terça-feira, 26 de abril de 2011

Na rua, na estrada, na pista: JAC J3 encara seu teste mais duro

OK, você certamente já ouviu falar da JAC Motors. Pode até escolher a pronúncia do nome: "djéc", como quer seu presidente, Sérgio Habib, ou "djác", como fala o apresentador Fausto Silva na propaganda do modelo J3, o primeiro da marca chinesa a ser vendido no Brasil.
Especialmente se você mora em São Paulo, há grandes chances de já ter passado diante de alguma concessionária JAC -- na capital paulista, elas ocupam prédios em algumas das principais avenidas. Muita gente assimilou a ideia de que trata-se da fabricante de veículos chinesa com maior lastro de credibilidade numa operação verde-amarela. Entre outras coisas, porque seus carros têm garantia total de seis anos.

Mas, afinal -- e sendo curto e grosso na pergunta: os carros da JAC prestam?


Mais precisamente: o J3, primeiro produto da marca a ser vendido em grande escala no Brasil, presta?


UOL Carros
conviveu com um J3 hatchback (há também a carroceria sedã, apelidada de Turin) durante quase duas semanas. Rodou 650 km com uma unidade praticamente zerada (o carro tinha menos de 200 km). Circulou pelas ruas de trânsito insano em São Paulo, deslizou nas boas e caras estradas paulistas e, fato raro ou mesmo inédito numa avaliação, participou de uma prova de regularidade em Interlagos. Tudo isso nos permite, cremos, dar a melhor resposta sobre um dos carros mais intrigantes (e importantes) lançados no Brasil no século 21.

ESTILO E INTERIOR

Antes de abordar o comportamento dinâmico do J3, valem algumas considerações sobre o estilo e o recheio do modelo. Uma das apostas da JAC é propagandear que, pelos preços fechados de R$ 37.900 (hatch) e R$ 39.900 (sedã), o dono de um J3 leva para casa um carro que não precisa de mais nada. "Ou você pega um completão, ou fica com um peladão", brincou Faustão durante o evento de lançamento à imprensa, em março último. Ao menos por enquanto essa frase não foi usada na publicidade da TV, mas ela expressa exatamente o que o experiente vendedor Habib -- introdutor da Citroën no Brasil -- diria a cada um dos potenciais compradores de um J3, caso trabalhasse num balcão de concessionária.

  • Murilo Gões/UOL Linhas do JAC J3, assinadas pela Pininfarina, não são ousadas, mas também não devem nada às dos demais hatches compactos do mercado brasileiro
De fato, o modelo tem muita coisa que, de um modo geral, só se obtém em carro vendido no Brasil quando se paga à parte, ou então em faixas de preço superiores -- digamos, perto ou acima de R$ 45 mil. Freios com ABS (antitravamento) e EBD (distribuição de força), airbags frontais, sensor de ré e faróis de neblina são exemplos de itens de segurança; ar-condicionado e regulagem elétrica dos retrovisores, de conforto; e rodas de liga-leve, de estilo. Compactos como Citroën C3 e Volkswagen Polo, tidos como "premium", não oferecem tudo isso de série e são mais caros (e têm garantias mais curtas).Pelo lado de fora o J3 entrega um design relativamente contemporâneo, mas ainda um tanto derivativo. A dianteira tem alguma personalidade, com grade e conjunto óptico em "U" formando um desenho (supostamente) inspirado em máscaras do folclore chinês -- mas a traseira parece de Fiat Palio velho, e nela se destaca o infeliz corte interno reto das lanternas, o qual, em vez de simplificar, complicou os contornos da tampa do porta-malas. A silhueta é mais alongada que o padrão dos hatches, mas o carro, na verdade, é curto: mede 3,96 metros, pouco mais que um Volkswagen Gol.

Em suma, não é um carro bonito, muito menos na insossa cor prata da unidade que testamos (o preto é mais interessante). Mas também não é feio. É neutro.


Por dentro o J3 se mostra um bom anfitrião. O espaço da cabine é suficiente para quatro adultos, aproveitando ao máximo o entre-eixos de 2,4 metros. Os materiais não são nobres, mas agradam bastante -- o plástico do painel frontal é texturizado, o tecido dos bancos é de boa qualidade e há aros cromados envolvendo as saídas de ar centrais. A posição de dirigir é boa, mas o assento do motorista clama por um ajuste de altura. O volante o possui -- mas não oferece regulagem de profundidade. E o inacreditável logotipo da JAC (uma estrela de cinco pontas) em seu centro sempre lembrará o motorista de que carro NÃO É um Mercedes-Benz.


Sempre? Bem, uma das características mais irritantes dos comandos em carros da marca alemã é a disposição das alavancas de direção e do cruise control, ambas do lado esquerdo do volante, a convidar o motorista à confusão. No J3 há uma falha semelhante: a alavanca que aciona lanternas e faróis fica totalmente escondida pelo volante. Como a iluminação do painel é permanente e não há luz-espia indicando o uso das luzes externas (só há para o farol alto), é preciso esterçar o volante para olhar a alavanca. Ou então aprender a decifrar a posição pelo tato.


E por falar em painel: ele é horroroso. A cor azul, segundo a JAC, foi escolhida a dedo para agradar ao público brasileiro, em vez do âmbar mais ao gosto dos chineses. Pode ser, mas o tom quase arroxeado, excessivo e irritante, só agrava a confusão causada pelos marcadores concêntricos de rotações e velocidade. E não há computador de bordo -- o que, juntamente com as distorções típicas do uso em pista, impediu uma marcação confiável de consumo médio (a JAC não informa esses dados).Toda a equipe de
UOL Carros experimentou o J3 hatch; diferentes motoristas deram ênfase a diferentes terrenos e situações. Algumas opiniões podem divergir pontualmente -- não houve consenso sobre o câmbio, por exemplo, e teve gente que gostou da iluminação azul...

As experiências com o carro em cidade e estrada estão nos boxes de texto. O que vem a seguir é um relato sobre o uso do J3 em condições mais extremas, em pleno Autódromo de Interlagos, em São Paulo.


O JAC J3 NA PISTA

No dia 13 de março, levamos o carro chinês para competir na 1ª etapa do Festival de Regularidade 2011, em Interlagos. Trata-se de uma prova aberta ao público em geral (mediante uma taxa, é claro) e disputada com carros de passeio de qualquer marca e motor. Ao longo de uma hora de competição, é preciso cravar o mesmo tempo a cada volta. Segundos a mais ou a menos são punidos com perda de pontos.

Como o J3 é um carro de motor pequeno -- de 1,3 litro, embora a JAC exagere (como fazem outras marcas) e o descreva como um 1,4 litro --, achamos mais prudente escolher o maior entre os três tempos propostos para cumprir os 4.309 metros de Interlagos: 2m54s, o que pediria uma velocidade de constantes 89 km/h caso o traçado pudesse ser feito uniformemente. Como Interlagos não é um circuito oval (muito ao contrário), isso é impossível -- e excelente para testar um carro.Para se ter uma ideia: nas dez voltas que valeram para efeito de pontuação, a velocidade máxima registrada pelo J3 foi de 146 km/h, aferida nos postos de cronometragem no final de reta (segundo a JAC, o carro pode chegar a 186 km/h). Mas a cada volta a média ficou sempre entre 88 km/h e 93 km/h. A amplitude desses números deixa entrever o quanto o J3 foi exigido em freadas fortes, retomadas até o limite dos giros e acelerações abusadas.


E ele surpreendeu.


O início da prova foi de natural desconfiança, especialmente em relação à suspensão: o sistema do hatch visivelmente foi elevado para enfrentar o asfalto urbano brasileiro com mais conforto, deixando um vão entre carroceria e pneus digno de um off-road light. Só que o asfalto de Interlagos é perfeito, e fazer curva não é para carro "altinho".


Tudo bem: o J3 se segurou no traçado quase o tempo todo, eventualmente escorregando um pouquinho ao completar o S do Senna e na entrada do Laranjinha -- curvas que requerem cuidados especiais. Após algumas voltas, o J3 já era quase nosso velho conhecido, com um comportamento bastante previsível. Consequentemente, e muito importante na pista, antecipável.  


O propulsor de quatro cilindros, 16 válvulas, 1.332 cm³ de deslocamento, 108 cavalos de potência e 13,8 kgfm de torque a 6.000, movido apenas a gasolina (o motor flex está prometido para o futuro), obviamente não é uma turbina de Boeing, mas mostrou vontade e resistência ao longo da prova. Terceira e quarta marchas foram sempre esticadas até perto do limite de giros do motor, logo acima de 6.500 rpm, e não houve sinal de sobreaquecimento ou de qualquer outro tipo de "cansaço" do conjunto. O câmbio manual de cinco marchas se mostrou bem escalonado e aceitou trocas mais agressivas. Não é excelente, mas é melhor que o de um Fiat Palio, por exemplo.


Pena que o volante -- que tem alguma folga, perceptível em retas -- seja de empunhadura mais delicada: ao menos para uma direção esportiva seria preferível uma peça mais encorpada. E o banco excessivamente mole também não ajudou a preservar as costas do piloto.


No fundo, o aspecto mais importante a ser ressaltado nessa experiência de pista com o JAC J3, muito mais que qualquer número de desempenho, talvez seja o fato de ele nos ter passado suficiente segurança para irmos até as últimas consequências (dentro de nossas habilidades como piloto) numa prova cujas principais demandas para o carro são versatilidade e confiabilidade, e envolvendo modelos de diversas outras marcas -- alguns novíssimos, outros com mais de 15 anos de uso, mas todos de fabricantes com décadas de tradição, no Brasil e/ou fora dele. Em outras palavras: nenhum deles era chinês. E o JAC J3 trabalhou de igual para igual.


No geral, a equipe de
UOL Carros aprovou o modelo chinês, com ressalvas menores (como as de estilo e acabamento). Tudo parece indicar que este -- digamos assim -- é um carro "sério". Se é durável, e se a JAC do Brasil conseguirá cumprir promessas audaciosas como a garantia total de seis anos, só mesmo o tempo para dizer. Por ora, faça (ou não) a sua aposta. É disso que se trata.

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