quinta-feira, 19 de maio de 2011

Importadores defendem restrição do governo em aliança informal contra Anfavea

Quem apostou em choradeira e reclamação por parte dos importadores, após a imposição pelo governo de maior restrição à entrada no país de carros fabricados no exterior, se enganou. Numa das reuniões mais concorridas da Abeiva (Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores) nos últimos tempos, realizada nesta quarta-feira (18) em São Paulo (SP), o presidente da entidade José Luiz Gandini (que também é presidente da Kia do Brasil) fez questão de dizer e repetir a cada deixa que estava alinhado ao governo federal. Cercado de jornalistas e ao lado de outros seis integrantes da entidade, todos presidentes de importantes marcas importadoras como Audi, BMW e Jaguar/Land Rover, afirmou: "A Abeiva e as 30 marcas por ela representadas concordam com a decisão do Ministério [do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior] de ampliar o monitoramento do setor".

Desde o último dia 10, o governo voltou a exigir um pedido prévio de autorização para entrada de automóveis importados no Brasil, cuja avaliação pode demorar até 60 dias, de acordo com regras internacionais da OMC (Organização Mundial do Comércio). A medida não é inédita: foi implantada na década de 1990, quando o país abriu seu mercado à importação, mas deixou de ser necessária a partir de 2001, quando o método foi substituído pelo licenciamento informatizado e automático, feito no momento do desembarque do produto. Desde então, apenas a licença do Ibama demandava uma solicitação prévia e maior prazo.
A justificativa oficial do novo "monitoramento das importações", defendida pelo ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento), no entanto, tem sido combatida por especialistas e analistas da política externa, que dizem que a medida teria outros dois propósitos: servir de retaliação à decisão da Argentina de dificultar a entrada dos produtos brasileiros naquele mercado; e proteger a balança comercial e os exportadores nacionais, que estariam em desvantagem frente a uma "invasão" crescente de importados.
Ao mesmo tempo em que defende a ação do governo, a Abeiva apresenta suas próprias contas para mostrar que os chamados importadores têm pouca influência no desnível da balança comercial: de janeiro a abril deste ano, um total de 244.275 carros (ou pouco mais de 23% do total de 1.050.214 automóveis emplacados) entrou em circulação no país através da importação. A entidade, no entanto, diz ser responsável por apenas 52.074 carros -- que têm como origem Europa, Coreia do Sul ou China, principalmente. Este total representa 21,32% das importações totais de carros ou 4,96% de todos os carros zero registrados em 2011.
Este verdadeiro "exercício de humildade" da entidade -- afirmar que sua movimentação é tipicamente de baixa escala e, portanto, teoricamente incapaz de gerar qualquer desequilíbrio no mercado, após meses seguidos de demonstração de força e anúncios de crescimento expressivo -- é complementado pela afirmação de que o grosso da importação seria capitaneado por marcas ligadas à Anfavea (entidade representante das fabricantes instaladas no Brasil): as quatro grandes (Fiat, Volkswagen, Chevrolet e Ford) e as chamadas "newcomers" (as francesas Citroën, Peugeot e Renault e as japonesas Toyota e Honda à frente).
Trazendo, principalmente da Argentina, modelos de grande volume de vendas como o sedã Fiat Siena, a perua VW SpaceFox, o hatch Chevrolet Agile, o médio Ford Focus (hatch e sedã) e a picape Toyota Hilux, entre outros, estas marcas seriam responsáveis pelos outros 191.194 carros estrangeiros (78,2% do total de importados e 18,2% do mercado), desfrutando da isenção do imposto de 35%, estendida também a carros oriundos do México.
Com este raciocínio e a informal "aliança" com o governo, a Abeiva tenta fortalecer sua posição: com menor participação no mercado, teria menos a perder também.
VAI FALTAR CARRO IMPORTADO?
Esta é a questão que realmente importa ao público. E, segundo Gandini, a resposta é não, não haverá desabastecimento. Ele admitiu que o controle das licenças, que podem levar 60 dias até serem aprovadas, "atrapalha o sistema de importação num primeiro momento, por se tratar de uma questão nova que demanda adaptação da estrutura", mas disse acreditar que o atual estoque (suficiente para até 40 dias), a constante chegada de navios com novos lotes, e a rápida adaptação das empresas ao novo processo deve zerar qualquer possibilidade de desabastecimento do mercado de carros importados.

Ainda assim, o empresário fez questão de reforçar a postura de apoio ao plano do governo. "Agora, há o monitoramento, mas o consenso dentro da Abeiva é de confiança na ação ágil do governo, de forma que não deve faltar automóvel importado no mercado, nem dispensa de funcionários ou aumento de preços", complementou. Gandini disse acreditar que, após a adequação do Ministério e das empresas, os pedidos de licenças sejam liberados num prazo entre uma e duas semanas, bem abaixo do limite de 60 dias.
O MONITORAMENTO É BOM?
Ainda não se sabe. Mas a Abeiva não apenas se posicionou favorável à volta do processo, como apontou efeitos positivos da ação: o país passaria a ter controle total da origem, bem como do real valor pago por cada carro importado na origem e no mercado nacional, algo inexistente até então.
"Informações nos garantem que o procedimento foi retomado para monitoramento da origem real dos carros, pois até então não se sabia de onde vinham, quanto custavam, havia apenas sinais da balança comercial, se estava em alta ou em baixa", afirmou Gandini.
O PREÇO DO CARRO IMPORTADO VAI SUBIR?
Com uma série de argumentos habilmente coordenados, Gandini e outros dois membros da Abeiva, Paulo Sergio Kakinoff, presidente da Audi do Brasil e vice-presidente da Abeiva, e Sérgio Habib, presidente da chinesa JAC e representante da inglesa Aston Martin (veja quadro ao longo do texto), refutaram qualquer aumento no preço do carro importado e ainda indicaram que o monitoramento, longe de ser uma medida de protecionismo ao mercado interno e restritiva à importação, pode levar a um fortalecimento do processo de importação, transparência de valores e até redução dos preços praticados pelo setor automotivo como um todo.
"O automóvel importado não é o protagonista da balança comercial, então não acreditamos que [o monitoramento das importações] seja medida de restrição, até porque estamos em uma economia globalizada e aberta, e porque pagamos o teto de imposto [35%] previsto pela OMC", afirma Kakinoff.
O presidente da Audi afirma ainda que a medida deve, de fato, favorecer o importador de pequena escala (todos ligados à Abeiva) por desarmar o principal argumento das fabricantes instaladas no Brasil (ligadas à Anfavea), mas que também trazem veículos de fora. "O argumento de que carros produzidos na Argentina e no México geram empregos no Brasil com a produção de peças -- vidros, cabos, chicotes, entre outros tantos componentes -- não procede, pois esta produção, principalmente dos carros feitos no México, é marginal", afirma o executivo.
Habib vai além e afirma que o importado de marcas nanicas, que não dominam o mercado, tem o poder de regular o mercado. "Qualquer produto importado impede o fabricante nacional de aumentar seu preço: funciona com aço, com comida e com carro. O fabricante nacional tem de arcar com energia, pressão do sindicato e outros custos brasileiros, mas ainda há um componente aí que só é limitado pela presença do carro importado", afirma o presidente da chinesa JAC. "Veja a Ford: ela só abaixou o preço de seus carros em [nas cidades de] São Paulo e Rio de Janeiro, onde a JAC tem mais concessionárias. Quem está no Centro-Oeste, onde temos menor participação, não se beneficia de preços menores", provocou.
Gandini arremata a argumentação ao alinhar todos os elementos de uma equação favorável à associação dos importadores: "O governo sabe que segurar o preço do carro também é segurar a inflação. Se o importado ajuda a segurar o preço, então o governo precisa da gente."
No decorrer do dia, UOL Carros tentará contatar a Anfavea para confrontar as informações e publicará a opinião da associação na sequência.

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