Uma decisão recente da agência de notícias Associated Press sobre o uso do Twitter por seus funcionários deflagrou um debate online envolvendo mais de mil pessoas ao redor do mundo. O fato mostra como o óbvio pode passar despercebido diante dos nossos olhos cada vez mais bombardeados por uma avalancha de dados, fatos e informações.
A AP proibiu seus repórteres e editores de expressarem opiniões, bem como repassar mensagens postadas no Twitter. A polêmica decisão que foi classificada como censura levantou, no entanto, uma discussão sobre nossa conduta cotidiana na hora de repassar informações para outras pessoas. Esse boca a boca informativo é um dos hábitos mais arraigados na cultura contemporânea e feito quase sempre de forma automática.
Mas é aí que a decisão da AP tocou um nervo sensível em todos nós. Passar adiante informações não é mais um gesto inocente e muito menos sem consequências. A avalancha informativa nos obriga a repensar nossa conduta como transmissores e receptores de informação, numa reeducação que não é e nem será fácil e rápida.
Repassar mensagens — o popular retweet, ou RT — é um dos procedimentos mais comuns entre os quase200 milhões de usuários do sistema de micromensagens em todo o mundo. Mas raríssimos se dão conta de que fazer um RT embute algum tipo de endosso ao material repassado, um endosso que pode não estar na cabeça de quem envia, mas certamente é levado em conta por quem recebe.
A Associated Press está assustada com a possibilidade de sua marca acabar sendo associada àdisseminação viral de mensagens postadas por seus repórteres, correspondentes e editores. A preocupação da agência tem razões essencialmente comerciais, mas ela nos leva a pensar em algo bem mais complexo e que tem a ver com nosso dia a dia.
Como o volume de informações que recebemos diariamente cresce sem parar (só no Twitter são cerca de 50 milhões de mensagens diárias), passamos adiante o que nos parece interessante sem parar para pensar. É aí que reside o perigo. Como todos nós enfrentamos a mesma saturação informativa, ninguém pensa duas vezes antes de repassar informações e, aí, podemos estar contribuindo involuntariamente para um megaequívoco.
Os jornalistas têm responsabilidade dobrada em relação a esse processo porque nossa cultura nos induziu a vê-los como referências de credibilidade informativa. A nova realidade da internet inviabilizou essa referência, mas ela continua embutida em nosso comportamento diário. A reconfirmação de todas as informações que chegam todos os dias a uma redação é materialmente impossível de ser feita dado o volume e complexidade do material recebido.
É um dilema atroz e que tira o sono dos profissionais mais conscientes de suas responsabilidades informativas. O problema cresce cada vez mais porque se multiplicam os sites informativos que usam mensagens postadas pelo Twitter como matéria-prima informativa. A maioria dos sites que se especializaram na cobertura da chamada Primavera Árabe usaram esse tipo de recurso., como é o caso de Andy Carvin, na National Public Radio (NPR) , a respeitada rádio pública dos Estados Unidos.
O debate está longe de acabar e tende a se acirrar ainda mais porque não é um problema com solução rápida nem imediata. Uma análise da polêmica desatada pela decisão da AP mostra que o problema não é achar uma fórmula técnica, mas, sim, mudar um comportamento e um conjunto de valores.
Uma das fórmulas mencionadas foi a de que os jornalistas deveriam distanciar-se do conteúdo da repostagem colocando uma ressalva de que não assumem responsabilidade sobre o conteúdo passado adiante. Isso poderia tranquilizar os profissionais como um procedimento formal, mas os leitores continuariam associando automaticamente o conteúdo ao emissor, mostrando que o problema não e só dos jornalistas.
O cidadão comum também precisa saber que ele tem motivos de sobra para igualmente ficar preocupado, no mínimo, porque pode acabar sendo uma vítima da disseminação viral de informações descontextualizadas. É evidente que os leitores não poderão conferir todas as informações que recebem porque o dia seria curto para isso. A solução não pode ser individual e sim coletiva, e é aí que começa um outro desafio. A mudança de nossos hábitos informativos. É desnecessário dizer que isso é complicado, mas trata-se de uma discussão que não poderemos adiar por muito tempo.
P.S. Este é um assunto em que os comentários de leitores podem ser muito mais úteis para a discussão do que o meu texto. É uma provocação, porque sinto falta do retorno de vocês.
Por Carlos Castilho - reproduzido do Observatório da Imprensa
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