segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Praça ou shopping


Muitos avanços aparentemente não relacionados no setor da computação foram de vital importância. A ideia de uma computação descentralizada e personalizada já começava a ser cogitada por empresas como Apple e Microsoft nos anos 1970. Por outro lado, o conceito de computação da IBM era de uma atividade centralizada e cara. Se esta visão tivesse prevalecido, a internet não teria ido além do e-mail. O fato de o seu telefone celular funcionar como um computador não é o resultado de tendências tecnológicas inevitáveis, mas de uma luta profundamente ideológica entre visões diferentes da computação.

Grande parte do mérito pelos avanços da rede cabe a pessoas como Vint Cerf, criador do primeiro protocolo de comunicação intrarredes, que ajudou a unificar as redes pré-internet; e de Tim Berners-Lee, que criou a World Wide Web.
Mas é impossível estudar a história da internet sem conhecer as aspirações de seus primeiros incentivadores, um grupo distinto de engenheiros, entre eles Stewart Brand, Kevin Kelly, John Perry Barlow, e o púbico que se formou em torno da revista Wired, quando lançada em 1993. No geral, homens da Califórnia que tinham ternas lembranças do hedonismo dos anos 1960.
Eles enfatizavam a importância da comunidade e do compartilhamento de experiências. Encaravam o Estado e suas instituições como obstáculos a derrubar. E qual melhor maneira de fazê-lo se não no espaço virtual?
Mas havia também um lado sério. Figuras como Nicholas Negroponte, cofundador do Laboratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Bill Gates, da Microsoft e Esther Dyson, comentarista e empreendedora, contribuíram para a internet não virar apenas o refúgio predileto dos hippies da Costa Oeste mas também um lugar para fazer negócios. E à medida que os pontífices do espaço virtual insistiam nas suas promessas, a internet se tornava o lugar para “se ter poder”.
E esse poder supostamente seria conseguido por meio da remoção de intermediários. As empresas de mídia tradicionais seriam substituídas pelos bulletin boards, fanzines eletrônicos e, depois, por fóruns e blogs. Os representantes eleitos seriam substituídos por “comunidades virtuais eletrônicas”, com eleições diretas online.
De um modo geral, a visão de um mundo sem intermediário satisfazia antigos hippies comunitários e especialistas cibernéticos libertários. Ambos queriam que a internet nivelasse o mundo, tornando-o mais justo.
Por que os investidores viram-se tão atraídos pela internet é um mistério: o mercado da publicidade online na época era minúsculo e o número de usuários da rede era desprezível. Em 1995, eram apenas 15 milhões, de acordo com o Internet World Stats.
Novas empresas pipocavam, mas, no caso da maioria, as apostas eram promessas de um futuro brilhante e não em serviços reais. A despreocupação dos investidores com os métodos tradicionais de avaliar o desempenho financeiro indica que o seu julgamento foi eclipsado por uma combinação tóxica: a retórica dos incentivadores New Age da internet e as promessas neoliberais de novas maneiras de fazer bons negócios.
Muitas empresas de internet concentraram sua atividade na publicidade e, assim, ficaram à mercê das tendências daquele setor – a personalização é a mais importante delas. Os anúncios online eram ajustados aos interesses de um dado usuário. Quanto mais o website conhece do usuário, mais eficaz é a promoção feita.
Como fim lógico dessa crescente personalização, cada usuário acabou tendo sua própria experiência online. Algo muito distante da visão inicial da internet como espaço coletivo. Em vez de internet, podemos começar a falar de um bilhão de “internets”: uma para cada usuário.
O poder sonhado se revelou uma ilusão. Os usuários da rede podem achar que desfrutam de livre acesso a serviços interessantes, mas estão pagando por esse acesso com sua privacidade. Grande parte do nosso compartilhamento de informações parece banal. Mas quando a informação é analisada com dados de outros serviços similares, ela pode gerar insights sobre indivíduos e grupos profundamente interessantes para marqueteiros e agências de inteligência.
Se sabem o que você come, podem também descobrir o que você lê; a partir daí, não é difícil conhecer suas preferências políticas e manipulá-lo. Estamos rumando a um futuro onde a privacidade vai virar um bem caro. Já há empresas, criadas recentemente, oferecendo privacidade mediante a cobrança de “uma taxa”.
Embora estejam nos delegando poder como consumidores, estamos perdendo essa capacidade como cidadãos, algo que os profetas digitais que pregavam a libertação por meio do espaço virtual não previram. As “reuniões comunitárias eletrônicas a nível de governo ” jamais decolaram. Quando o presidente Barack Obama tentou realizar uma logo após ser eleito, a pergunta mais frequente foi sobre a legalização da maconha. A internet não substitui a política – ela a aumenta e amplifica.
Talvez a incompatibilidade entre ideais digitais e a realidade possa ser atribuída à ingenuidade dos pontífices da tecnologia. Mas o problema real é que os primeiros visionários da internet jamais conseguiram traduzir suas aspirações de um espaço virtual compartilhado num conjunto de princípios concretos com base nos quais seriam criadas regras de uso da internet.
Quem tira o lixo? Algumas questões fundamentais envolvendo os aspectos coletivos da internet foram abandonadas. Quem se encarrega de tirar o lixo? Ou seja, quem deve lidar com os spams e fraudes online? Quem é o responsável pela preservação da memória histórica, ou seja, os efêmeros tweets e postagens de blogs que tendem a desaparecer no vazio digital? Quem vai proteger a dignidade dos cidadãos? Quem vai se encarregar da proteção da privacidade contra a difamação e a calúnia?
Os fundadores da internet tinham intenções louváveis. A visão utópica da internet como um espaço compartilhado de modo a aumentar ao máximo o bem-estar coletivo é um bom modelo para se trabalhar. Mas eles foram atraídos pela possibilidade de “grandes lucros” e viram-se apanhados na armadilha do discurso da “autonomia e poder pessoal”, simplesmente um ardil ideológico para ocultar os interesses das grandes companhias e reduzir a intervenção do governo.
A situação como está hoje não é irreversível. Ainda temos alguma privacidade e as empresas ainda podem ser controladas por meio de regulamentos inteligentes. Mas precisamos parar de pensar na internet em primeiro lugar como um mercado e depois como um fórum público. O que falta, há muito tempo, é um reexame fundamental da primazia das dimensões cívicas da internet. Está na hora de decidir se o que queremos da internet é que seja um shopping privado ou uma praça pública. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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