Em meados de 2008, a consultora ambiental Sandra Satim comprou um apartamento de dois dormitórios no bairro de Vila Carrão, na zona leste de São Paulo. O imóvel tinha entrega prometida para abril de 2010, mas ela só recebeu as chaves no mês passado, quase dois anos depois.
"Todos os meses eles mudavam a data de entrega e não davam nenhuma justificativa. Hoje me arrependo de ter comprado o imóvel na planta e de não ter tomado alguns cuidados. Deveria ter investigado melhor a construtora", diz Sandra Satim, que entrou na Justiça para pedir indenização por danos morais e o pagamento dos valores gastos com a prorrogação do contrato de aluguel.
O empreendimento em que a compra foi feita, o Ecoway Carrão, pertence à Ecoesfera Empreendimentos Imobiliários. Em nota, a empresa diz que o atraso "não foi diferente do que tem ocorrido no setor de incorporação e construção imobiliária". Segundo a Ecoesfera, o problema foi "causado principalmente por falta de mão de obra especializada e excesso de chuvas".
Queixas sobre não cumprimento de contrato subiram 237%
Desde o início do boom imobiliário no país, em 2008, até o ano passado, a quantidade de reclamações contra as construtoras aumentou quase quatro vezes em São Paulo, segundo o Procon, de 1.110 para 4.357.
A maior parte delas se refere ao não cumprimento do contrato, especialmente por conta do atraso na entrega. Foram 1.420 queixas do tipo no ano passado, ante 421 em 2008. O aumento no período foi de 237%.
Nas associações de mutuários, as queixas também têm se multiplicado. Segundo levantamento da AMSPA (Associação dos Mutuários de São Paulo e Adjacências), o número de reclamações sobre atraso na entrega da obra em São Paulo foi de aproximadamente 1.920 entre janeiro e novembro de 2011. O resultado representa uma elevação de 45% em relação ao mesmo período de 2010, quando foram registrados 1.324 casos.
Sindicato admite ‘erros de planejamento’
Em nota, o SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo) admite que "um pequeno número de empresas pode ter cometido erros de planejamento".
Para o sindicato, no entanto, na maior parte dos casos o aumento no número de atrasos está ligado ao próprio crescimento do mercado. Entre outros motivos estariam, também, os já citados pela Ecoesfera: a falta de mão de obra especializada, que teria levado à contratação de pessoal não qualificado (o que diminuiu a produtividade), as chuvas fortes de 2011, o aumento da burocracia e o custo do material.
"Além disso, houve a crise financeira de 2008 para 2009", diz o vice-presidente imobiliário do Sinduscon, Odair Senra.
Especialistas criticam falta de planejamento
Para os especialistas em direito imobiliário, no entanto, esses argumentos não explicam tudo.
"Os reais motivos são a falta de planejamento e a busca cega pelo lucro sem se preocupar com a entrega", diz o advogado especializado em direito imobiliário Marcelo Tapai.
O advogado da advogado da ABMH (Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação), Leandro Pacífico, concorda. "Elas tentam se eximir de responsabilidade, mas esses são todos riscos do próprio negócio."
Segundo os especialistas, evitar esse tipo de dor de cabeça não tem sido fácil. Eles sugerem que o consumidor guarde toda a publicidade sobre o imóvel e faça uma pesquisa sobre a empresa antes de fechar negócio.
Senra, do Sinduscon, tenta tranquilizar quem já fez a compra e está à espera da entrega. "As obras que foram planejadas a partir de 2010 já consideraram um cenário diferente da economia, e acredito que isso vai fazer com que a questão dos atrasos volte à normalidade."
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