“What’s in the papers?” – o que há nos jornais? – era a expressão usada nos Estados Unidos para perguntar o que havia de novo. Isso foi no tempo em que os jornais tinham alguma importância e marcavam o Dia-Notícia, o lapso que se estendia entre os telejornais noturnos da véspera e a chegada dos matutinos no dia seguinte. Acabou o periodismo – exceto no quixotesco idioma espanhol, onde continua significando jornalismo. Entramos na era do fluxo contínuo, da informação ambiental, wi-fi, impregnada na atmosfera, nas paredes, nas nuvens.
Isso muda tudo, sobretudo a qualidade do conteúdo noticioso. O dilúvio informativo produzido pela internet liquidou o sistema de emissões periódicas (em cujos intervalos os profissionais podiam avaliar e hierarquizar o material coletado) e estabeleceu um jorro ininterrupto de informações que liquida relevâncias e a própria validade das novidades. O novo deixou de ser transcendente, o que vale é o número de tweets que um fato está produzindo.
Os jornais e a mídia informativa tradicional se conformaram com a perda do status referencial (custa menos, vamos em frente!). Hoje, o que fica solenemente registrado numa manchete de jornal muitas vezes não é o que aconteceu, é o que interessa. O que se designava como fato tornou-se factoide sem qualquer constrangimento. As novas mídias não têm qualquer compromisso com a veracidade e as tradicionais, por preguiça e mimetismo, adotam a mesma complacência.
Gostar de gostar
O lado bom desses desabamentos é que as certezas estão ruindo junto com as relativizações. A notícia hoje vale tanto quanto o seu desmentido. Ou melhor: sem a devida contestação e questionamento a notícia é menos notícia. O metajornalismo é um aplicativo dialético que o leitor mais atento aplica a cada informação que recebe. É o jornalismo do futuro.
Ao transformar a notícia em produto político, todos os players a colocam num sistema de quarentena até que dias depois, devidamente filtrada e checada pelos interesses contrários, pode ser finalmente aceita.
Isso ficou patente na cobertura da greve de policiais na Bahia: a repercussão nacional e internacional (claramente politizada) foi maior do que os efeitos concretos da paralisação na vida dos baianos. A trepidação artificial do noticiário não deixa espaço para análises ponderadas. Mesmo na esfera das estatísticas, teoricamente frias: o grande número de mortes ocorridas durante os doze dias de greve no estado – a maioria com características de execução por milícias – não foi muito maior do que a média semanal. Trombeteadas como foram, passaram a impressão de que o Pelourinho estava encharcado de sangue.
Além de ilegal, a parede policial baiana padeceu dos mesmos males de outras paralisações de serviços públicos no Brasil: esqueceu a garantia dos serviços mínimos à população. Quem acaba punido é o cidadão que nada tem a ver com a reivindicação e, em represália, exige das autoridades castigos exemplares para os faltosos.
A verdade é que apesar das férias de verão, nossa imprensa chega ao início do ano útil visivelmente estressada. Não devia: o leitor-ouvinte-telespectador não se impressiona com índices de audiência, gosta de gostar. Mesmo os publicitários estão mais atentos às subjetividades do que aos números. O Brasil é ainda um paraíso jornalístico, ler jornal aqui é sinal de status.
Fracassos e reversões
Os equívocos que estão sendo cometidos poderiam ser evitados se a instituição jornalística encontrasse uma maneira de ser menos refratária às críticas, mais permeável às reclamações. O leitor zangado é uma dádiva; criação do próprio jornal ou revista, deveria ser paparicado e não desprezado.
Nossa imprensa precisa mais da prudência de Fleet Street do que do frenesi de Madison Avenue. Ingleses, porque ilhéus, sabem enfrentar melhor as emergências e ameaças do que os americanos. O editorial e a reportagem do Economist reproduzidos neste Observatório sobre o Desastre Murdoch deveria estimular nossos empresários a sair dos respectivos casulos (ver “ Pronto para imprimir” e “Guardando os guardiões”).
O jornalismo periódico é uma história de sucessos. Fracassos e reversões só ocorrem quando a imprensa não consegue entender a história que ela própria está contando.
Por Alberto Dines - reproduzido do Observatório da Imprensa
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