produtivos: a variação do câmbio e a inflação.
EXAME - Como lidar com mercados em situações tão diferentes?
Jeff Fettig - É parte da tarefa de liderar uma
companhia global. Por sorte, eu tive a oportunidade de ter muitas
experiências distintas. Comecei minha carreira nos Estados Unidos,
depois fui para a Europa e então para a Ásia. Isso acontece com muita
gente na Whirlpool. O melhor jeito de liderar um negócio global é viver
em um ambiente global. Pelo menos 50% de nossos altos executivos no
Brasil, por exemplo, já viveram em outros países. Lidar com a
complexidade é muito mais fácil quando você já viveu em outros
mercados.
EXAME - Recentemente, a Whirlpool entrou em uma disputa por
patentes com a coreana LG. Essa é a melhor forma de lidar com a
concorrência asiática?
Jeff Fettig - Investimos milhões de dólares por ano em
tecnologia. Quando as pessoas violam isso, é nossa obrigação tentar
resolver de forma particular e, se não der certo, levar para a corte. No
caso da LG, eles violaram nossa patente, então processamos. Isso não é
novo. Já tivemos muitos litígios com algumas dessas mesmas empresas. Nós
acreditamos em servir a lei em todos os mercados que atuamos. E
esperamos que os outros façam o mesmo.
EXAME - Mas, além disso, como competir com empresas chinesas e coreanas?
Jeff Fettig - Sendo os melhores no mercado. É tão
simples quanto isso. Nós somos líderes globais e estamos no mercado há
101 anos. E acreditamos que todos os dias precisamos reconquistar os
consumidores. Acreditamos em grandes marcas, em grandes produtos, em
grandes pessoas. Se tivermos esses três elementos, estaremos no jogo.
EXAME - E preço? É importante ter um preço mais baixo que o da concorrência?
Jeff Fettig - Nós investimos em novos produtos para
torná-los mais acessíveis. Assim, mais gente no Brasil poderá
comprá-los. Mas também fazemos provavelmente os produtos mais caros do
mercado. E todos oferecem grande valor para os consumidores. Esse é o
segredo. Pode ser uma máquina de lavar que custa 700 ou 2 700 reais —
quem compra precisa ver valor no produto.
Não acreditamos em vender produtos para perder dinheiro. Se fizéssemos
isso, não poderíamos reinvestir em inovações — e ficaríamos para trás.
EXAME - A Whirlpool está trazendo de volta para os Estados
Unidos a fabricação de alguns produtos. A manufatura vai voltar aos
países desenvolvidos?
Jeff Fettig - Oito em cada dez produtos vendidos nos
Estados Unidos já são fabricados no país. No Brasil, a média é de 90%.
Na China e na Índia acontece a mesma coisa. Mas as coisas mudam muito
rápido. No último ano, trouxemos produtos da China, da Alemanha e do
México de volta para os Estados Unidos. Mas trocamos fornecedores dos
Estados Unidos para México e China.
O ponto é: a cadeia muda, o custo muda, o câmbio muda, os custos de
logística também mudam. Queremos sempre saber onde os melhores custos e a
melhor qualidade estão. Olhamos isso o tempo todo e ajustamos todo dia,
todo mês, todo ano. O país ideal é aquele em que conseguimos fabricar
com o melhor preço e a melhor qualidade. E perto do cliente.
EXAME - Obviamente é bom ser o número 1. Mas é importante?
Jeff Fettig - Eu não me preocupo em ser o maior, mas
em ser o melhor. Afinal, liderança em vendas pode mudar do dia para a
noite. Alguém pode comprar alguém. Queremos ser a empresa que dá os
melhores retornos para que os acionistas queiram investir mais em nossos
papéis. Eu posso vender mais de 1 milhão de unidades e perder dinheiro.
Algumas empresas fazem isso. Nós, não.
EXAME - Onde está a maior oportunidade: no topo ou na base da pirâmide?
Jeff Fettig - É preciso ter uma renda mínima para
comprar um eletrodoméstico. Varia de país para país, mas o número mágico
é uma renda anual de 5 000 dólares por casa. Na maior parte dos
mercados, como Brasil e Índia, atingimos 90% das pessoas. É apenas na
base dos 10% mais pobres que ainda não descobrimos uma forma de ganhar
dinheiro.
É um desafio. Mas acreditamos na inovação para as massas e temos
conseguido encontrar soluções em diversos países. No Brasil, fazemos uma
máquina de lavar que é a mais barata do mercado. Custa apenas 700
reais. Na Índia, nosso produto mais vendido é um refrigerador de 180
litros que não tem sistema de descongelamento automático. Ele custa só
200 dólares.
EXAME - Qual é o maior desafio de liderar uma multinacional com 68 000 funcionários e presença em dezenas de países?
Jeff Fettig - É fazer com que a Whirlpool se porte
como uma empresa pequena, em que todos saibam as prioridades. Numa
empresa grande, essa comunicação é difícil. Eu viajo 50% do meu tempo
para me encontrar com centenas de executivos ao redor do mundo. E
estimulo todos do meu time a fazer o mesmo.
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