Dona da mina com o menor teor de ouro do mundo, a canadense Kinross desmonta 180 mil toneladas de minério por dia para atender ao aumento da demanda global
Sob um sol quente e um ar seco, a paisagem da mina de ouro de Paracatu (Minas Gerais, a 488 quilômetros de Belo Horizonte) choca ainda mais. A imagem é de terra arrasada, cenário de um filme apocalíptico. Quase não há homens em campo. Apenas retroescavadeiras abastecendo caminhões gigantes, que vão e vêm abarrotados de minério. Pipetas de ouro, não se vê ali desde os tempos do Império. Só montanhas de pedras. E muita poeira. A mina, hoje a maior do País em movimentação de minério, não para de crescer para atender à corrida mundial pelo ouro.
Desde o ano passado, todos os dias, pontualmente às 16 horas, 180 buracos são detonados com explosivos, desmontando 180 mil toneladas de uma só vez. Até 2040, prazo para o fim da exploração da Rio Paracatu, a parte noroeste terá "mergulhado" cerca de 200 metros de profundidade, cinco vezes mais do que hoje. Na última grande reserva de ouro descoberta no País e com o menor teor do mundo, nenhum grama pode ser desperdiçado.
A cada tonelada de minério extraída, sobra apenas 0,4 grama de ouro. Nas minas subterrâneas do Chile e dos Estados Unidos, por exemplo, essa relação pode chegar a 15 gramas por tonelada. "Para tirar ouro nesse teor, é só movendo terra daqui para ali e desmontando montanha. O ouro de Paracatu é muito fino, não é simples recuperá-lo", explica o engenheiro de minas Aldo Ferreira, sócio da consultoria Metal Data.
Explorada pela canadense Kinross desde 2005 - quando foi comprada da anglo-australiana Rio Tinto -, a mina saiu de uma produção de 5 toneladas por ano para as atuais 14,8 toneladas. Neste ano, deve chegar ao pico de 17 toneladas e depois variar entre 15 e 16 por ano até o fim da vida útil da mina, segundo as previsões do presidente da Kinross no Brasil, José Roberto Freire. O projeto de expansão, iniciado em 2008, consumiu investimentos de US$ 570 milhões.
Todo esse esforço tem muito sentido econômico. Apesar das condições adversas, a mina é lucrativa. O ouro atingiu no ano passado um patamar histórico e não para de bater recordes (veja gráfico abaixo). Na última semana, a cotação da onça (medida usada internacionalmente, que equivale a 31,1 gramas de ouro) rondou US$ 1,4 mil, cinco vezes mais que no fim da década de 90, quando a mina de Paracatu sofreu a sua pior crise. "Mesmo que caísse a um patamar de US$ 700, a mina ainda seria lucrativa. Mas não cai mais, porque as minas pequenas fechariam e, com a produção menor, o ouro voltaria a subir", afirma Freire. "Isso dá uma situação muito estável financeiramente à mina."
Crise. A recente escalada do ouro foi provocada por diversos fatores - alguns mais e outros menos determinantes. Na segunda categoria estão a ascensão da classe média na Índia, que passou a consumir mais joias em ouro, e a redução da oferta do metal - está cada vez mais difícil encontrar novas reservas; nas que existem, os teores só caem.
Mas o que empurrou o ouro para patamares acima de US$ 1 mil foi a crise financeira mundial. O economista Nathan Blanche, sócio da Tendências Consultoria, gosta de dizer que o valor do ouro é a soma das inseguranças do mundo. "Durante crises, há fortes distorções de preços, porque os investidores fogem de outras aplicações e buscam o ouro para se proteger. A alta do ouro tem pouco a ver com o aumento real da demanda", diz Blanche.
A corrida do ouro começou em 2006, quando o banco central americano baixou a taxa de juros. "Naquela época, os investidores viram que o ouro poderia render mais do que os títulos do Tesouro", explica Blanche. Com o acirramento da crise e a desvalorização do dólar e do euro, mais e mais investidores passaram a comprar ouro para se proteger. Bancos centrais de países emergentes decidiram diversificar suas reservas comprando ouro, tornando-se alguns dos principais compradores do metal.
Há também um quarto fator, menos conhecido, ajudando a semear a alta do ouro. Trata-se de um fundo criado em novembro de 2004 pelo Conselho Mundial do Ouro (World Gold Council), quando o interesse pelo metal estava começando a aumentar. Composta por mineradoras internacionais, até então a entidade lutava para sobreviver. Ao transformar as barras em instrumentos negociáveis na Bolsa de Nova York, o fundo acabou democratizando o mercado de ouro. Hoje é o maior proprietário privado mundial do metal, com um estoque diário de US$ 30 milhões, segundo reportagem recente do Wall Street Journal. A sua reserva atual é maior que a do Banco Central da Suíça. O megainvestidor americano George Soros é um de seus cotistas mais famosos, com centenas de milhões de dólares investidos.
O ouro, na visão de Blanche, não voltará mais à casa dos US$ 300, mas, assim que a economia americana voltar a crescer e a taxa de juros subir, vai haver uma corrida no sentido contrário, para vender o ouro e realizar os lucros desses últimos quatro anos. "Esses movimentos especulativos são muito rápidos. Eu não me preocupo com as mineradoras, porque elas fazem planos de longo prazo, mas com uma legião de pequenos e médios investidores", diz o economista.
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