Ele diz que não. Mas, com a compra da Motorola, sinaliza que seu interesse vai além do portfólio de patentes. Ele aponta para a melhora do Android e a briga com a Apple
Por Andrew Ross Sorkin, The New York Times
Nos idos de 2004, Eric Schmidt, então diretor executivo do Google, afirmou: “Não vamos entrar no ramo dos celulares, mas vamos garantir que o Google esteja nos celulares”. No entanto, menos de um ano mais tarde, o Google fez exatamente o contrário.
De acordo com a descrição feita por Steven Levy no livro In The Plex, o Google logo adquiriu o Android, o sistema operacional para celulares, e começou a erguer uma divisão de celulares que desde então se transformou num verdadeiro colosso. Mesmo depois de adquirir o Android em 2005, o Google continuou fazendo pouco de seus planos para entrar no ramo dos celulares por muitos anos.
Foi somente em meados de 2008 que Steve Jobs, da Apple, finalmente reparou o que estava acontecendo e foi ao escritório do Google para inspecionar um de seus protótipos de celulares.
A distração tática do Google fazia sentido: em 2006, Schmidt já tinha se tornado membro do conselho da Apple e o Google era considerado um importante parceiro da fabricante dos iPods e iPhones. Mas, quando viu o celular do Google, Jobs ficou “furioso” e “concluiu que tinha sido vítima de um embuste”, de acordo com o relato de Levy. (Schmidt afirma que em nenhum momento iludiu Jobs.)
Essa pode ser uma história instrutiva quando pensamos nos US$ 12,5 bilhões que o Google investiu na compra da Motorola Mobility, que fabrica celulares e aparelhos decodificadores para televisão.
Novo mercado. O Google está descrevendo a compra não como uma forma de adquirir uma posição no mercado dos celulares, e sim como uma oportunidade de comprar o portfólio de patentes da Motorola – são aproximadamente 17 mil patentes.
Durante a videoconferência da empresa com analistas e representantes da mídia, executivos do Google falaram muito no quanto eram valiosas as patentes da Motorola (isso foi dito 24 vezes); ainda assim, o ramo dos celulares da Motorola foi mencionado de maneira quase casual. O foco do Google nas patentes em lugar dos celulares em si faz sentido até demais: o sistema operacional Android, da empresa, há muito mantém um formato de código “aberto”, sendo usado por um amplo ecossistema de fabricantes de celulares como Samsung e HTC.
Essas empresas investiram bilhões de dólares nas suas operações centradas no Android e ajudaram a tornar essa plataforma mais popular do que o sistema operacional da Apple. Tais fabricantes de celular terão agora de concorrer com o Google. “O Google não pode admitir publicamente que o seu objetivo final é tornar o Android um sistema fechado e pago”, disse Tavis McCourt, analista do Morgan Keegan Equity Research.
Apesar dos protestos do Google, McCourt diz acreditar que, em questão de dois ou três anos – depois que a Motorola ampliar seus canais de distribuição na Europa, onde ainda é fraca se comparada a concorrentes como Samsung e outras –, o Google começará a fechar a plataforma Android ou a construir recursos especiais para seus próprios celulares, que não seriam disponíveis nos aparelhos de suas “parceiras”. E, mesmo que o Google optasse por manter o Android como uma plataforma “aberta”, o lançamento de um celular incrementado com funcionalidades e recursos exclusivos por parte da empresa poderia irritar suas atuais parceiras de hardware.
Integração. Para os consumidores, no entanto, um celular fabricado pelo Google resolveria finalmente o problema de integração vertical do sistema Android, criando um produto bem acabado de um extremo ao outro do processo de fabricação e possibilitaria uma concorrência mais direta com o iPhone, há muito elogiado por causa do fato de a Apple ser capaz de controlar todos os aspectos do seu aparelho, do software ao hardware.
De fato, a principal mensagem de relações públicas transmitida pelo Google na sua compra da Motorola Mobility pode ter sido inspirada no precedente estabelecido pela Research in Motion (RIM), fabricante do BlackBerry, quanto ela adquiriu a QNX Software Systems, uma unidade de software da Harmon International, há pouco mais de um ano.
Na época do acordo, a RIM disse que estava comprando a QNX para entrar para o ramo dos automóveis e do entretenimento informativo, pontos fortes da QNX. A RIM fez pouco das especulações segundo as quais a QNX poderia ser usada na próxima geração do sistema operacional do BlackBerry.
É claro que tais afirmações não foram totalmente sinceras: hoje é a QNX que desenvolve o sistema operacional da RIM. “Eles não podiam declarar abertamente suas intenções porque os desenvolvedores teriam parado de preparar aplicativos para a versão atual do sistema do BlackBerry”, disse McCourt.
A necessidade de transmitir uma mensagem desse tipo pode também decorrer do fato de o Google precisar da aprovação dos reguladores, que podem tentar bloquear a compra se um certo número de fabricantes de celulares se manifestar contra a aquisição. Na segunda, 15, todas as fabricantes de celulares que usam a plataforma Android declararam seu apoio ao acordo com base na ideia de que ele protegeria o Android de possíveis litígios envolvendo patentes.
Além das patentes. Nada disso deve sugerir que seja falsa a afirmação do Google de que seu desejo de comprar a Motorola Mobility envolveria, em parte, a questão das patentes.
O Google esteve claramente envolvido numa iniciativa de compra de patentes relacionadas a celulares nos últimos 12 meses: a empresa perdeu uma guerra de propostas para comprar cerca de 6 mil patentes da falida fabricante de equipamentos de telecomunicação Nortel Networks. (Apple e Microsoft eram os principais nomes do grupo de empresas que fez a oferta vencedora.)
O cara do Android. Mas é inegável que o novo diretor executivo do Google, Larry Page, há muito se sente inclinado pelo ramo dos celulares e a compra da Motorola pode ser o ponto culminante destas ambições. Afinal, foi Page o executivo que trabalhou ativamente na compra do Android; ele tem sido o principal explorador das funcionalidades do produto. E foi ele quem pressionou o Google a participar dos leilões federais norte-americanos de espectro de banda sem fio nos últimos anos, numa época em que outros foram mais hesitantes – e, em alguns casos, se mostrou disposto a pagar mais para ficar com a banda que ele quer.
“Ele é o sujeito por trás do Android”, disse Levy numa entrevista. “Larry é uma pessoa bastante ambiciosa. Ele gosta de apostar alto.”
Se ainda há dúvidas em relação à decisão do Google de comprar uma fabricante de celulares em lugar de apenas um portfólio de patentes, devemos considerar o seguinte: a InterDigital, empresa de licenciamento que possui cerca de 8 mil patentes de tecnologia sem fio e aguarda o registro final de outras 10 mil patentes, também está à venda.
O alvo seria outro. Muitos analistas da indústria estavam certos de que, se o Google estivesse mesmo interessado na aquisição de um portfólio de patentes, a InterDigital certamente seria o seu alvo. O valor de mercado da empresa é de apenas US$ 3 bilhões e ela não traz consigo a bagagem do ramo de celulares da Motorola.
“Se a compra tivesse como objetivo principal as patentes, o Google teria ido atrás da IDCC”, disse McCourt, referindo-se à sigla atribuída às ações da InterDigital. Adivinhe o que ocorreu com as ações da InterDigital na segunda? Seus preços caíram 14% agora que tornou-se improvável que o Google a compre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário